O tempo que faz e aquilo que se come. Estes são talvez os dois principais tópicos de conversa e preocupação de qualquer expatriado. É aquilo que família e amigos nos perguntam, precisamente por legítima preocupação ou só para fazer conversa. Como é que é o tempo por lá? O que é que eles comem? A boa ou má adaptação do emigrante depende muito destes dois fatores. Da alimentação já muito vai falando esta nobre página de notícias luso-magiares, que tão amavelmente acolhe as minhas humildes cartas panónias. Sobre o tempo, cabe-me a mim partilhar com o leitor o mui magiar fenómeno da meteorologia humana, porventura comum a outras paragens centro-europeias. É que ela hoje está cheia de dores de cabeça e diz-me que é da puta da frente.
Sim, é verdade, vim a descobrir aqui na Hungria o sentido da expressão meteorologia humana, tradução literal do termo húngaro a que se dedicam inúmeras páginas de internet e, imagino eu, também alguma literatura científica. Trata-se da influência que o tempo tem na saúde das pessoas, algo que eu já naturalmente conhecia, embora não suspeitasse das dimensões absolutamente surpreendentes que o fenómeno adquire em paragens de clima continental. Da minha vida portuguesa o máximo que até hoje eu conseguira depreender do fenómeno tinham sido noites mal dormidas em noites de lua cheia e antigas lesões ósseas que sempre doem quando o tempo vai mudar, como por exemplo o mítico esterno do meu melhor amigo, dramaticamente rachado a jogar râguebi pelo Dramático de Cascais. E de resto, pouco mais conhecia da influência do tempo metereológico nos seres humanos, além de que se pode ter frio ou calor, e também que se fica molhado à chuva e que a mãe mandava pôr o boné, no terraço, nos dias mais soalheiros (ainda manda).
Mas aqui, senhores, existe toda uma ciência (ou pseudo-ciência, não sei bem) dedicada à metereologia humana, pois ele há terríveis frentes, quentes e frias, e até frentes duplas, uma após a outra, em cruel e violenta sucessão, atacando sistemas neurológicos inteiros, provocando elevados índices de irritabilidade e nervosismo, desencadeando perturbações circulatórias e, imagine-se, períodos de pronunciado desconforto e extrema falta de atenção. Aquela senhora quase gorda que lhe respondeu torto no outro dia no supermercado, prezado leitor, não o fez porque é parva ou má. Foi por causa da frente. E foi por causa da frente ou do vento forte que no trânsito aquele estupor entrou na rotunda armado em campeão. A gente aqui sofre a sério com isto. As farmácias vendem gotas contra a frente e nas ervanárias também podemos encontrar infusões para combater o flagelo. Até na televisão as notícias nos avisam que neste ou naquele dia as pessoas serão mal-educadas e algumas terão também infelizmente fortes enxaquecas. Como ela. São coisas continentais, com que Árpád não contou. Também ninguém das tribos lhe soube dizer na altura, um pouco mais para frente, Árpi, mais para sul um bocadinho, que assim ficamos mais perto do mar e não teremos de futuro este problema das frentes. Também se assim tivesse sido, hoje não haveria a desculpa da frente para a falta de maneiras das pessoas.
Aficionado que sou de levar mentalmente estas situações ao extremo, por sincero amor à paródia e ao absurdo (que tanto nos valem nos tempos mais sombrios), imagino um país onde a influência das condições climatéricas chegasse a extremos nunca antes vividos. Ligo a televisão. Amanhã, caros telespectadores, o prognóstico é de violenta frente fria. São por conseguinte de esperar, em especial nos principais centros urbanos, episódios de inveja ou ciúme, enganos de contas nos estabelecimentos comerciais, investimentos financeiros ruinosos e incontroláveis desejos de comer a sobremesa antes do prato principal.