Regresso ao trabalho

por João Miguel Henriques
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O emigrante regressa ao seu país de acolhimento depois de uma quinzena de família, bons ares e melhores bacalhaus. Por uma questão de escrúpulo ou afectação, o emigrante prefere ser chamado de expatriado, mas os seus pais insistem, por brincadeira ou punição, em chamá-lo de emigrante, apenas mais um entre tantos outros emigrantes, nascidos num país de emigração. O emigrante quando regressa fica ainda uns quantos dias ensimesmado, a recordar os bons momentos passados na terra pátria, e demora por isso algum tempo a reacostumar-se à vida a que já chama normal. Mas isso também experiencia o emigrante quando chega ao seu país para passar férias, pois já não é bem verdade que se sinta logo em casa assim que pisa solo nacional. O emigrante sabe muito bem que os anos não perdoam e que já um pouco se perdeu esse sentimento de inequívoca familiaridade com o país que o viu nascer. O emigrante tem por exemplo consciência de que já perdeu no seu país certos direitos, tais como criticar certas coisas, comentar a vida alheia ou sugerir na casa de família o melhor lugar para uma peça de mobiliário ou decoração. Ainda assim o emigrante preserva nessa casa o seu quarto, os seus privilégios, a sua liberdade de movimentos. Ao regressar ao seu país de acolhimento, o emigrante traz na mala alguns presentes de Natal e o costumeiro abastecimento de iguarias pátrias que dificilmente encontra na cidade onde vive. O emigrante traz também consigo uma réstia de sol na pele, uma memória de luz forte sobre o rosto, aquela tarde passada de mão-dada a farejar o oceano. O emigrante quando regressa sente logo que por aqui o janeiro é bem mais frio na rua e mais aconchegante dentro de casa. Há até qualquer coisa de reconfortante neste regresso à rotina, uma vaga sensação de pertença que o emigrante não consegue bem explicar.  O emigrante acaba então por reajustar os olhos à cor baça do céu que o encerra e habituar os ouvidos ao cada vez menos absurdo idioma que o rodeia. O emigrante devolve os passos às ruas que já tão bem o conhecem, evitando a todo o instante os cadáveres de pinheiros com que a ressaca natalícia enche a cidade. O emigrante está de volta ao trabalho.

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