Kosztolányi Dezső (1885 – 1936), uma das maiores figuras da prosa e poesia húngaras do século XX. Sua obra é multifacética, escreveu prosa, poesia, críticas de teatro, ensaios e é muito importante a sua atividade de tradutor: poemas de muitos poetas modernos da viragem do século XIX e XX foram vertidos para húngaro por ele. Formava parte da primeira geração da revista Nyugat, era um grande mestre da língua, seus escritos linguísticos são válidos até hoje. É curioso que estudava também o português, e sobre suas experiências escreveu um pequeno texto que citamos (em nossa tradução tosca) a seguir:
EU LEIO EM PORTUGUÊS
Acontece que no verão eu só queria relaxar, jogar à bola e nadar. Como resultado, não levei nenhum trabalho comigo. No último minuto, porém, joguei um livro em português na minha mala.
Juro para vocês que não sabia palavra alguma de português na época. Tudo o que eu sabia sobre os portugueses, de fontes históricas confiáveis, era que eles tocavam alegremente a gaita. Nunca quis aprender a língua deles. Para quê?
Mas ao ar livre, no meu tédio, inclinei-me sobre o único livro que tinha comigo nesta prisão de solidão, uma parede da qual era feita de rochas dolomíticas, a outra parede de bosques espessos, e o resto só a cor do céu e da água, e comecei a descifrar o texto. No início foi difícil. Depois me entusiasmei. Resolvi que iria lê-lo até ao final, sem mestre e dicionário, e estimulando meus instintos e invenções, imaginando que se algo daria errado, se eu não entendesse exatamente alguma coisa, talvez um tirano desconhecido me ia matar
Foi um estranho “jogo de salão”. Na primeira semana, suei suor sangrento. Na segunda semana, adivinhei do que se tratava. Na terceira semana, cumprimentei os pássaros em português, que também falavam comigo em português.
Foi assim que passou o meu verão. E agora estou em casa e orgulho-me de saber português, que não se deve desprezar nas condições de hoje, quando procuram com tanta força os falantes de português e que se abrem oportunidades tão brilhantes diante deles. Em todo caso, é uma linguagem maravilhosa. Mais meigo do que o italiano, mais gentil do que o espanhol. É um latim bastante tenro.
Contudo, acho que nunca vou usar esta língua em algum momento da minha vida ou ler outro livro em português. Mas isso não importa. Não me arrependi desta corrida de obstáculos de verão. Me estranha que alguns aprendem uma língua para fins práticos e não para si próprio. É chato saber. Mas é muito interessante aprender.
Ah, o estímulo de tantas doces e estranhas surpresas, lembrando os palhaços de um castelo fantasma encantado, os adjetivos e determinantes meio-desconhecidos, as frases mascaradas que nos incitam susto numa névoa. Cada palavra é um cálice e patena de igreja do qual beberam e comeram desconhecidos durante milhares de anos. É um momento festivo quando você os segura pela primeira vez nas suas mãos profanas. As almas dos mortos e dos vivos enchem vibrando a alma de você nessas ocasiões e a palavra torna-se verdadeiramente um símbolo. Depois a escuridão começa a se dissipar. Você encontrará algumas expressões novamente e as saudará como conhecidas. Já anda no lusco-fusco da madrugada onde as letras emitem luz e os conceitos brilham. O que foi desgastado pelo contínuo uso, rebrilha com uma luz extraordinária e você volta a sentir frescas as coisas antigas, a Vida, a Morte, o sabor amargo do que já esqueceu noutras línguas, o Pão, o Vinho, cujo sabor já não se lembra e sente que você é um humano.
Jogo das escondidas emocionante, flerte maravilhoso com a alma da Humanidade. Nunca lemos de maneira tão receptiva, com olhos tão alertos quanto lemos numa língua nova, mal conhecida. Rejuvenescemos por meio dele, nos tornamos crianças, bebês balbuciantes e prece que começamos uma nova vida. Para mim, este é o elixir de minha vida.
As línguas desconhecidas ao meu redor estão se esgotando, mas graças a Deus, ainda há o suficiente. Às vezes, tenho algum prazer em pensar que também posso aprender chinês na minha velhice, e me lembro da alegria perdida da infância quando digo pela primeira vez, Mãe numa velha lingua supersticiosa, Mãe, e adormeço com esta palavra: Leite.
O primeiro volume do lírico Kosztolányi, Négy fal között (Entre quatro paredes, 1907) é um livro de conteúdo, temática e voz típicas da viragem do século. O título é simbólico, refere-se à sensação de fechamento, à falta de experiência. Abundam nele os motivos da falta de moradia e da estagnação do tempo. Seu ecletismo temático é mostrado pela imagem convencional da Grande Planície, o culto a Budapeste, a afirmação da grande cidade. Na base filosófica dos poemas se encontram as teses de Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche. A obra mais popular e ainda viva do volume, az Üllői- úti fák, de 1906 é um poema que lembra o ”chanson” muito popular no início do século, uma despedida chorosa da juventude. O tom elegíaco é realçado pela forte ondulação iambica, a musicalidade se dissolve na melancolia e generaliza o sentimento individual.
ÁRVORES DA AVENIDA ÜLLŐI
Üllői-úti fák
O céu esteja convosco,
árvores da Avenida Üllői.
Vista vossas cabeças frondosas,
com mil flores,
uma tempestade cheirosa.
Destes-me ânimo, luta,
vós fostes a juventude,
árvores da Avenida Üllői.
Para outros assim broteis também,
árvores da Avenida Üllői.
Bebam o perfume doce,
bálsamo, que adormece
nas horas da noite.
Que não vejam o triste cipreste,
pensem eterna a juventude,
árvores da Avenida Üllői.
Agónico, empalidece o horizonte,
árvores da Avenida Üllői.
Já descansa o sol do meu desejo,
tristemente cantando já o vento,
e mata qualquer semente.
Para onde voa a juventude?
Respondei, árvores de folhas tristes,
árvores da Avenida Üllői.
1906
Tradução de Ernesto Rodrigues