Um “país” só para os ciganos húngaros? A proposta do partido Opre Roma

por Joel Lopes Egas
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“Apenas 11% dos ciganos se manifestam dispostos a ser vacinados, na Hungria”.” A maior pobreza extrema na Hungria afeta quase exclusivamente a comunidade cigana”. “O grupo mais segregado socialmente são os ciganos e a maior taxa de insucesso escolar húngara encontra-se também na comunidade cigana”.  É desolador, mas quase todos os dias ouvimos notícias com estes factos, sobre uma comunidade que está no país dos magiares há 600 anos. 600 anos que não os fizeram suficientemente “húngaros” e anónimos, apesar de falarem a mesma língua que os outros concidadãos. Numa entrevista a um jornal dinamarquês, János Szusz, membro da comunidade cigana e do partido Opre Roma, afirmou que a solução para o povo roma está em criar uma região autónoma no nordeste da Hungria, com um governo local exclusivamente cigano, com políticas feitas por ciganos para ciganos.

De acordo com Szusz, a comunidade cigana estava melhor integrada quando ainda reinava o regime comunista na Hungria. “Todos os ciganos tinham algum tipo de trabalho dado pelo Estado”. Com a passagem para o sistema capitalista em 1989, todos esses trabalhos assegurados pelo Estado desapareceram, o que fez com que a comunidade caísse num poço sem fundo de alienação económica e social”. Para Szusz, a solução para resolver o “problema cigano” não reside em voltar ao sistema comunista, porque mesmo esse não eliminou a discriminação contra a comunidade. “A raíz do problema é que nós, os ciganos, não temos um sítio a que possamos chamar de casa, nem uma representação política que nos dê legitimidade”. Apesar da comunidade “cigány” ser oriunda historicamente do norte da Índia, para Szusz, algures no nordeste da Hungria, onde a população cigana vive em extrema pobreza e ultrapassa quase os 30% seria o local ideal para lançar as sementes de um governo roma. Para o político, esta solução terá de ser implantada o mais rapidamente possível, dado que se prevê que a população cigana alcance os 30% da população total húngara em menos de 40 anos. “Se 30% da população total húngara estiver tão mal integrada como hoje está, tal seria uma catástrofe. É preciso uma solução radical”. Dados oficiais indicam que só entre os anos 90 e a última década, a população cigana passou dos 200 mil para os 800 mil habitantes.

Afinal, porque é que os ciganos não estão verdadeiramente integrados em nenhuma parte do mundo? Nem em Portugal, nem na Hungria. Nem em países de direita, nem de esquerda; nem em países democráticos ou pouco democráticos; nem em países progressistas ou pouco progressistas. É certo que as políticas de integração falharam um pouco por toda a parte com diferentes etnias, mas parecem falhar mais estrondosamente com a comunidade cigana, sobretudo tendo em conta que esta comunidade está na Europa há centenas de anos. Será culpa dos brancos, será culpa dos ciganos? Será dos dois? Para Szusz, no caso húngaro, a culpa será dos dois. Ambas comunidades são, por vezes, intransigentes nos seus valores e recusam qualquer negociação para conviver melhor. Mas existe um preconceito muito forte a priori, sobretudo por parte da maioria dos brancos húngaros, que são os que detêm o poder. Também recusa as velhas “políticas de condescendência” de esquerda. “Os ciganos, um povo historicamente nómada, precisam de uma pátria.”

Apesar de eu e o leitor sabermos que este “estado” seria difícil de existir no seio de um país com um trauma coletivo no que às fronteiras diz respeito (Trianon), é importante questionar o desafio de Szucs e pensar no quão importante é o conceito de “casa” para as diferentes nações. Não sem razão, os curdos lutam todos os dias por um Curdistão independente, os palestinianos por uma Palestina independente e os judeus (um povo sem “casa” durante milénios) digladiam-se todos os dias por essa causa. Não seria apenas expectável a nação cigana exigir também um lar? Mas se este estado autónomo cigano existisse, não geraria ainda mais conflitos insanáveis entre húngaros brancos e húngaros ciganos? Esta pergunta infelizmente não foi feita pelo jornal dinamarquês

Após um rol de tentativas de integração falhadas, frustradas com etapas assustadoras de chacina à comunidade, como aconteceu na 2ª Guerra Mundial ou em 2013, quando um gang ultranacionalista húngaro matou uma família de seis ciganos – das duas uma: ou não se está a ser suficientemente sério nas políticas de integração; ou então, citando Szusz, um “país cigano” talvez seja uma improvável, mas derradeira solução para a felicidade do nobre povo cigano.

Budapeste, 20 de julho, 2021

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