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Tempos que correm

Quem me vir ou ouvir diariamente, poderá pensar que me preocupo com pouco e que aparentemente vejo a vida passar com pouco interesse. Quase que me apetece usar a palavra infelizmente, mas a verdade é que não é bem assim. Assisto preocupado a estes tempos que atravessamos, que a mim me parecem um retrocesso civilizacional. Um retrógrado retrocesso.

Vivo na Hungria, em Budapeste, aqui fui acolhido e aqui com gosto decidi viver, e se em muito me encanta este país e estes peculiares Húngaros, é também verdade que existe aqui bastante ódio. Um ódio que me parece por vezes tão enraizado na cultura do país que é difícil dissociar quando uma pessoa o fala genuinamente, ou apenas pela cultura que representa. E tento justificar historicamente este ódio/medo. Ao contrário de Portugal, que à beira do mar plantado pouco se tem de preocupar com fronteiras, invasões, genocídios; a Hungria viveu um século vinte cheio de tudo isto. As duas grandes guerras passaram por aqui, estiveram cá os Austríacos, depois vieram os Alemães e finalmente os Russos, e durante tudo isso, tudo o que pudermos imaginar de pior e mais horrendo, aconteceu aqui, nestas ruas, nestes campos, a esta gente.

Nasci já depois do 25 de Abril, mas antes da entrada na CEE. Quase exactamente entre um e outro. O que senti toda a minha juventude era que caminhávamos para um lugar melhor, que vínhamos de algo muito mau, mas que com esperança, optimismo e até alguma pujança íamos no trilho certo. A prova disso era a queda do muro de Berlim, o fim do Apartheid, a libertação de Mandela, a Perestroika, mais tarde mas na mesma direção essa ousadia que foi Schengen e o Euro. Tudo indicava que o mundo acordava, e se libertava de medos e ódios antigos – “Imagine…”

Houve claro, coisas que me confundiram na altura, como a dos tanques e o Estudante em Tiananmen (Praça da Paz Celestial). E confundiram-me pois pensava em como era possível algo assim acontecer e ninguém fazer nada. Depois, a Jugoslávia, o horror da guerra, aqui mesmo no centro da Europa, e de novo, ninguém conseguiu travar isto… Talvez fosse um sinal de que afinal pouco havia mudado.

Hoje, regressaram em força os ódios, os medos e os extremos que ao que parece nunca se foram, talvez apenas estivessem ligeiramente adormecidos à espera do momento certo. E vejo o meu país, Portugal, de vento em popa cavalgando esta onda. Em jeito de fábula, neste momento temos o “Lobo mau de direita” também conhecido por facho, o “Lobo mau de esquerda” ou comuna, e os “lobos maus do centro” uma espécie de velha e matreira alcateia que rege a floresta a seu belo prazer. Todos se odeiam, mas a verdade é que neste momento todos partilham os mesmos carreiros e corredores, e todos usam a mesma arma para controlar a carneirada… voltando ao início, o ódio e o medo.

Tudo serve como campo de batalha: Aulas de cidadania, racismo, o museu das descobertas, os imigrantes, os pastéis de bacalhau com queijo da serra, os fogos, o Avante… todas estas escaramuças minuciosamente coberto pela comunicação social e opinadas por um cem número de opinadores como se cada um deles tivesse a razão de uma milhena de homens. Vou lendo, cada vez com menos interesse a maioria delas, pois em quase todas lá vamos encontrar o ódio que vem do medo e o medo que vem da estupidez humana quando vive em sociedade. Parece sempre que se justificam, e que mais importante do que a verdade é que tenham razão.

Alimentando-se de tudo isto e juntando-lhe ainda a descarada corrupção do centro (ou de todos), os extremos ódios alegremente crescem! Cada vez mais!

Preocupa-me o que a minha filha vai encontrar no futuro. Cabe-me a mim prepará-la o melhor que souber, e apenas me vem à cabeça o caminho mais complicado para o fazer, que é tentar combater o medo com amor… Imagino que se avizinham tempos complicados. É que nesta crescente luta de ódios, um dia, inevitavelmente como tantas vezes aconteceu no passado, um deles vai ganhar.

 

Frederico Raposo