Chef Miguel Rocha Vieira – A Primeira Estrela Michelin da Hungria

por LMn
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Entrevista exclusiva para o LusoMagyar News.

Miguel Rocha Vieira nasceu em Cascais há pouco mais de 40 anos. Prestigiado Chef Português, com 3 x 1 estrela Michelin, duas em Budapeste, Costes e Costes Downtown e uma Portugal, Fortaleza do Guincho.

Chegou a Budapeste em 2008, onde esteve até 2015, ano em que se mudou para Portugal. Há menos de um ano voltou a Budapeste, a cidade, a capital que o adotou como o “Chef Luso, o Chef-Português”.

Com 20 anos, Miguel foi estudar Gestão Hoteleira no City of London College. Durante o segundo ano do curso descobriu a sua vocação.

“Desde a primeira aula de cozinha que descobri que até então tinha estado no sítio errado. É difícil descrever o que senti, mas de repente apercebi-me que aquele curso não era para mim. O que eu queria mesmo era cozinhar. Nesse mesmo dia, quando cheguei a casa, comecei a procurar escolas de cozinha e umas semanas mais tarde estava inscrito na mais prestigiada escola de cozinha do mundo, Le Cordon Bleu”, refere o chef português, numa pequena biografia divulgada online. Miguel já tinha pois, mais de 20 anos, quando  sentiu na alma, a magia e o fascínio pela Arte de Cozinhar…

Mas vamos por partes e devolvendo a colher, devolvendo a palavra ao Chef, deixando sobre a bancada as perguntas que ele, com tempo e mestria, nos vai cozinhar e servir.

Há 20 anos ser “Chef de Cozinha, não era o que é hoje, ainda não estava na “moda”. O que é que os seus pais disseram quando de repente decidiu abandonar o curso de gestão?

A verdade é que foi bastante difícil convencê-los. Como bem diz, a perceção que hoje temos desta profissão é bem diferente, talvez devido à mediatização que todos os programas televisivos nos trouxeram.

Voltando à sua pergunta, depois de me dizerem várias vezes que não estava bom da cabeça e que era mais uma das minhas incertezas, acabaram por aceitar a minha decisão.

Aproveito para lhe contar um episódio. A minha avó paterna nunca entendeu o facto de eu querer deixar um curso superior a meio para me matricular numa escola de cozinha e eu, para não lhe dar um grande desgosto, acabei por lhe dizer que tinha mudado de ideias e que afinal ia mesmo acabar a universidade.

Acabou por saber a verdade, quando um dia ligou a televisão e viu uma entrevista comigo sobre o Michelin. Ligou-me logo a perguntar se eu era cozinheiro, disse-lhe que sim e obviamente que lhe pedi desculpa por o ter omitido. Acabou por perceber e por me confessar o seu orgulho, por eu ter tido a coragem de perseguir o meu sonho e também pelo facto de ter sucesso na minha profissão.

Como é que foram os seu primeiros tempos de jovem Chef, jovem cozinheiro? Por onde andou?

Foram tempos difíceis sem dúvida alguma, mas também muito gratificantes. Era uma esponja com muita vontade de aprender e de absorver o máximo de informação possível. Para mim era claro, que os 7 ou 8 primeiros anos, iam definir o Chef que hoje sou. Literalmente foram anos passados em cozinhas e rodeado de comida. Comecei a minha formação em Inglaterra, depois fui para França e Espanha antes de chegar a Budapeste.

Nos primeiros anos nunca se arrependeu? Nunca disse “mas porque é que eu me meti nisto”?

Arrepender, no verdadeiro sentido da palavra não, mas questionei-me várias vezes se tinha sido a escolha certa. É uma profissão muito bonita, mas bastante árdua, onde é preciso muita entrega e dedicação. Digo sempre aos mais jovens que vêm ter comigo, que se não é a paixão pela cozinha que os move, o melhor é fazerem outra coisa.

Se pararmos para pensar na quantidade de cozinheiros que existem por este mundo fora e o númeor dos que chegaram ao topo, a percentagem é mínima, o melhor é abraçar a profissão com paixão e agarrar as oportunidades com unhas e dentes. Quem entra neste mundo para alimentar egos, entra certamente com o pé errado. É importante não esquecer que é uma profissão que presta serviços a outras pessoas. O objetivo é efetivamente tornar os nossos clientes felizes. Infelizmente há muito boa gente que não o entende.

Como é que veio parar a Budapeste? Já conhecia? Tinha cá amigos? Conhecia a gastronomia húngara?

Eu explico. Ao sentir que estava preparado para dar o passo seguinte e tornar-me Chef de cozinha pela primeira vez, a minha prioridade era voltar a Portugal – estava fora há muitos anos e sempre pensei que com o percurso que tinha feito, não teria grandes dificuldades em encontrar emprego. Mandei o meu CV para todos os estabelecimentos que na altura tinham estrelas Michelin e também para alguns Hotéis de luxo – nenhum, volto a repetir, nenhum, até hoje me respondeu!

Ao começar a ver que eram remotas as possibilidades de retornar a casa e com a ajuda de um jornal francês, comecei a procurar ofertas de trabalho por este mundo fora. Dos vários CV que enviei e das várias respostas que obtive, a que me chamou mais a atenção foi a de a abertura de um restaurante em Budapeste. A verdade é que passados uns dias recebi uma chamada a pedir-me algumas fotos do meu trabalho e passadas 2 ou 3 semanas fizeram-me um convite para os ir conhecer melhor o projeto que tinham em mente.

Já que estamos a falar nisto deixe-me contar-lhe uma história engraçada. Quando chego a Budapeste, estavam 2 pessoas à minha espera no aeroporto. Uma do restaurante e um Chef Francês que juntamente comigo, tinha sido escolhido (como finalista de todas as candidaturas que receberam) e logo ali, no aeroporto, fui informado que iríamos cozinhar os 2 e que se tudo corresse bem fariam uma proposta a um de nós. O resto é história como se costuma dizer…

De Budapeste e da Hungria não sabia absolutamente nada a não ser a sua localização geográfica e que a capital, era Budapeste.

Menos de 2 anos depois de ter chegado a Budapeste, conseguiu a primeira estrela Michelin da sua vida com o Costes! Qual foi a sua primeira reação? O seu primeiro pensamento? A sua primeira mensagem, telefonema? O que bebeu para festejar?

Sem querer enaltecer o que quer que seja, não foi apenas a minha (nossa, porque ninguém faz nada sozinho) estrela Michelin, mas também a da Hungria e de toda a Europa Central, o que torna o feito ainda maior.

Estávamos em março de 2010 e eu na altura estava em Lisboa. Acordo, olho para o telefone e tinha sem exagero mais de 50 chamadas não atendidas, um pouco de todos os lados do mundo. Percebi logo que algo importante tinha acontecido.

Ligo o computador e tomei conhecimento do que se tinha passado! Demorei algum tempo a assimilar tudo, mas depois a sensação que ficou é a de um dever cumprido e que toda a energia, horas, stress e dores de cabeça do projeto. Tinha valido a pena. A primeira chamada que fiz foi para o dono do Restaurante, para lhe agradecer a oportunidade, e dar-lhe os parabéns por escrever o seu nome (mais uma vez) na história do seu País e não consegui conter algumas lágrimas. Lágrimas sentidas de emoção e alegria.

Naqueles anos, aqui em Budapeste tornou-se uma verdadeira estrela. Entrevistas, reportagens. Conte-nos com era a sua vida, como foi passar a ser famoso?

Pode parecer um clichet ou falsa modéstia mas nunca liguei muito a isso. Sou a mesma pessoa que sempre fui e como antes lhe disse, não são os prémios ou o ego que me move. Dizendo isso é sempre bom ver o nosso trabalho, reconhecido independentemente de qual seja e eu nisso não sou exceção.

Em 2015 voltou a Portugal, mas continuou ligado aos projetos Costes. Como conseguiu harmonizar com a distância superior a 3 mil kms entre os 2 países?

A forma que encontrei de poder de alguma forma sair de Budapeste com a cabeça tranquila, foi a de prometer aos proprietários que nunca me desligaria por completo dos Restaurantes e que mesmo a 3500 kilómetros de distância estaria apenas à distância de uma chamada. Ficou acordado também que viria a Budapeste uma vez por mês ou sempre que fosse necessário. O segredo, que no fundo não é segredo para ninguém, é estar rodeado de pessoas em quem confiamos plenamente. Acho também muito importante que essas mesmas pessoas sintam que têm o apoio e a liberdade de “voarem” . Se não sentem isso, irão com toda a certeza voar para outros sítios.

Diga-nos, que memórias tem do MasterChef Portugal? Visibilidade e protagonismo. Foi um momento importante para si? Estamos certos? É mesmo assim?. 

O projeto MasterChef é outra história que acaba por ter muita graça. Um dia recebo uma chamada no Costes de alguém que dizia ser uma produtora de programas televisivos em Portugal, e que alguém lhe tinha dado o meu número, pois estavam a fazer um casting para os jurados do MC. Disseram também que o casting estava praticamente fechado, mas que a pessoa que lhe tinha dado o meu contato (um repórter da TVI) insistia no meu nome.

No início, disse-lhes, muito obrigado, mas como calculava que soubessem que estava a viver em Budapeste e que tudo isso, não fazia grande sentido. Depois de alguma insistência e de ouvir as pessoas mais próximas a dizerem que me iria arrepender o resto da vida se não participasse no casting. Como no fundo não tinha nada a perder, lá fui eu a Lisboa para o fazer.

Mais uma vez aqui o resto é história. Fiz o casting que correu bastante bem, tive a perfeita noção assim que o acabei e, uns dias mais tarde ligam-me da TVI para me tentarem convencer. Confesso que no início não estava muito inclinado, por tudo aquilo que antes referi, mas acabei por aceitar… Gostava de sublinhar que recebi todo o apoio dos proprietários do Costes, que me deixaram ir para Lisboa por um período de 3 meses, para gravar o programa. O programa era gravado durante a semana e aos fins de semana vinha para Budapeste para dar apoio nos restaurantes.

Foram 3 meses muito intensos onde praticamente dormia em aeroportos e aviões, mas também muito enriquecedores. O MC deu-me a oportunidade de conhecer um mundo novo e de trabalhar com pessoas fantásticas. Muitas delas tornaram-se amigos para a vida.

Foi uma fase importante sim, não pelo protagonismo (não vivia em Portugal) mas sim pelo facto que deu a conhecer aos portugueses, um Chef que tinha. Lá (cá fora), trabalho feito.

Dizem-nos que Budapeste o adotou, mas parece-nos que o sentimento é recíproco. Porque voltou a Budapeste?

A minha avó sempre me disse que somos de onde nos tratam bem e de onde nos dão de comer e, se alguém apostou em mim e me deu força e confiança para continuar o meu trabalho, foi aqui, em Budapeste.

Fui muito bem recebido e sempre bem tratado, muito embora haja ou tenha havido como é natural alguns choques de cultura. Não tenho absolutamente nada de mal a dizer de Budapeste, da Hungria ou dos Húngaros.

Estou ligado ao Costes desde 2008, assim que Budapeste faz parte da minha vida e, por mais curioso que pareça, a minha família que é luso-espanhola, prefere viver e sente-se melhor em Budapeste, do que em Cascais.  Rapidamente percebi que a vida é bem mais do que sol, praia e copos com os amigos.

Apesar da situação muito difícil do setor da restauração devido ao Covid-19, a vida não pára e há que preparar o day after coronavírus. Quais são os seus planos, os planos do Costes?

Estamos todos a viver uma situação que nunca me passou pela cabeça e viver tempos muito difíceis. Todas as atividades sofreram muito mas a restauração sofreu um abalo sem precedentes.

São tempos difíceis mas também serviram, para além de me darem a oportunidade de passar tempo com a família – algo que não acontecia há muito tempo – de refexão. Acho que todas as pessoas que trabalham nesta indústria terão que se reinventar, de rever prioridades e de dar valor ao que realmente é importante.

Regressar às “raízes” e ao “back to basics” tentando mais que nunca ajudar a economia local, comprando e trabalhando com produtos locais e nacionais. Não devemos nem podemos ser egoístas e não somos só nós que estamos a sofrer com esta situação. Por detrás dos restaurantes, temos famílias,  produtores, agricultores, pescadores e um sem fim de atividades que direta ou indiretamente dependem da nossa atividade.

Talvez não me fique muito bem dizer isto, mas acho também que o mercado estava um pouco saturado e com falta de mão-de-obra qualificada. Assim, penso que esta pandemia vai também ajudar a limpar e clarificar.

Felizmente temos um beach club no Lupa Beach que está a funcionar bastante bem e entretanto, reabrimos o Costes Downtown e aos poucos, a normalidade está a regressar. O Costes na Raday, em Budapeste, está de momento fechado até percebermos o que irá acontecer nos próximos meses, até porque 85% da nossa clientela era estrangeira. Iremos com toda a certeza reabrir, pelo menos esse é o objetivo, mas talvez numa outra localização mais central.

Temos um projeto de Nudli Húngaro a abrir em finais de setembro e uma parceria com um outro Chef Húngaro em outubro.

Em janeiro de 2021 abriremos também o Costes China, o nosso primeiro projeto no estrangeiro. Felizmente, e mesmo no meio de uma pandemia mundial, tenho com que me manter bem ocupado.

Atualmente é o Corporate Executive Chef do Costes Group, certamente com muitas responsabilidades acrescidas. Como consegue conciliar com o “Chef Miguel Rocha Vieira”? Fica-lhe tempo para ir à cozinha e cozinhar?

Abracei esta profissão pela paixão pela cozinha e por cozinhar, e acho que isso nunca irá mudar, independentemente do título que tenha no meu cartão de visita. Obviamente que o tempo para meter as “mãos na massa” é cada vez menos, mas venho às cozinhas todos os dias e estou envolvido em todo o processo de criação de todas as ementas. Sou um felizardo por estar rodeado de muito talento e por pessoas em quem confio plenamente. Como lhe disse anteriormente é importante saber aproveitar todo esse talento e também de lhes dar a oportunidade de voarem por si mesmos. Todos eles sabem que aqui estarei para tudo o que precisarem de mim.

Apenas uma última nota.

Budapeste é a minha casa. É a casa da minha família.

 

 

 

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