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Na Capital de Lusitânia

Nos fins de Novembro – um Novembro profundo e escuro, para mim – visitei Mérida, em Espanha, a antiga Augusta Emerita dos romanos, a capital da provincia de Lusitânia, que incluía todo o actual Portugal. A visita foi um espanto: sabia que havia ruinas romanas lá, mas não sonhava que as riquezas seriam o que são. Augusta Emerita era uma cidade muito importante, fundado pelo imperador Augusto, para recompensar as tropas leais – ele dava terras aos soldados, e havia uma guarnição, no auge da cidade, de 90,000 deles. Imaginem noventa mil homens juntos!

Penso que nunca vi tantas ruinas romanas em lado nenhum, a não ser a propria Roma. Mas em Mérida dum certo modo, o quotidiano romano fica mais à vista de que na Cidade Eterna, por várias razões. Primeiro, a cidade era, e ainda é, muito mais pequena que a Roma, e portanto tudo que resta da cidade antiga fica numa zona muito accessível, talvez um quilómetro quadrado. Segundo, a cidade em si hoje em dia é mais pacata que a capital italiana, obviamente, e as ruinas não estão em concorrência com edificíos da Renascença, como a Basílica de S. Pedro, e quase não há carros. Terceiro, vêm poucos turistas, em comparição. Eu vi as ruinas sozinho, como se fosse um imperador, ou um governador celebrado como o Agrippa, que fez erigir o teatro, que é magnifico. Infelizmente não posso mostrar todas as fotos que tirei, mas acedite: vale a pena ir lá. É uma cidade encantada.

Mas não quero que esta coluna seja apenas uma recomendação para passar boas férias. Vamos aprofundar um pouco. Por quê será que os povos antigos nos fascinam tanto? (Ao menos me fascinam a mim!) Não eram povos perfeitos: muito longe disso. Tinham escravos, eram povos machistas (alias, a Ilíada é basicamente uma história de a ‘masculinidade tóxica’: uma guerra feita porque um homem ficou com cornos e não suportava a vergonha), tinham crenças muito primitivas e práticas brutais – por exemplo, quando os gregos tomaram uma cidade, costumavam masacrar toda a gente, a não ser as mulheres jovens, que mantinham para usar como escravas de sexo. No entanto, deram-nos a demócracia, ou ao menos o conceito dela, a filosofia, a geometria, o método científico, e (como diziam no filme de Monty Python, A Vida do Brian) boas estradas, ordem, prosperidade, segurança, o direito, e a estabilidade.

Mas além disso, penso que nos fascinam porque tinham um sentido estético muito forte – especialmente os gregos, mas mesmo os romanos, que limitavam-se a copiar os gregos, gostava da elegancia, e tinham bom gosto, em geral. O ‘clássico’ tornou-se um sinónimo de bom gosto, de facto. E que quer dizer ‘clássico’? Uma reverência pela simplicidade, pela ordem, pela simetria, e acima de tudo um gosto pela forma e muito menos pela ornamentação. Os templos parecem-nos belos ainda. E veja a cara da dama na minha fotografia: não é linda, e não possui uma beleza serena, não tanto sensual como espiritual? Creio que temos uma nostalgia para esse sentido de beleza, o sentido da beleza do corpo por exemplo – não como objecto sexual, mas sim como uma forma forte e com graça, uma forma quase literalmente divina. Os deuses e deusas tinham formas humanas. É essa humanidade que é a grande dádiva dos antigos a nós, a humanidade e o sentido que eles tinham, e que nos não temos, de ser homens e mulheres completos, com mentes sãs em corpos sãs. Ainda poderíamos aprender muito com eles. Não temos de aceitar ser seres divididos.

Quanto a mim, sempre me identificava mais com os gregos, talvez com os filósofos pre-socráticos como Heráclito, mas se fosse romano, não me importava ser Ovídio, um poeta de amor com um sentido de humor. Nos nossos tempos, é o que nos falta mais. Não é?

 

Crédito da foto: Garry Craig Powell