Poemas de Pál Dániel Levente – incluídos na antologia Hungarica (Lisboa, junho de 2020)

por LMn
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Pál Dániel Levente (1982)  Ator, encenador, poeta e microcontista, era redator da revista Prae, que reúne jovens tendências literárias. Desde 1999 publica traduções das literaturas em inglês, português, francês e galego;  é autor de quatro livros de poesia e duas coleções de contos. Desde janeiro de 2016,  trabalha para o Capital Circus de Budapeste como dramaturgo. Atualmente é responsável pela divulgação da literatura húngara no estrangeiro.

Esta semana vamos publicar os seus poemas, traduzidos por Ernesto Rodrigues e incluídos na antologia Hungarica (Lisboa, Junho de 2020).

 

TAMBÉM AGORA, COMO SE COM A CORTINA

Most is mintha egy szürke szerelem

Também agora, como se com a cortina
de um amor cinzento desviasse
o ardor do sol de um outro amor.
A luz pica – balança, dança, voa
a paixão de 38,7 graus centígrados.
Do quarto, onde sonho morar,
deito fora todos os móveis:
calmamente mobilo o meu novo lar.
Pinto com sangue a maçaneta da porta,
penduro os livros nos meus intestinos,
esfrego o estômago, raspo-lhe a sujidade,
coloco uma porta no seu lado mais belo,
o que eu ainda comia, aqui o guardo quente,
espero amorosamente o meu amor.
Preparei duas costelas minhas,
duas velas anteriores à mudança,
servi as duas costelas;
pus a mesa, como deve ser,
a sopa quente sobre a minha bacia,
nas omoplatas, a massa,
fiz da pele guardanapo,
dos ossos mais pequenos faca, colher, garfo,
um romantismo do género.
Muita estupidez
ficou para trás, tudo se dispersou,
pois, com um cérebro bruto de meio-homem,
cujo coração se debate, colado ao céu da boca,
toda a minha vida, até hoje, e durante a manhã,
te esperava.
E toda a tarde, durante duas semanas
sem comer nem beber, em contracções permanentes,
cobrindo-me de pó, uniformemente,
embrulhado na minha cortina cinzenta,
balançando, dançando, apaixonando-me,
para nunca mais te ver.

 

RAPAZ DOENTE

Beteg kölök

Na cama, o rapaz está com febre,
transpira a rua,
transpira a casa, tosse, até cair o reboco,
tosse, até cair o reboco.
Os olhos deste rapaz
são grandes como dois ovos,
são grandes como dois ovos.
Em breve corpo amarrotado,
dobra-se a alma.
Vêm médicos, auscultam-no,
o seu rosto é um prato,
é ementa o seu corpo.

 

QUIS ENTERRAR FINALMENTE A MORTE

A halált akartam végre eltemetni

Comi formigas, defendia-me o hálito da terra cavada,
formigas abraçaram-se aos meus pés;
cortei o ovo, as vítimas multiplicaram-se,
almas de formigas às dúzias gotejavam na palma da mão,
anjos minúsculos fixavam meus olhos.
Na palma da mão dou de beber aos cães,
aves dormem sobre meus ombros,
nas minhas cuecas preserva-se o amor,
e hoje ainda ninguém me disse
em quem se deve acreditar cegamente.
Frente à casa fiz uma pequena cova,
quis finalmente enterrar a morte,
do segundo andar aquela
tia reformada e imortal
olhou-me, como olhou ontem à noite.

 

SEM RAIVA, NEM ÓDIO

Nem harag, nem gyulölet

Ainda estávamos frente a frente.
Debruçou-se para mim, ficou muito perto.
Tive de olhá-la nos olhos. A pupila desapareceu.
Algo de verde se colou a algo de muito preto nos seus olhos.
Nem cólera, nem ódio.
Acredita, possui-me tanta paixão,
que, em qualquer momento, pode arrebatar-nos aos dois,
disse ela.
Amei-a com a determinação de um louco.
Bem gostaria de dizer qualquer coisa,
dizer fosse o que fosse.

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