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Costumavam ter toda uma bonita variedade de sentidos metafóricos. Leio ainda no dicionário: “Fisionomia característica de determinado estado ou sentimento”. Ou então “aparência falsa ou que engana.” Eram até há bem pouco tempo importantes acessórios de teatros e carnavais. Ditas também “caraças”, palavra que curiosamente também serve para mascarar outra bem mais boçal, hoje em dia cada vez mais nas bocas do mundo lusofalante.

As nossas máscaras estão hoje reduzidas a um único e pandémico sentido de „objecto ou equipamento, geralmente em material maleável, usado sobre o rosto, em especial sobre o nariz e a boca, para filtrar o ar ou como barreira protectora”. Sei que são necessárias, mas tenho-lhes ódio. Não aquele ódio trumpista de base ideológica ou conspirativa, mas algo menos elaborado e, por isso mesmo, bem mais autêntico e visceral. Chateiam-me a vida, não me consigo habituar. Multiplicaram-se em tipos, cores e feitios, mas mesmo a mais engraçada ou original não arranca de mim um leve sorriso que seja. Não me consigo abstrair da sua razão de existir, e por isso deprimem-me. Voltar a casa, já na rua, por me ter esquecido da máscara, é muito pior do que voltar por ter esquecido qualquer outro objecto. É uma imposição violenta do novo normal. E sei que veio para ficar. Nem vou aqui falar do tipo de espaço público em que hoje vivemos, sem lábios nem sorrisos, um mundo de expressões faciais censuradas, decifráveis apenas pelo olhar. Até já se tornou agora costume salientar o quanto uns simples olhos são capazes de exprimir, de revelar. Ai sim? Vão para o caraças!

Invejo as personagens de filmes e imagens de arquivo, habitando um saudoso mundo sem máscaras, utopia distante. E recordo regressar de uma viagem a um país asiático, há pouco mais de dois anos, e contar aos amigos, por graça e estranheza, como tanta gente na rua e transportes andava sempre mascarada.

Descubro agora que em certas circunstâncias se tornou obrigatório o uso da infame ffp2. Colo-a à cara e sinto de imediato aquele característico cheiro a qualquer coisa sintética que nauseia e incomoda. Quero dizer que não consigo respirar, mas até essa frase tem hoje implicações que prefiro não desafiar. Recorro então à pura e simples tristeza de alma.

Brincamos lá em casa sobre as possíveis vantagens de usar máscara para quem tem mau hálito ou os dentes estragados, sem orçamento para ir ao dentista. Ela acrescenta que as mulheres com buço já não precisam de se preocupar tanto. É verdade, até dá para rir com tudo isto. Só que depois, durante o passeio, ao dobrar a curva de uma vereda de aldeia, topamos com a distópica visão de uma máscara pendurada num ramo, como o fruto fora de época de uma árvore absurda.

 

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