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Louise Glück. Prémio Nobel da Literatura 2020. A vencedora do Prémio Nobel da Literatura de 2020 tem raizes húngaro-judaicas.

Eco, notícia em Portugal  – José Céu e Silva/DN

O nome anunciado pelo Comité Nobel é sempre uma surpresa. Na edição deste ano foi a poeta norte-americana Louise Glück. Um nome inesperado, mas muito conhecido na Suécia, país onde neste ano recebera já o Prémio Tranströmer, o poeta sueco nobelizado em 2011.

Depois dos escândalos que atingiram a Academia Sueca, o novo júri do Nobel da Literatura prometeu mudanças e olhar para os escritores fora da Europa. No ano passado não cumpriu e escolheu a polaca Olga Tokarczuk e o austríaco Peter Handke. Desta vez, é Louise Glück, norte-americana, de 77 anos.

A Academia Sueca justificou a escolha por Louise Glück ser “uma das mais proeminentes poetas da literatura contemporânea americana”. Louise Glück iniciou a sua carreira literária em 1968 como o volume Firstborn. Seguiram-se doze livros de poesia e alguns ensaios sobre poesia.

Em Portugal, não existem traduções da sua obra.

Eco, Notícia na Hungria – Fanni Kaszás/Hungary Today

Poetisa com raízes húngaro-judaicas recebe Prémio Nobel de literatura.

A poetisa norte-americana Louise Glück, cujos avós paternos emigraram da Hungria para os EUA, ganhou o Prémio Nobel de Literatura de 2020 pela “sua incomparável voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual”, disse a Academia Sueca nesta quinta-feira.

A nova premiada, uma das poetisas mais famosas da América, nasceu na cidade de Nova York em 22 de abril de 1943, filha do empresário Daniel Glück e Beatrice Glück (Grosby). A poetisa tem raízes húngaro-judaicas, pois seus avós paternos emigraram da Hungria para os Estados Unidos, onde abriram uma loja de legumes, enquanto seu pai foi o primeiro da família a nascer nos Estados Unidos.

O primeiro encontro de L. Glück com a literatura foi com a mitologia grega e a história de Jeanne d’Arc na sua infância. Na adolescência, ela sofreu de anorexia nervosa, que permaneceu um desafio durante sua juventude e afetou sua vida e poesia. Louise Glück passou 7 anos em terapia, o que a ajudou a superar sua doença. Mais tarde estudou na Universidade de Columbia, o que proporcionou a oportunidade de se ocupar com alunos com necessidades especiais. Depois da universidade, ela trabalhou como secretária, casou-se e divorciou-se, antes de publicar seu primeiro volume de poesia em 1968.

Desde então, ela escreveu inúmeras obras de poesia, muitas das quais tratam dos desafios da vida familiar e do envelhecimento. Eles incluem “The Wild Iris”, pelo qual ela ganhou um Prémio Pulitzer em 1993, e “Faithful and Virtuous Night”, sobre mortalidade e luto, de 2014. Louise Glück foi nomeada poetisa laureada dos Estados Unidos em 2003.

No anúncio do Nobel, Anders Olsson, Presidente do Comité dos Prémios, elogiou sua voz minimalista e, especialmente, poemas que chegam ao cerne da vida familiar. Ele disse que “a voz de Louise Glück é inconfundível”, acrescentando que “é franca e intransigente e sinaliza que esta poetisa quer ser compreendida”. Mas ele também disse que a voz dela também estava “cheia de humor e sagacidade mordaz”.

Dois Poemas em portugues de Louise Glück

PAISAGEM

O tempo passou, transformou tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro bulia.
Se caísses lá dentro, morrias.

Era um tempo
de espera, de acção suspensa.

Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que podíamos ver.
O passado pairava sobre a minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas inalcançável.

Era um tempo
governado por contradições, como
Não sentia nada e
tinha medo.

O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.
Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.
Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;
o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.

O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.
E outra parte evaporou-se simplesmente;
podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,
formava partículas de gelo.

Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.
Depois o momento oportuno
revela-se acção consumada.

Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
consoante o vento.Por vezes

não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.

Por vezes o lago era um lençol de vidro.
Sob o vidro, o futuro murmurava,
modesto, convidativo:
tinhas de te concentrar para o não ouvires.

O tempo passou; chegaste a ver parte dele.
Os anos que levou eram anos de inverno;
ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes

não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo

perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o
de lado a lado. Depois
a imagem apagava-se.

Por cima do mundo
só havia azul, azul em toda a parte.

Louise Glück (Tradução – Rui Pires Cabral
in “Telhados de vidro” nº. 12, Editora Averno, Lisboa, 2009)

ADORMECI NUM RIO

Adormeci num rio, acordei num rio,
da minha misteriosa
incapacidade de morrer nada sei
dizer-te, nem
de quem me salvou ou por que razão –

Havia um silêncio imenso.
Nenhum vento. Nenhum som humano.
O século amargo

tinha chegado ao fim,
o glorioso, o duradouro,

o sol frio
persistia como uma antiqualha, um memento,
com o tempo a correr por detrás –

O céu parecia muito límpido,
como no inverno,
o solo seco, inculto,

a luz oficial atravessava
calmamente uma fresta no ar

digna, complacente,
desfazia a esperança,
subordinava imagens do futuro aos sinais da passagem do futuro –

Julgo que caí.
Só à força pude tentar levantar-me,
tão estranha me era a dor física –

Tinha esquecido
a dureza destas condições:
a terra, não obsoleta,
mas quieta, o rio frio, pouco profundo –

Do meu sono não recordo
nada. Quando gritei,
a minha voz trouxe-me um inesperado consolo.

No silêncio da consciência, perguntei-me:
porque rejeitei a minha vida? E respondi
Die Erde überwältigt mich:
a terra derrota-me.
Tentei ser exacta nesta descrição,
para o caso de alguém me seguir. Posso garantir
que o pôr-do-sol no inverno é
incomparavelmente belo e a memória dele
dura muito tempo. Julgo que isto significa

que não havia noite.
A noite estava dentro de mim.

 

Louise Glück (Tradução – Rui Pires Cabral in “Telhados de vidro” nº. 12, Editora Averno, Lisboa, 2009)

 

Fonte: Poesia, vim buscar-te