Como em todos os confins e recantos do mundo, esta reclusão devido à pandemia, teve além de consequências difíceis e tristes, também na Hungria, momentos de esperança e de inspiração artística. Assim na quarentena nasceram obras literárias durante estes últimos meses, quase um ano. Nos próximos dias vamos oferecer uma amostra destas obras aos nossos leitores: publicaremos versos de vários poetas húngaros.
Zalán Tibor (1954) é um dos representantes da poesia experimental na Hungria, já publicado em língua portuguesa, no volume Novíssima Poesia Húngara (Bico da Obra, 1985), organizado e traduzido por Ernesto Rodrigues. Ele traduziu também poesia de língua portuguesa, assim várias traduções dele aparecem na grande antologia da poesia de Fernando Pessoa publicada em 2018 (Bensőmben sokan élnek/Vivem em mim inúmeros; edição de KMTG).
SZABÓ LŐRIINC SONHA COM Bartók Béla NO SEU MAL ESTAR – DURANTE A QUARENTENA
não gosto de estar em casa. não gosto de estar em nenhum outro lugar. não gosto de estar em lugar lugar algum
o homem na beira do oceano atrás dele no chapéu de crepúsculo de co de pombar o homem verte o mar
sentado à minha secretária, quase desmaiei. as habituais palpitações cardíacas, sangue a bater
pesadas lágrimas rolam dos seus olhos sem luz para a lua verte a água dobrando sempre a escurecer
escurecimento e enfraquecimento, escurecimento, a escuridão veio de dentro, dos lados, de todos os lados
nas suas costas, os exuberantes matadouros da noite iluminam-se está a tropeçar nos doze graus da existência
o campo de visão mostrou um círculo em constante estreitamento, diminuindo em segundos, como numa névoa
(de costas para nós) escurecimento constante: uma farpa nos tímpanos do mundo: homem de um suspiro só
apenas o círculo a diminuir mostrava objectos no meio, a tensão interior era muito assustadora
novamente o homem cinzento e as pombas sem pátria por detrás da lua vozes frias e prateadas voam
Quase caí na minha cadeira – sacudi-me e encorajei-me, devia andar
não te preocupes ISSO JÁ NÃO é a Hungria NEM MAIS É a américa Nem MAIS
hoje o tempo está mais fresco, o dia começou com 24 graus. Na casa nervosisismo, aversão, nervosismo
não vejas – faça um gesto – cada vez mais fresco; o cemitério está fechado, não a morte: o sabor da terra repugna : uma vez
insuportável. todos sofrem. todos são mártires. quando virá o meu mundo
o breu giratório da nossa existência em vão tocas o piano nas salas de concertos perfumadas e sangrentas
f-u-g-i. f-u-i-m-e-e-m-b-o-r-a. Trouxe para casa um pedaço de vidro do depósito de lixo
f-u-g-i. f-u-i-m-e-e-m-b-o-r-a. Os novos condutores marcham tensos no mapa da europa
o quanto nos pequenos, mesmo nos muito pequenos o desejo de vingança. É de tomar a peito
já tem uma sombra o vento ! há algo na alma do povo : algo que não podemos compreender : algo
este Verão vai passar tão depressa. e não posso tirar partido disso. mas hoje
f-u-g-i. f-u-i-m-e-e-m-b-o-r-a. f-u-i-m-e-e-m-b-o-r-a. f-u-g-i. Saí. Fugi.
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