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“Vale do Prado”

Aqui do alto, numa pedra me sento
Liberto-me das pegajosas correrias do mundo
Concentro-me apenas em mim
E em tudo o que consigo absorver
Desta paisagem que se deita à minha frente;
É fim de tarde e o sol vai alaranjando os verdes
Uma brisa vai cortando o calor que ainda se sente
Ao fundo escuto o ribeiro que teima em se lançar às pedras

E numa paisagem que parece estática
Onde tudo parece lento, tranquilo, em paz
Vejo o quanto se engana, o que não pára para ver.
À minha frente um verde prado se alonga
Rodeado de silvas, árvores e outro mato
De onde animais saem em grande azáfama
E é tão grande a corajosa aflição, que num ápice regressam
Ao abrigo que tão bem os esconde dos fatais perigos deste prado.

Veloz passa a lebre que assusta o pardal que voa para o ramo
Basta olhar todos os seres para sentir o seu coração pulsar
Há nervosismo e medo, mas também doses de coragem
Tudo é muito rápido afinal, e a tender para o cruel
Enquanto voa o trágico roedor nas garras da rapina
Revejo que afinal o prado é o prato onde todos comem
Local de loucas batalhas, onde nasce vida e começa a morte
Todo um mundo ou o centro do mesmo, ali mesmo a meus pés
E não consigo deixar este estranho sentir, de talvez ser divino
Afinal o prado sou eu que o mantenho,
Que o semeia, que o lavra, meu suor seu alimento
E o espanto atinge-me tal raio de tormentosa nuvem
Queima em mim, semente de novo humilde pensamento:
-Sou deus do verde ensanguentado prado!
-Sou deus deste universo que meus olhos abrangem!
-Sou deus porque sinto as vidas que nele habitam!
Já não sei se sei dissociar o terreno do divino e quem realmente sou!
Não sei se realmente este prado que criei é coisa boa ou maldade.
E enquanto questiono a minha própria existência
E a natureza que adaptei às minhas necessidades
Penso que talvez fosse melhor que o tojo o cobrisse de novo
E de semblante carregado, apenas me vem à cabeça Deus
… a olhar o seu prado…

 

Budapest 2020