Sorrisos

por Frederico Raposo
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Passou-se há uns anos, mas ficou-me na memória até aos dias de hoje. Vi o tram (elétrico) ali na paragem perto do Parlamento quase a ir, se corresse, chegaria a tempo de certeza, mas num rápido pensamento, decidi que não iria correr, deixei o dito fechar as pesadas amarelas portas e seguir o seu caminho. Não corri, em primeiro lugar, porque não estava atrasado para lado nenhum, e por outro, porque aqui, nunca se espera muito pelo próximo. Enquanto esperava, pensei na causalidade das coisas, e o que aconteceria de diferente na minha vida por ter tomado esta decisão. Encontraria alguém? Um desencontro? Ou talvez o meu destino tivesse partido no anterior. A verdade absoluta sobre todas estas hipóteses nunca saberei, mas fiquei a saber o que me aconteceu por ter ido no seguinte. Subi os degraus e acomodei-me de pé, como sempre faço, num qualquer canto onde não incomode ninguém. Olhei em volta e vi uma cara conhecida; uma rapariga que trabalhava na mesma empresa que eu. Não a conhecia pessoalmente, só de vista, e penso que sempre que passei por ela, estava com cara séria, ou esta parte é produto da minha imaginação de forma a tornar a experiência mais viva, mas não interessa muito na verdade. Nesse dia ela ia de pé junto à janela, e sorria. Não estava ao telefone, nem a ler, nem a falar com ninguém; apenas sorria enquanto vagarosamente seguíamos junto ao rio. Obviamente, todo este quadro chamou-me a atenção, pensei nas mil e umas razões pelas quais ela estaria a sorrir, romantizei todas elas e em todas elas pensei que não era exatamente essa a razão. Ela não contemplava, olhava antes o infinito e parecia perdida nos seus próprios pensamentos, isolada de tudo o que a rodeava. Tenho a certeza que nunca me viu ali, mas a verdade é que eu próprio comecei a sorrir, a sentir-me genuinamente bem. Um sorriso desconhecido fez-me sorrir também, fez-me sentir melhor, neste país onde genuínos sorrisos nem sempre são fáceis de encontrar.

Desde esse dia tenho pensado bastante nisso, e em como o sorriso é importante. Acredito agora que não apenas devemos ter o direito de sorrir, mas também e talvez mais importante, o dever de sorrir! Sabendo o quão contagioso é o sorriso, quanto mais sorrirmos, mais fazemos os outros sorrir e com isso talvez estejamos a melhorar este mundo um pouco mais. Penso também até onde poderá chegar este encadeamento de sorrisos. Por exemplo, o sorriso da tal rapariga no tram, sem que ela saiba, chegou até aqui, e talvez por eu já ter repetido a palavra sorriso tantas vezes, o próprio leitor deste texto já esteja a sorrir também…  Seria um bom sinal.

E aproveitando o sorriso anterior, umas semanas atrás, fui cortar o cabelo e levei comigo a minha filha de 3 anos. Enquanto a senhora me cortava o cabelo, e como não podia mover-me muito, fui entretendo a minha filha com uma “batalha de sorrisos”. Eu sorria, ela sorria de volta, e vice versa. Entretanto a senhora interrompeu esta nossa batalha e sorrindo disse-me: “Tem um cabelo muito forte e sem cabelos brancos!” Eu tentei explicar-lhe que decerto era genético, mas ela não ficou muito convencida com os meus argumentos e disse prontamente e sem direito a contestação: “Não! Vê-se que tem assim o cabelo porque sorri muito!” Fiquei um pouco sem palavras, mas a verdade é que soube-me muito bem ouvir isto e sorri.

Para terminar, e sempre com um sorriso, deixo dedicado este texto a bons amigos que tive e que já nos deixaram: o João Viegas, o Octavio Saldanha, o Paló, o Jean Pierre. Tipos que não tinham medo de sorrir genuinamente, que espantavam os seus públicos com fortes, imprevisíveis e contagiantes gargalhadas. Continuo a sorrir e a rir-me com eles, é esse o meu dever, é isso que quero, ter esta memórias diariamente comigo, e assim fazer a minha parte, em fazer o mundo sorrir um pouco mais.

 

Frederico Raposo

12.07.2021 – Budapest

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