Médicos em guerra aberta com Costa. Reunião urgente entre ordem e primeiro-ministro é já hoje

por LMn
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Um pequeno vídeo, de sete segundos, que circula nas redes sociais mostra António Costa numa conversa privada com os jornalistas do Expresso em que, alegadamente, critica médicos envolvidos no surto de Reguengos. Ordem pediu uma reunião urgente ao primeiro-ministro. Sindicato e Federação dos médicos repudiam palavras do governante.

AOrdem dos Médicos (OM) solicitou, com carácter de urgência, uma audiência ao primeiro-ministro e considerou ofensivas as declarações de António Costa numa conversa privada com jornalistas do jornal Expresso. Reunião essa que, entretanto, foi marcada já para esta terça-feira de manhã, de acordo com informação do gabinete de Costa à Lusa. Não foram divulgadas, por enquanto, as horas, nem se haverá declarações no final do encontro.

“Estas afirmações, independentemente de serem proferidas de forma pública ou em privado, traduzem um estado de espírito ofensivo para os médicos e um sentimento negativo por uma classe profissional”, refere a OM em comunicado divulgado esta segunda-feira.

As afirmações referem-se a um pequeno vídeo, de sete segundos, que circula nas redes sociais e que mostra António Costa numa conversa privada com jornalistas alegadamente chamando “cobardes” aos médicos envolvidos no caso do surto de covid-19 em Reguengos de Monsaraz, que matou 18 pessoas.

“Declarações ofensivas para todos os médicos e para os doentes que precisam de nós, sobretudo os mais vulneráveis; são um mau serviço dos governantes ao país, e em nada contribuem para a necessária união num momento de pandemia”, sublinha a OM.

Além do pedido de uma audiência a António Costa, o bastonário convocou para esta segunda-feira o Fórum Médico, composto por todas as estruturas nacionais representativas dos médicos.

Sobre a contestação à legitimidade para fazer uma auditoria ao cuidados prestados no lar de Reguengos, a Ordem refere que é uma associação pública profissional à qual são permitidas realizar auditorias aos cuidados clínicos prestados em unidades de saúde ou outras.

O estatuto da OM “contempla um Conselho Nacional […] para realizar auditorias da qualidade no território nacional, como foi o caso da auditoria aos cuidados clínicos prestados aos utentes do Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, em Reguengos de Monsaraz”, escreve a Ordem, sublinhando as colaborações que faz com hospitais e unidades do Serviço Nacional de Saúde, Administrações Regionais de Saúde, Entidade Reguladora de Saúde, Direção-Geral da Saúde e Ministério da Saúde.

De acordo com o comunicado, a auditoria ao lar surgiu depois de várias queixas por parte da sub-região de Évora da OM, do Conselho Regional do Sul e do bastonário, “sobre a falência do cumprimento das normas emitidas pela DGS na prestação de cuidados de saúde aos idosos” do referido lar, “que foram ignoradas pelas autoridades competentes”.

A OM insiste que os médicos de família nunca se recusaram a colaborar e continuaram a cuidar e tratar dos idosos doentes, estando o seu trabalho devidamente documentado.

“Os últimos meses, com a pandemia da covid-19, confirmaram a qualidade dos médicos Portugueses e a sua coragem e espírito de sacrifício, arriscando a sua vida para salvar os doentes, perante um vírus novo, mesmo com a inicial incompreensível falta de equipamentos de proteção individual e outros meios adequados. Deixámos para trás as nossas famílias e conseguimos colocar Portugal como um bom exemplo no tratamento a estes doentes, com uma taxa de letalidade que compara muito bem a nível internacional”, lê-se na nota.

Na entrevista, António Costa assumiu que houve falhas na situação do lar em Reguengos, mas disse que a instituição “é de uma fundação privada” e que, “quando foi alertado, o Estado reagiu imediatamente”.

FNAN: palavras de Costa “chocantes e totalmente inapropriadas”

Também a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) repudiou hoje as declarações do primeiro-ministro. “Estas declarações, proferidas por um chefe de Governo, são chocantes e totalmente inapropriadas, insultando de forma vergonhosa e indigna todo um grupo profissional cuja competência, capacidade de trabalho e resiliência para exercer a sua profissão em condições cada vez mais degradadas, pondo os interesses dos doentes acima de qualquer outra consideração, não pode ser contestada”, afirma a federação dos médicos, em comunicado.

A estrutura sindical desmente também as afirmações de António Costa de que os médicos se recusaram a prestar serviço no lar.

“Os médicos têm vínculo com a sua entidade empregadora, que não é o lar de Reguengos de Monsaraz, e têm obrigações para com os utentes da unidade onde desempenham funções – o Agrupamento de Centros de Saúde do Alentejo Central”, refere a nota.

Segundo a FNAM, os médicos prestaram assistência aos utentes do lar “de forma voluntária, apesar das condições desumanas em que os encontraram, e cumpriram a sua obrigação de denúncia desta situação de abandono e da falta de segurança em que lhes foi exigido desempenhar as suas funções”.

A FNAM exige que António Costa se retrate “das declarações insultuosas” que proferiu e que o presidente da Administração Regional de Saúde do Alentejo, a diretora-geral da Saúde e as ministras da Saúde e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social “assumam as suas responsabilidades” no caso do lar de Reguengos.

SIM: “Os médicos merecem e exigem respeito”

Também em comunicado a propósito do vídeo, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) começa por esclarecer que os médicos do Serviço Nacional de Saúde “não são médicos de lares” e que a determinação da Administração Regional de Saúde do Alentejo em “alocar ao lar” em questão equipas de médicos estava “ferida de ilegalidade face às convenções coletivas de trabalho”.

“No que se refere aos médicos das Unidades de Saúde Familiar, a própria Portaria n.º 1368/2007, de 18 de outubro, estabelece explicitamente que está excluída a prestação de cuidados de saúde em lares, casas de repouso, IPSS e outros locais semelhantes (tabela II – núcleo base de serviços clínicos)”, acrescenta o SIM, dizendo que mesmo assim médicos da Unidade de Saúde Familiar Remo foram ao lar após o diagnóstico do primeiro caso.

Afirmando que os doentes têm direito a cuidados de saúde de qualidade e que os médicos têm direito a exigir condições técnicas para cumprir a sua função, o SIM acrescenta: “Lamentamos, reprovamos e repudiamos em absoluto as palavras de Vossa Excelência”, e diz que “os médicos merecem e exigem respeito, muito mais partindo do chefe do Governo”.

Por DN/LUSA

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