O Brasil e a Hungria ao transcorrer dos séculos: escambos materiais, espirituais e culturais (Terceira Parte)

por Pál Ferenc
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Terceira Parte

O rápido desenvolvimento industrial e econômico da Hungria no último terço do século XIX aumentou em muito o número de jornais e revistas publicados no país [1], e estes informaram fartamente a seus leitores os acontecimentos ocorridos no mundo. Apesar de ainda não dispormos de dados exatos, pois esse extenso material jornalístico está por ser compilado[2]podemos estimar que a porcentagem das notícias e artigos relativos ao ou sobre o Brasil é muito maior do que se podia supor e ultrapassa consideravelmente o número daqueles que se publicaram sobre Portugal ou Espanha. Juntamente com informações de caráter político, como foi, por exemplo, o artigo sobre a visita de Dom Pedro II à Hungria em 1889[3] ou informações sobre a proclamação da República no Brasil e outros acontecimentos de política interior, pretendia-se satisfazer a curiosidade pelo exotismo do público leitor. A essa demanda pelo estranho, pelo exótico e pitoresco, satisfazem-na tanto os artigos publicados nos jornais, como os livros publicados naquela época. Por exemplo, um artigo de Vasárnapi Újság[4] fala sobre o “povo estranho” que vive no Brasil, assim tratanto a população negra, inexistente em território magiar. Com um espantado estranhamento, também se fala na flora e na fauna brasileiras: o artigo intitulado “A jibóia – serpente da água”, publicado no Hírmondó[5], descreve detalhadamente certos animais repulsivos do Brasil.

Entrementes, o desenvolvimento econômico húngaro criou uma camada de população que, muito além dos artigos de jornais, pretendia desenvolver uma cultura livresca. A crescente edição de livros veio satisfazer essa demanda. As editoras, mais ou menos conscientemente, passaram a oferecer, em livros, um sólido e bem fundado saber universal, fomentando a publicação de obras da mais variada natureza. Nos anos de 1867 a 1870 saiu do prelo o livro de viagem de István Geőcze, Utazás Brazíliába és vissza I-II; e em 1905 um livro com o título ribombante de Az amazonok országai (‘Os países das Amazonas’), de Jenő Oppel[6]. Esses livros, além de divertirem seus leitores com a inclusão de curiosidades diversas, já buscavam aparentar-se a obras científicas: não queriam apenas deleitar os leitores, mas sim lhes oferecer ao mesmo tempo alguns dados úteis.

[6] Segundo dados estadísticos havia momentos em que se publicavam em Budapeste mais jornais diários do que em Paris e Berlim juntos.

[7] Vejam-se as pesquisas de Gyula Világ, que tem reunido um enorme número de notícias, informações jornalísticas e artigos que saíram na imprensa húngara sobre a proclamação da República no Brasil, material que ainda será organizado e avaliado. Foi esse jovem investigador que estudou os ecos jornalísticos da visita de Santos-Dumont a Budapeste.

Talvez por influência do orgulho patriótico inflamado pela aproximação dos festejos do milênio da fundação do Estado Húngaro (celebrado em 1896), talvez na esteira do rápido desenvolvimento das pesquisas científicas de então, o fato é que a atenção volta-se para as atividades dos jesuítas-missionários que viajaram ao Brasil no século XVIII. Com o título de Fáy Dávid múltszázadi hithirdető levelei Amerikából (‘Cartas da América de Dávid Fáy, missionário do século passado’), János Foltin publica, na revista Magyar, Állam, um estudo dando a conhecer as cartas escritas no Brasil por esse missionário.[8]

Paralelamente, também surgem as primeiras informações exatas, completas e concisas sobre o Brasil nas duas grandes enciclopédias da época. Tanto A Grande Enciclopédia de Pallas[9] como a Grande Enciclopédia da Révai[10] são um enorme empreendimento na história da vida científica húngara. A primeira saiu entre 1893 e 1900, em 18 volumes, e a segunda entre 1911 e 1926, em 19 volumes. A primeira, em seu terceiro volume, publicado em 1993, traz um verbete de aproximadamente 18.000 caracteres[11] sobre os “Estados Unidos do Brasil”, dando informações sobre seu território, águas, clima, produtos, população, indústria e comércio, constituição e administração pública, cultura e história acompanhada de uma abundante bibliografia citando obras em inglês, alemão, francês e inclusive em português[12]. Tendo em conta o tempo que então requeriam os trabalhos de redação e impressão de um volume de 900 páginas em grande formato, o verbete pode ser considerado muito atualizado, dado que trata de acontecimentos ocorridos em 1891, mencionando como último acontecimento histórico a renúncia do presidente Fonseca e a tomada de poder do vice-presidente Peixoto, ocorrida aos 24 de fevereiro de 1991.

O verbete informa satisfatoriamente sobre a história do Brasil, dando ênfase ao relato da chegada dos portugueses ao país e aos fatos que ocorreram entre 1500 e 1808, e reservando 38 linhas para tais assuntos, muito mais do que nas enciclopédias posteriores. É de notar que esse verbete não trata de literatura, embora haja artigos relacionados com os autores da literatura brasileira na enciclopédia. Encontramos um longo artigo sobre Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, Bernardo Guimarães e vários outros autores do Romantismo, época que parece ocupar o centro da atenção dos escritores da enciclopédia.

O verbete foi escrito numa linguagem coloquial, como se o autor tivesse prazer em informar sobre o Brasil e quisesse despertar simpatias pelo país, desenhando um país atraente pelas suas riquezas naturais e pela sua prática política. Ao mesmo tempo, esse estilo coloquial é muito conciso, informativo, talvez o mais informativo das enciclopédias que foram analisadas nesta pesquisa.

A Grande Enciclopédia Révai publica, também no terceiro volume, um verbete de cerca de 34.000 caracteres a respeito da superfície, das águas, clima, flora e fauna, população, ocupações e profissões, transportes, comércio, exército e história do Brasil. O verbete está acompanhado de um mapa do país. Num verbete separado, de 6.000 caracteres, também se fala sobre a literatura brasileira.

No que diz respeito à história do Brasil, a chegada dos portugueses ao país faz parte do artigo que trata da conquista da América, e os assuntos referentes ao período compreendido entre 1500 a 1808 ocupam um espaço relativamente curto, de apenas 16 linhas. O tempo entre o último acontecimento histórico e a publicação do volume é de apenas um ano, bem menor do que no caso da enciclopédia anterior, pois no final do verbete do Brasil o autor menciona a eleição de Hermes da Fonseca para a presidência, em março de 1910. A bibliografia, além de obras em alemão, francês, inglês e português, faz menção a obras húngaras, como o livro de viagens de Ferenc Gáspár, médico da marinha húngara[13], o livro já mencionado de Geőcze e um estudo publicado no jornal Pesti Hírlap sobre os emigrantes para o Brasil[14].

Quanto à literatura brasileira, Révai menciona todos os nomes dos autores mais importantes, talvez dando mais ênfase à época colonial, dado que as três quartas partes do artigo versam sobre a época que vai até o Romantismo. Infelizmente os nomes mencionados no artigo geral sobre a literatura brasileira nem sempre têm um verbete em separado. Quanto aos verbetes sobre autores, há uma preferência pelos poetas e escritores do Romantismo – Magalhães, Gonçalves Dias, Macedo, Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães – os quais são bem documentados e amplamente expostos. No que se refere às figuras históricas, Cabral, Dom Pedro, Fonseca, Peixoto, Prudente, Salles Campos são os mencionados.

Na Grande Enciclopédia da Révai, o verbete sobre o Brasil é bem documentado e as informações complementares (sobre a bandeira e o escudo brasileiros, entre outros) comprovam que se trata de uma fonte de consulta madura, apresentando um privilegiado estatuto para o Brasil no conjunto da ciência húngara.

[1] Segundo dados estadísticos havia momentos em que se publicavam em Budapeste mais jornais diários do que em Paris e Berlim juntos.

[2] Vejam-se as pesquisas de Gyula Világ, que tem reunido um enorme número de notícias, informações jornalísticas e artigos que saíram na imprensa húngara sobre a proclamação da República no Brasil, material que ainda será organizado e avaliado. Foi esse jovem investigador que estudou os ecos jornalísticos da visita de Santos-Dumont a Budapeste.

[3] “II. Dom Pedro Brazíliai császár”. Vasárnapi Újság. Nro. 47 de 1889: 769.

[4] Rőthy Frigyes: Egy magyar tengerész Brazíliában (“Um marujo húngaro no Brasil”). Vasárnapi Újság. Nro. 17, de 1883: 272.

[5] “A vizi boa-kigyó”. Hírmondó. Nro. 23, de 1969: 274.

[6] Késmárk, 1905.

[7] Magyar Állam. Nro. 260-263. Budapeste, l890.

[8] A Pallasz Nagy Lexikona

[9] Révai Nagy Lexikona.

[10] Só a título de comparação mencionamos que sobre a França publicou-se um verbete de mais ou menos 297.000 caracteres.

[11] Entre os livros mencionados se encontram: Historia Geral do Brasil de Varnhagen (Rio de Janeiro, 1855), O Atlas do Imperio do Brazil de Mello (Rio de Janeiro, 1882), a Historia do estabelecimento da republica dos Estados Unidos do Brasil de Anfriso Fialho (Rio de Janeiro, 1890).

[12] Gáspár Ferenc: A föld körül I. (‘Em volta da Terra’). Budapeste, 1906.

[13] Gyula Bignio: “A brazíliai kivándorlók sorsa” (‘O destino dos emigrantes para o Brasil’). Pesti Hírlap. Nro. 8 de janeiro de 1911.

 

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