Na polémica sobre a próxima presidência húngara do Conselho da União Europeia, em 2024, alguns dos parceiros históricos mais próximos do país parecem estar unidos na convicção de que estão em posição de fazer escola a Budapeste sobre os valores europeus. No entanto, estão divididos quando se trata de respeitar a vontade dos eleitores húngaros, bem como em termos de aceitação da política europeia do seu governo.
O debate inquietante sobre se a Hungria tem as credenciais democráticas adequadas para assumir a presidência rotativa do Conselho da União Europeia foi identificado por segmentos da imprensa húngara como sendo alimentado pela maioria de esquerda do Parlamento Europeu. A ministra alemã dos Assuntos Europeus, Anna Lührmann (Verdes), interveio no debate, afirmando que “tenho dúvidas sobre até que ponto a Hungria será capaz de liderar uma presidência bem-sucedida do Conselho”. A ministra referiu-se ao facto de a Hungria ter hesitado em apoiar a Ucrânia na sua luta contra a invasão russa.
Anna Lührmann (à esquerda) durante um encontro recente com a realeza britânica. Foto: Facebook Anna Lührmann
Para uma ministra do governo da UE, fazer uma ligação direta entre a posição de um Estado-Membro da UE em fornecer assistência militar direta a um país não pertencente à UE e não pertencente à NATO e a presidência da UE é um salto sério na interpretação dos tratados fundamentais do bloco. No entanto, o facto de o ministro que acusa o Governo de Budapeste de uma posição vacilante em relação à Ucrânia ser um ministro alemão é ainda mais surpreendente, uma vez que, provavelmente, nenhum outro governo na Europa vacilou mais sobre a questão do que o de Olaf Scholz. Desde a sua promessa inicial de se manter militarmente fora da guerra, enviando apenas capacetes, até ao envio de tanques modernos e mísseis de última geração para a Ucrânia, a posição alemã evoluiu significativamente.
Quer se concorde ou não, a posição de Budapeste tem sido coerente desde o início da guerra, em fevereiro de 2022: sim aos refugiados, sim à ajuda humanitária e médica, não ao envio de armas e um sim condicional às sanções. O ceticismo da ministra Lührmann em relação à presidência húngara da UE não pode, portanto, ser derivado de algum tipo de inconsistência na posição de Budapeste em relação ao conflito na Ucrânia, mas sim do facto de ela ser uma política dos Verdes, cujo partido é um dos mais vocais apoiantes do armamento da Ucrânia, e cujo próprio movimento tem uma visão fundamentalmente diferente para o futuro da Europa do que a dos políticos conservadores do governo Fidesz.
Em contrapartida, a ministra austríaca dos Assuntos Europeus, Karoline Edtstadler (ÖVP), afirmou que todos os Estados-Membros têm os mesmos direitos e obrigações, incluindo a presidência do Conselho, para a qual a Hungria tem agora de se preparar. “Temos de lidar com o Estado de direito no âmbito do procedimento do artigo 7º ou das regras de condicionalidade. Quanto à presidência, é uma oportunidade para a Hungria mostrar, e de facto deve mostrar, que é pró-europeia e capaz de promover causas comuns não só para os seus próprios interesses, mas também para os interesses da UE”, disse.
Embora mais comedida do que a opinião da sua homóloga alemã, a ministra Edtstadler provavelmente não se apercebe de quão paternalista soa, em Budapeste e não só, quando apela aos húngaros para mostrarem ativamente que são pró-europeus e que são “capazes” de agir no interesse da UE como um todo, em vez de agirem em função dos seus próprios objetivos nacionais. Um rápido olhar sobre o último inquérito do Eurostat mostra que tais declarações não são apoiadas por uma falta de empenho dos húngaros no projeto europeu, mas pelo facto de alguns políticos, nomeadamente na Alemanha e na Áustria, estarem seriamente desfasados da opinião pública do seu próprio país.
As últimas sondagens mostram que a popularidade da UE na Hungria está acima da média europeia, com 50%, enquanto a Alemanha e a Áustria estão atualmente no terço inferior da tabela no que se refere à simpatia dos eleitores pelo projeto europeu. Apenas 45% dos alemães tendem a confiar na UE e apenas 44% dos austríacos o fazem. O que estes números nos dizem é que, apesar do seu entusiasmo desenfreado e muito público pelo projeto europeu, ambos os governos não só não estão a conseguir vender os valores e os méritos da UE à sua própria população, como, a julgar pela retórica acima referida, também não estão a conseguir dar voz aos sentimentos eurocéticos existentes e maioritários entre os seus cidadãos. Apesar de o euroceticismo ter praticamente desaparecido dos produtos dos meios de comunicação social alemães e de a pluralidade de opiniões estar, em muitos aspetos, seriamente ameaçada na Áustria, a Hungria, com o seu ambiente político e mediático ruidoso e inequívoco, consegue ainda manter uma população mais eurofílica do que alguns dos seus parceiros ocidentais.
Uma imprensa livre que critica certas instituições e políticos europeus e um governo que exprime as preocupações dos seus próprios cidadãos, como é o caso da Hungria, não devem ser vistos como uma ameaça ao projeto europeu, mas sim como uma parte bem-vinda e essencial do processo democrático. Em contrapartida, e citando a excelente jornalista britânica Sherelle Jacobs, “um sistema é classificado como fatalmente neurótico quando considera que o custo psicológico de se desligar do status quo é demasiado grande, mesmo que a falta de adaptação ameace a sua própria destruição”.
Fonte: DailyNews Hungary
Foto: Facebook Karoline Edtstadler