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“O Brasil produz para alimentar mil milhões de pessoas”

Por Leonídio Paulo Ferreira

Entrevista à ministra da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina, de visita a Portugal, que está confiante de que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia avance, nega que a produtividade agropecuária dependa do desmatamento da Amazónia e admite ser fã do azeite português.

No ano passado, o Brasil exportou mais – em valor económico, em dinheiro – soja do que petróleo. Isso significa que a produção agropecuária é hoje decisiva para a economia?

Com certeza, e neste ano deve-se repetir. Nós ainda não acabámos o ano, mas os números têm mostrado isso. A agropecuária brasileira desenvolveu-se em cima de uma tecnologia tropical. Nós temos tido um aumento de produtividade sem a relação ser igual ao aumento da área. Hoje, nós temos 425% de aumento de produtividade com 43% da área.

Isso aconteceu, mais ou menos em que período de tempo?

Em 30/40 anos.

Dei o exemplo da soja, mas além de produtos agrícolas o Brasil também exporta muita carne bovina e de frango. O Brasil consegue produzir para alimentar quantos milhões?

Hoje, o número quantificado é cerca de um bilião de pessoas, mil milhões como se diz aqui em Portugal. Acontece que nós temos ainda uma capacidade produtiva maior. Nós temos muita área de pastos que estão degradados e que estão a ser incorporados na nossa agricultura ou na melhoria da produção de pecuária. O Brasil tem uma capacidade enorme de produção. Nós esperamos que em 2030 tenhamos já mais de 300 milhões de toneladas, hoje, o Brasil produz 242 milhões de toneladas.

Uma das críticas que se faz muito ao Brasil é a de esse crescimento da produção ser feito através de desmatamento, nomeadamente da Amazónia.

Existe uma confusão que se faz: nós temos o bioma amazónico e temos a Amazónia legal. Esta é uma área de incentivos que, no passado, se deram a quem chegasse ali à franja da Amazónia, que é o Estado do Mato Grosso, hoje o maior produtor. Mas a maior parte do Mato Grosso não está no bioma amazónico. Essa produção pode ser muito aumentada sem chegar à Amazónia, até porque a Amazónia não é um lugar próprio para a agricultura. Nós ainda não temos uma tecnologia – nem precisamos dela neste momento – para produzir lá. A soja brasileira é hoje produzida no sul, no sudeste e no centro oeste do Brasil. É aí que estão as maiores áreas de produção de soja e também da pecuária. A pecuária – aí sim – tem entrado um pouco na região da Amazónia. Nós temos um código florestal que diz que podemos produzir em 20% das áreas que estão localizadas na Amazónia. Aí pode-se produzir o que for adequado naquela área. Então, todo esse sucesso da agropecuária brasileira está baseado numa agricultura tropical que foi desenvolvida por nós, brasileiros, pelos cientistas brasileiros, através da nossa Embrapa. Muitas dessas tecnologias – ou a maioria – estão voltadas para a produtividade nessas áreas onde já estão introduzidas: a soja, o milho, cuja produtividade tem vindo a crescer de maneira excecional, e outras culturas. Hoje, o Brasil também trabalha com o trigo, que é um dos poucos produtos em que o país não é autossuficiente, e a tecnologia chegou também à produção do trigo em lugares onde nunca pensaríamos em produzir, por exemplo, no Nordeste brasileiro. Atualmente, existem variedades e sistemas de produção que estão a ser feitos e adaptados para se produzir também no Nordeste brasileiro. As pessoas não conhecem a dimensão do nosso país. O Brasil é um país continental. Assim, quando se fala em produção na Amazónia, no desmatamento na Amazónia, esquece-se que é o resto do Brasil que produz a grande maioria de toda essa produção espetacular que o país tem na sua agropecuária.

Como é que o Brasil consegue ser um grande exportador alimentar, mas ao mesmo tempo ter zonas, nomeadamente no Nordeste, onde há carência alimentar?

É isso que nós, neste governo, estamos a tentar resolver. O Ministério da Agricultura, desde o ano passado – o primeiro ano deste governo – que está a trabalhar num programa muito intensivo para tirar esses pequenos produtores da pobreza. Há muitos pequenos produtores no Nordeste que vivem realmente abaixo da linha de pobreza. Nós estamos a implementar um sistema para que a assistência técnica chegue até eles. Neste momento, não serão produtores que produzam de maneira comercial, mas é preciso que a sua subsistência possa ser garantida sem terem apenas a bolsa social para lhes valer.

Como é que está o Movimento dos Sem Terra no Brasil?

Hoje, muito diminuído. Primeiro porque a reforma agrária deixou há muito tempo de ser invasão de terras. Houve um movimento para que os que queriam terra – os Sem Terra – pudessem fazer escolhas e foram vendidas essas propriedades. Hoje ainda temos alguns movimentos, mas são pequenos focos. O governo brasileiro está a fazer o que não se fez no passado, está a entregar a terra àqueles que têm direito. A legislação brasileira de regularização de terra diz que depois de dez anos de o assentado estar na terra, naquelas áreas que foram compradas pela união, essas pessoas têm direito a receber os seus títulos. Hoje, o governo está a ver, em todo esse arcabouço de legislação, quem tem direito e a começar a entregar o título definitivo, não o título provisório como era feito no passado. Isso tem deixado essa população, que está às vezes há 20 anos à espera desse título, muito satisfeita. Porquê? Porque eles vão ser donos da sua terra, vão poder produzir, vão poder pedir empréstimos bancários, coisa a que hoje muitas vezes não têm acesso. Eles serão verdadeiros donos das suas propriedades.

A China é o maior cliente do setor agropecuário brasileiro. Isso significa que há uma dependência económica do Brasil em relação à China ou o Brasil tenta diversificar clientes?

Na soja sim, ganhámos aí um espaço significativo quando os Estados Unidos deixaram de exportar tanta soja para a China. Então, o Brasil naturalmente beneficiou. Neste ano, até igualámos a nossa produção com a dos Estados Unidos. Então, o Brasil passou a ocupar um espaço. É claro que isso preocupa-nos – e deve preocupá-los a eles também – o ficar com um mercado com essa dependência tão grande. Agora estamos a trabalhar por uma abertura a novos mercados, mas a Ásia é, com certeza, um grande destino das exportações brasileiras de grãos e também de proteína animal – aves, suínos e bovinos.

Qual é a importância para o Brasil e, nomeadamente, para o setor agropecuário do acordo entre a União Europeia e o Mercosul?

Eu diria que ele até é tímido no setor agropecuário para o Brasil, mas é um acordo muito importante pois não envolve só o meu setor. Esse mercado é um mercado que paga bem, é um mercado mais exigente e é importante no seu todo. A importância desse acordo também é grande para a Europa no setor automóvel, no setor dos vinhos – Portugal é um grande produtor, França é uma grande produtora – no setor dos queijos, que vocês fazem tão bem… Eu acho que é um acordo que deve interessar muito aos dois lados. É um acordo que foi discutido durante 20 anos. Penso que todos os problemas foram colocados e discutidos e chegou-se a um denominador comum no ano passado. Agora, ele está a ser ratificado e eu espero que, no seu tempo, todos possam assiná-lo, pois será muito bom para o Mercosul e para o Brasil, mas acho que é ótimo para a Europa.

Nesta área da agropecuária, há algo que o Brasil possa aprender com Portugal?

Sim, acho que temos aí complementaridades. Primeiro, já existe uma facilidade, pois falamos a mesma língua. Vocês têm uma agricultura de pequenos produtores que agregam muito valor aos seus produtos, então acho que isso pode ser uma vantagem, pois o Brasil precisa de agregar mais valor aos produtos dos pequenos produtores. Combinei agora com a ministra Maria do Céu fazer um intercâmbio entre produtores rurais para que os produtores brasileiros venham aqui aprender a fazer esse queijo de qualidade que vocês fazem tão bem, as massas, os tomates, a hortifruticultura, onde vocês são produtores de excelência.

Enquanto consumidora no Brasil, quando faz as suas compras aparecem produtos portugueses entre as suas opções?

O azeite, com certeza. Nós temos uma tradição de consumir azeite português, é mais caro, mas o brasileiro gosta muito do azeite português.

Fonte: DN