O LMN apresenta-vos Ferenc Pál – Um dos maiores amigos da Lusofonia e de Portugal na Hungria

por LMn
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Nestas páginas soltas, como pequeno tributo, planeamos recordar as personagens principais, datas e momentos decisivos da divulgação e conhecimento da cultura da lusofonia (com destaque para a portuguesa e brasileira) na Hungria.

Antes já comemoramos o saudoso Professor Rózsa Zoltán, o iniciador dos estudos lusos e  fundador do Departamento Português.

O segundo lugar na divulgação da língua e literaturas em português na Hungria corresponde, por mérito próprio, ao Professor Ferenc Pál, um dos organizadores do Departamento de Português na Universidade Eötvös Loránd de Budapeste, tradutor para húngaro de muitas obras de literatura e autor de várias monografias sobre autores importantes da literatura portuguesa e da lusofonia.

Das suas memórias, sabemos que o seu primeiro contato com o português ocorreu no início da década de setenta. Não se sabe com absoluta certeza, se foi o som curioso da língua de Camões (que ele afirma ter sentido ao ouvir uma canção de Gilberto Gil numa reunião de amigos), se o desejo de descobrir novos horizontes, que ainda como estudante de russo e espanhol o cativou e se dedicou a conhecer a língua portuguesa. No começo, como nos disse, “foram apenas umas migalhas” que ele reuniu como bolseiro, primeiro em Leningrado, ali visitando os cursos de português, e depois em Havana, assistindo aulas de língua na Escuela de Idiomas Abraham Lincoln. Naquela altura, na Hungria, ainda não se podia encontrar algum manual da língua portuguesa. Assim, aprender português sistematicamente, durante muitos anos, para ele, não passou de um sonho – e como bem sabemos, os sonhos e os amores impossíveis tornam a paixão mais forte e duradoura.

Estudar português em Cuba, contudo, teve uma outra vantagem acrescida: estudou com um refugiado político angolano (estamos ainda em 1973) que falava impecavelmente o “dialeto” de Lisboa. Assim não teve dificuldade de entender os lisboetas quando pouco depois da Revolução dos Cravos, como turista visitou a capital Portuguesa, onde passou duas semanas e voltou para Hungria com um livro de Eça de Queirós, Os Maias e outro de Fernando Pessoa, Poemas, o início de uma relação que após meio século ainda dura.

Nos anos seguintes seguiram-se uma após a outra, muitas viagens a Portugal, porque as relações diplomáticas bilaterais entre os dois países se desenvolviam, e precisava-se de uma pessoa, de um tradutor que falasse e entendesse o português de Portugal (naquela altura, eram vários os conhecedores da língua portuguesa, mas eles conheciam a pronúncia mais meiga do Brasil), assim os membros das delegações oficiais húngaras, (normalmente acompanhadas pelo jovem Ferenc Pál) que visitavam Portugal, progressivamente, chegaram à conclusão de necessidade de um foco de estudos portugueses, que se iria  formar a partir de 1978, na Faculdade de Letras da Universidade Eötvös Loránd de Budapeste, sob a direção do professor Rózsa Zoltán, que convidou a Pál Ferenc para o futuro departamento, tendo para isso encontrado com ele várias vezes na cidade à beira do Tejo, que ambos amavam, onde então vivia o Professor Rózsa.

Os anos seguintes foram muito muito intensos, porque este centro de Português, que a partir de 1983 funcionou como departamento autónomo, foi um lugar onde iam todos os lusófonos e que havia pois que organizar os estudos portugueses.  Nós (assim como autor destas linhas, que nesta altura conheceu o futuro professor Pál Ferenc) recordamos bem, que já então, se via, a ele e o Professor Rózsa Zoltán nos convívios que organizavam com os jovens bolseiros portugueses e eram famosos os grandes comes e bebes que se celebravam na casa do jovem assistente, na parte montanhosa de Buda, onde entrar era um grande privilégio.

Entretanto, enquanto o professor Rózsa Zoltán, como diretor do departamento, trabalhava nos contatos com as instituições portuguesas e selecionava leitores, o ainda assistente universitário, organizou os estudos, elaborou o programa dos cursos e escreveu a primeira tese de doutoramento sobre um tema português, analisando a obra de Eça de Queirós no período realista. Simultaneamente, ministrava aulas de poesia medieval e de Camões.

 

Começou nesta altura, em 1980, a atividade científica de Ferenc Pál, com um estudo apresentado na conferência comemorativa de Camões,  escrevendo sobre a primeira tradução para húngaro d’Os Lusíadas. Este tema, quer dizer, a recepção de Portugal, da literatura portuguesa, e mais tarde a do Brasil, na Hungria  acompanhou-o durante toda a vida. Escreveu inúmeros artigos e organizou vários livros tratando este tema tão luso, tão da lusofonia.

Outro dos amores de Pál Ferenc foi e é a tradução. A primeira obra vertida para húngaro foi a peça Todos os Anos pela Primavera de Luís de Sttau Monteiro, seguida por Macunaíma de Mário de Andrade, A Capital de Eça de Queirós, O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa, As Naus de Lobo Antunes e os romances de José Saramago que ele traduzia, tendo, desde meados dos anos 80, criado uma relação de amizade com o Prémio Nobel Português da Literatura,  convidando-o a Budapeste, e o proposto ao título doctor honoris causa da ELTE.

Docente universitário, dirigindo após a saída de Rózsa Zoltán, o Departamento Português na ELTE, até 2014, dando aulas de literatura portuguesa, brasileira e africana dos PALOP, tradutor e também editor. Sim porque graças a sua atividade infatigável, foram publicados em húngaro, livros de quase uma dúzia de autores portugueses, pela editora Íbisz que ele próprio denominou assim, por amor ao seu poeta preferido, Fernando Pessoa, cujas obras publicou esmeradamente: os poemas de F. Pessoa, “ele mesmo”, os dos seus heterónimos, os escritos em prosa e O Livro do Desassossego, cuja tradução foi um best-seller na Hungria – com cinco mil exemplares vendidos. Aqui chegados, temos de mencionar que foi o editor de uma recolha-selecção de ensaios “Mi és Európa” do já saudoso Eduardo Lourenço. (Aquando do lançamento do livro, Eduardo Lourenço, deslocou-se a Budapeste e ainda recordo, como se fosse hoje, o almoço com o Eduardo Lourenço, Annie e Pál Ferenc no restaurante Fatál).

Esta multifacetada atividade foi reconhecida e distinguida pelas autoridades portuguesas e brasileiras que lhe concederam, pela sua incansável atividade divulgadora das literaturas e culturas, a Ordem Dom Henrique em 1979, dois graus da Ordem Rio Branco em 1998 e 2002 e a Ordem de Mérito em 2002. Foi também distinguido pela tradução de Saramago com o Prémio Hieronymus (2007) e com o Prémio Janus Pannonius de Tradução (2018) pelas traduções de Fernando Pessoa.

Dos seus livros, como autor, gostaríamos de sublinhar que ainda nos anos 90 publicou uma monografia de Eça de Queirós, e uma Crestomatia da Literatura Brasileira, depois duas monografias sobre Saramago, e uma história literária de escritores portugueses, Arcképek a portugál irodalomból.

Senhor de uma energia que parece ser ilimitada, Ferenc Pál, publicou cada 1.5-2 anos, uma nova tradução da literatura portuguesa (desde o Evangelho segundo Jesus Cristo foi ele que traduziu quase todos os romances de Saramago), brasileira ou africana, organizou inúmeras conferências e séries de palestras sobre Portugal e o Brasil, e fundou o Centro Brasileiro, tendo visitado várias vezes o Brasil, organizando os estudos da língua e cultura Húngara da Universidade Estadual de Ceará.

Ao completar os 65 anos e no respeito da legislação em vigor, teve que deixar a liderança do Departamento Português. O período “Ferenc Pál” foi sem dúvida uma época de continuação da tradição do professor Rózsa Zoltán.

Desde 2019 como professor emeritus, continua sem parar nem abrandar, tendo traduzido o romance de Ernesto Rodrigues, leitor em Budapeste entre 1980 e 1984, Um passado imprevisível que foi lançado neste ano, trabalha para a revista de literatura mundial on-line 1749.hu e é nosso colega editor o LusoMagyarnews.  Sabemos que está a preparar as comemorações dos 100 anos do nascimento de Saramago, traduzindo O Manual de Pintura e Caligrafia.

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