1

Rui Pinto colocado em Liberdade

Incógnito e disfarçado Rui Pinto vivia na Hungria, onde via os jogos do seu Futebol Clube do Porto em dois bares. Nos últimos tempos andava muito assustado, não propriamente pela polícia, mas com medo do poder dos poderosos.  Detido na Hungria em 2019, recebeu ordem de extradição para Portugal, mas recorreu da decisão.

O hacker que estava em prisão domiciliária nas instalações da Polícia Judiciária desde abril conheceu pelas 17.00 de ontem (7 de agosto) o despacho que determinava a sua libertação. É, assim, desde essa hora um homem livre e irá viver para uma casa preparada para receber testemunhas protegidas. No entanto, esta mudança só deverá concretizar-se durante o dia de hoje.

A colaboração com as autoridades foi a justificação para a decisão de libertar o hacker. Os procuradores do Ministério Público titulares da investigação foram contra pois consideram que existe perigo de fuga e de “continuação da atividade criminosa”.

Súmula da notícia ontem publicada por Carlos Ferro e Valentina Marcelino no DN:

A intervenção do diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Albano Pinto, e do responsável pela Polícia Judiciária, Luís Neves, foram determinantes para a decisão da juíza-presidente do coletivo de juízes do julgamento Margarida Alves de “colocar imediatamente em liberdade” Rui Pinto, dando assim provimento a um requerimento da defesa. Uma ordem a que se opôs o Ministério Público.

Acusado de 90 crimes, Rui Pinto viu as medidas de coação serem alteradas para termo de identidade e residência e apresentação semanal às autoridades.

A colaboração com a PJ foi o motivo avançado pela juíza para a libertação que no seu despacho cita uma confirmação por parte do “Exmo. Sr. Diretor do DCIAP, confirmar a colaboração efetiva do arguido […], mais salientando que segundo a informação que recolheu acerca de diversas investigações em curso o arguido Rui Pinto tem ‘demonstrado uma disponibilidade total e espontânea para o apuramento da verdade, respondendo, cabalmente, a todas as questões que lhe são colocadas”.

Rui Pinto, que foi detido na Hungria em 2019, assumiu-se como o autor da divulgação das informações que deram origem ao Luanda Leaks, a envolver Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola, e como criador da plataforma Football Leaks, que levou à justiça várias figuras do futebol.

Depois de aceitar colaborar com a Polícia Judiciária passou para prisão domiciliária na sede da PJ, uma mudança de atitude que mereceu elogios do diretor nacional da Judiciária, Luís Neves em entrevista ao DN.

Está acusado de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão.

O hacker está a ser defendido pelo francês William Bourdon, famoso advogado de “denunciantes” como Julian Assange, o fundador da WikiLeaks, e os bancários que deram origem aos Lux Leaks e Swiss Leaks. Faz parte do conselho consultivo da The Signals Network, uma fundação franco-americana que “também representou os notáveis ​​denunciantes Edward Snowden e Antoine Deltour”, e que está a pagar a defesa legal do hacker português.

 

Republicamos aqui um artigo originalmente publicado pelo Diário de Notícias a 14 de setembro de 2018,  a propósito da detenção de Rui Pinto, anunciada pela Polícia Judiciária.

 

O que se sabe de Rui Pinto, o pirata informático do Football Leaks que terá desviado os emails do Benfica

Rui Pinto terá divulgado contratos do FC Porto e do Sporting e desviado documentos do Benfica. Detido na Hungria, recebeu ordem de extradição para Portugal, mas recorreu da decisão.

“Os fãs têm de perceber que com cada bilhete, cada equipamento que compram e cada subscrição televisiva que fazem, estão a alimentar um sistema extremamente corrupto que funciona apenas para si (…) Há ligas na Europa que são controladas apenas por três ou quatro agentes. Eles fazem transferências contínuas com presidentes de clubes corruptos. O sistema do futebol está a consumir-se a si próprio por dentro”, dizia “John” ao Der Spiegel em dezembro de 2016, numa longa reportagem de investigação com o título “O homem por trás do Football Leaks”. “De onde veio a maior fuga de sempre na história do desporto? Um encontro com o homem que expôs os truques fiscais e as práticas comerciais obscuras dentro do negócio do futebol”, salientava.

E o que se pode retirar de “John”, o nome fictício do ‘Garganta Funda’ que revelou em termos públicos tudo isso? Que nasceu em Portugal, que é um jovem com capacidades acima do normal que fala cinco línguas e estava a aprender mais duas, entre as quais russo, que é um bon vivant que gostava de ir a festas sempre acompanhadas com cerveja enquanto partilhava com os amigos mais próximos as suas histórias. “Adora a sua liberdade, viaja com frequência e raramente permanece no mesmo lugar muito tempo”, acrescenta sobre alguém que bebe o café quente sem pousar a chávena na mesa e que, no dia desse encontro, chegou com calças de ganga rasgadas, sapatos sujos (“apesar de não ligar a isso”) e um buraco numa das meias.

A certa altura, as perguntas mais complicadas. A reportagem fala da participação da Doyen, um dos fundos de investimento que foram visados nos primeiros ataques (tal como o Sporting e o FC Porto), à polícia. Fala de um email que alguém com o nome de “Artem Lobuzov” enviou para Nélio Lucas, principal responsável da Doyen, pedindo alegadamente um valor entre 500 mil e um milhão de euros para parar de revelar informação confidencial sobre o fundo e os seus ativos. Fala de um encontro entre Nélio Lucas, o seu advogado, e Aníbal Pinto, representante jurídico de “Lobuzov”. Mas quem é Lobuzov? Trabalha com John? Será que são a mesma pessoa? John é um hacker? “Nunca fizemos nenhum ataque informático a ninguém e, como sempre dissemos, não somos hackers. A única coisa que temos é uma boa rede de fontes. Todas essas alegações ridículas estão a vir de uma organização criminosa. Isso é o que a Doyen é, uma organização mafiosa”, respondeu, após uma longa pausa.

Em dezembro de 2016, John, ou Artem Lobuzov, continuava a negar as acusações que tinham sido lançadas em termos públicos apenas uns meses antes pelo Football Leaks Revealed. Nesse endereço, que foi criado e apagado não muito tempo depois, era apontado o dedo, após uma longa investigação, ao alegado artífice da fuga de todos os documentos.

“Trata-se de Rui Pinto, um português de 27 anos, residente em Budapeste e com passado com delitos como hacker. E presente, ao que parece. Rui Pinto utilizou diversas técnicas de hacking para conseguir o material, para sacar para o domínio público os contratos de múltiplos jogadores e clubes. Além disso, contou com a ajuda de mais pessoas. Entre elas, o seu advogado, Aníbal Pinto, com quem comunicava mediante TOR [software que permite fazer comunicações anónimas], impedindo assim que fosse descoberto”, escreveu o jornal Marca em março de 2016, prosseguindo: “Rui Pinto esteve envolvido em ataques informáticos no passado. Em 2013, ‘hackeou‘ o Caledonian Bank, das Ilhas Caimão, e conseguiu a informação suficiente para transferir 300 mil dólares para o Deutsche Bank, mas foi identificado na intenção e detido. Foi aí que chegou Aníbal Pinto. O seu advogado salvou-o de uma pena maior e, no final, apenas tiveram de pagar uma multa de 100 mil dólares”. De forma mais resumida e sem grandes detalhes, essa informação saiu no mesmo dia no jornal As.

A publicação desportiva espanhola vai ainda mais longe no que toca à ligação entre o alegado hacker e Aníbal Pinto. “O advogado colocou-se em contacto com vários clubes de Portugal exigindo dinheiro em troca de que os documentos não viessem para a praça pública. Portanto, Rui e Aníbal tentaram extorquir e chantagear diversos clubes e, quando não lhe pagavam, eles tornavam públicos os documentos através da página do Football Leaks. Apesar deste sítio na internet advogar um futebol transparente, onde qualquer adepto pode aceder a documentos das suas equipas, houve um claro interesse económico por trás da sua iniciativa”. O advogado, presença frequente da Crónica Criminal do programa matinal da TVI, acabou por abordar esta quinta-feira a ligação a Rui Pinto, com quem não tem qualquer tipo de contacto há mais de dois anos.

“Fui advogado do senhor Rui Pinto, naturalmente que em relação ao seu processo estou sujeito a segredo profissional, só vim intervir porque falaram do meu nome e para defesa da minha dignidade, para que não fique nenhuma dúvida. Não contacto com ele há dois anos. Processo Doyen? Nem sei o que é isso do processo Doyen. Até já li que tinha antecedentes criminais quando, enquanto fui seu representante, não tinha. Tive uma reunião com um ilustre colega, um advogado da Doyen, para a tentativa de um acordo, de um contrato. Para surpresa minha, havia outros contornos mas quando um advogado percebe que pode haver algo ilícito deve fazer duas coisas: afastar-se e dizer ao cliente que, se estiver a fazer algo, que não prevarique. Foi isso que aconteceu. Não conheço o Football Leaks, os emails do Benfica foi uma surpresa para mim…”, disse à TVI e à CMTV.