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Prioridades para as pessoas

O propósito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (PPUE), que se inicia a 1 de janeiro, está bem expresso no lema “Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital”. A PPUE prosseguirá, assim, três grandes prioridades: favorecer a recuperação económica e a transição verde e digital; fortalecer a dimensão social da construção europeia; reforçar a autonomia de uma Europa aberta ao mundo. E decliná-las-á em cinco linhas de ação: a Europa resiliente (na economia e nas instituições democráticas), a Europa verde, a Europa digital e a Europa global.

Mas os leitores podem legitimamente perguntar-se: em que é que isto nos diz respeito, nos beneficia, responde aos nossos problemas e aspirações? Este artigo é uma humilde tentativa de resposta.

Quando penso nos resultados possíveis da PPUE, ou seja, naquilo que, se estiver concluído ou avançado em junho, representará um valor acrescentado da nossa presidência, ocorrem-me ao espírito várias coisas em múltiplos domínios. Desde logo, a colocação no terreno dos programas que constituem o Quadro Financeiro Plurianual, isto é, que financiam projetos europeus e nacionais de investimento e coesão. Conseguirmo-lo significa haver mais recursos para a agricultura e o desenvolvimento rural, para as infraestruturas e as comunicações, para a investigação e a inovação, para a mobilidade académica, para a formação profissional, para o património e as artes. Competirá também à PPUE assegurar a aprovação pelo Conselho dos planos nacionais a financiar pelo Fundo de Recuperação; o que é uma condição necessária para que a resposta europeia à crise pandémica tenha a dimensão exigida. Se, como esperamos, a vacinação maciça e gratuita da população europeia estiver avançada, isso marcará um antes e um depois na luta contra a covid-19. Quando, portanto, dizemos que o primeiro propósito da PPUE é fazer, concretizar, agir para obter resultados, estamos a falar de concluir os processos internos de que depende a recuperação do tecido económico e do bem-estar social.

Mas isto, que os leitores reconhecerão já ser muito, não é tudo. Nós acreditamos que vai ser possível concluir na nossa presidência a aprovação da Lei Europeia do Clima – um compromisso indispensável para combater os efeitos das alterações climáticas, isto é, os fenómenos climatéricos extremos, a desertificação, a perda de biodiversidade, a erosão das zonas costeiras, a escassez da água, etc. Esperamos também concluir a reforma da Política Agrícola Comum, aproximando mais a produção agroalimentar, o ordenamento florestal e a preservação do ambiente.

Será também em 2021 que avançaremos na política industrial e comercial, aprendendo as lições da pandemia e cuidando melhor da capacidade europeia de assegurar bens que, a justo título, consideramos básicos e críticos. A agenda digital permitirá beneficiar mais das novas tecnologias, da ciência dos dados e da inteligência artificial para impulsionar a produção, o comércio, os serviços públicos e a educação, garantindo, ao mesmo tempo, os direitos das pessoas e prevenindo o domínio de monopólios. E, evidentemente, esperamos da Cimeira Social do Porto um impulso político decisivo para a realização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Todos estes desenvolvimentos representarão vantagens evidentes para os cidadãos europeus, portugueses incluídos. Mas não devemos ter uma visão utilitarista da construção europeia. Tão ou mais importantes serão os resultados expectáveis durante a PPUE no sentido de uma maior resiliência democrática da União Europeia, como os avanços na aplicação de um mecanismo de avaliação do cumprimento do Estado de direito, assim como na não discriminação em razão da origem étnica, da religião ou da orientação sexual e na promoção da igualdade de género. Também será matéria para progressos no próximo semestre a implementação do Plano de Ação da União Europeia contra o Racismo e a Xenofobia. Quem pensar que isto não interessa às pessoas que vivem na Europa não sabe o que é verdadeiramente a Europa.

Último ponto, mas não o menos importante: será na presidência portuguesa que se iniciarão os trabalhos da Conferência sobre o Futuro da Europa. O que está em causa é nada mais, nada menos do que o principal desafio do nosso futuro próximo: a mobilização da sociedade civil e da cidadania em torno das grandes prioridades coletivas e das políticas públicas que procuram concretizá-las. A conferência é promovida pelo Conselho Europeu, pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu. Decorrerá num período de tempo relativamente longo, esperando-se a sua conclusão em 2022, na presidência francesa, e envolve a realização de sessões públicas descentralizadas nos vários Estados membros, com a participação dos parlamentos e outras instituições públicas, dos parceiros sociais, de organizações não governamentais e de simples cidadãos. Se, como também esperamos, a conferência se concentrar nos reais problemas e anseios das pessoas, conseguiremos outro avanço significativo na construção europeia, com repercussões diretas no nosso quotidiano.

As prioridades e linhas de ação da PPUE não são pontos políticos abstratos, mas representam, sim, um programa concreto de ação e resultados. Merecem, portanto, a atenção de todos os portugueses.

Augusto Santos Silva – Ministro dos Negócios Estrangeiros

Fonte: DN