João Janeiro em entrevista exclusiva ao Luso Magyar News

por João Miguel Henriques
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O português João Janeiro é o treinador do momento na Hungria, liderando o principal escalão do futebol húngaro ao serviço do Kisvárda FC. São quatro vitórias em cinco jornadas, incluindo triunfos em Budapeste, na casa do MTK e do campeão Ferencváros. O Luso Magyar News entrevistou-o em exclusivo, numa conversa aqui integralmente disponibilizada em vídeo e da qual transcrevemos abreviadamente as passagens principais.

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LMN: Muito obrigado por teres aceitado o nosso convite, João. Como é que um treinador português chega ao Kisvárda?

JJ: Eu cheguei ao clube por contacto directo da direcção, já que não tenho empresário. Eles analisaram jogos que eu tinha feito, uma vez que anteriormente já tinha trabalhado aqui na Hungria, em duas divisões inferiores [como treinador do Szeged 2011]. Eles mostraram interesse, tivemos várias entrevistas, gostaram do modelo de jogo e depois chegámos a acordo.

 

LMN: E que clube vieste encontrar este Verão?

JJ: Existem diferenças estruturais grandes em relação a Portugal, mas o que é bom é que as pessoas quando acreditam na tua ideia, naquilo que tu defendes, tenham também abertura para receber novos conhecimentos e obviamente eu também ter a flexibilidade de compreender que estou num país diferente e num clube muito específico, ávido de conhecimento mas com condições laborais muito boas.

 

LMN: Sabemos que as autoridades competentes aqui na Hungria têm feito um grande esforço nos últimos anos para desenvolver o futebol nacional. Na tua opinião, o que tem resultado e o que tem corrido menos bem nesse processo?

JJ: Independentemente do clube, existe realmente um apoio estatal brutal ao futebol e ao desporto em geral. Está tudo extremamente organizado. Aqui no Kisvárda, que é um clube muito pequeno, temos uma academia praticamente nova com cerca de 250 miúdos a viver e a estudar, com professores e a exigência de terem boas notas para poderem jogar, enfim, têm tudo. Ou seja, o governo dota os clubes de muito boas condições a todos os níveis e depois cabe também aos dirigentes perceber que os passos que estão a ser dados não são exclusivamente para o imediato, mas sim para produzir, mais do que futebolistas, uma sociedade mais equilibrada, com competências de trabalho em equipa. Em relação àquilo que ainda faltará para o futebol húngaro dar o salto, penso que a Hungria, com o seu grande historial a nível do futebol, não deve continuar sempre a viver do passado. Apesar de ser bom falar do passado, as coisas mudaram muito e acho que tem de se dar um pulo em diante. O governo está muito à frente e penso que tem de haver um acompanhamento da parte do dirigismo. Por outro lado, acho que existe uma necessidade muito grande de acelerar processos e isso nunca é bom. As condições estão lá e agora é preciso trabalhar bem durante uma década para as coisas começarem a aparecer.

LMN: O teu percurso pessoal, como treinador e também ao nível da análise do jogo, é já do conhecimento do público em geral. Trabalhaste em vários clubes em Portugal, estiveste em Bilbao com Marcelo Bielsa, passaste também pelo futebol norte-americano. Na tua opinião, qual foi a fase da tua formação que mais te marcou ou que maior influência está neste momento a exercer no teu trabalho?

JJ: Acho que nenhuma em particular. O que realmente teve uma grande influência na minha visão e modelo de jogo foram as aulas que tive com o Cruyff. De todas as experiências retiro com certeza inconscientemente coisas importantes, mas além do Cruyff não consigo mencionar ninguém em especial.

 

LMN: Pedimos-te um comentário a este grande início de época do Kisvárda. Qual é a sensação de estar na liderança do campeonato?

JJ: Liderar um campeonato não é novidade para mim, com toda a humildade. Quando vimos o sorteio é verdade que ficámos um pouco assustados com as primeiras jornadas, mas o que eu posso dizer, apesar de isto ser um cliché, é que o segredo tem sido o trabalho. Eu aqui tenho aqui uma grande mistura de jogadores de diferentes nacionalidades e religiões, por isso penso que, além do modelo de jogo, a chave tem sido a minha capacidade de gerir essas diferenças. Depois temos conseguido também equilibrar os níveis de felicidade com o nível de competência. A equipa tem revelado uma parte anímica e psicológica muito forte, como por exemplo no último jogo, em que ganhámos a jogar com menos um jogador desde muito cedo.

 

LMN: Como tem sido a tua vida numa cidade pequena e periférica como Kisvárda?

JJ: A verdade é que aqui, além do trabalho, eu não tenho vida. Não há muito mais para fazer além de trabalhar. Por vezes vou a Nyíregyháza para me distrair um pouco, é uma cidade muito bonita e arranjada. Também Debrecen fica relativamente perto, mas não vou lá muito por falta de tempo.

 

LMN: E quais são os teus hábitos de visionamento de futebol em casa? Estás mais preocupado em analisar os teus futuros adversários ou há também uma ou outra liga que merecem a tua atenção?

JJ: Vejo tudo! Vinte e quatro horas por dia o ecrã está verde. Às vezes até é mais do que um ecrã. Estou muito atento aos adversários, não só à parte do jogo mas também à parte comunicacional. Mas eu só ligo ao próximo adversário.

 

LMN: Como é que vês este início de época em Portugal? O que é que achas que pode acontecer?

JJ: Acho que está um campeonato ainda mais desequilibrado do que antigamente, cada vez mais desequilibrado. Temos um Porto com dificuldades financeiras, não se percebe bem porquê, não consegue contratar jogadores. O Benfica é jogadores caríssimos todas as semanas. Normalmente diz-se que quem é campeão é sempre favorito a renovar o título, mas acho que este ano o Benfica é favorito. Depois temos o Sporting que mantém a mesma estrutura e o mesmo treinador, com o seu estilo de jogo muito directo. Também contratou bem, internamente e muito bem. Tudo o resto são equipas que andam a lutar por sobreviver, tirando o Braga. Além disso, como acontece em todas as épocas, há sempre uma equipa que é a surpresa, mas que este ano ainda não vislumbrei qual é. Vejo um campeonato muito desequilibrado, muito focado em três clubes, sem uma grande promoção do jogo e do divertimento.

 

LMN: E em relação ao teu futuro profissional, Portugal poderia ser um destino interessante para ti?

JJ: Claro que sim, é o nosso país, já lá trabalhei e obviamente que gostava muito de voltar e treinar em Portugal. Em Portugal há jogadores de muita qualidade, é um mercado muito interessante.

 

LMN: Para terminar, pedimos-te que partilhes connosco um treinador que seja para ti uma referência e um jogador de que gostes particularmente.

JJ: Quanto ao treinador, vou voltar a referir o Cruyff, pois foi aquele que mais me ajudou a pensar no jogo de outra maneira. Um treinador actual seria sempre Mourinho, mas Mourinho para além do futebol, como aquilo que Portugal deveria ser, porque faz muita falta a Portugal quem ande de queixo levantado. Depois também há outros treinadores de que gosto, como o Ancelotti, um treinador vencedor e um verdadeiro gentleman. Relativamente a jogadores é mais difícil dizer, acho que Ronaldo e Messi continuam a ser os melhores, sendo o Ronaldo para mim o melhor. O João Félix é por exemplo um jogador com um potencial extraordinário, mas foi para uma equipa com um modelo de jogo que não o favorece. De resto há muitos bons jogadores por aí espalhados, mas quem poderá vir a ser uma estrela depende sempre de muitos factores.

 

LMN: E a selecção portuguesa tem um futuro risonho pela frente ou iremos entrar num período de expectativas mais baixas?

JJ: Penso que não, não entraremos numa fase de declínio, mas terá de haver uma renovação, como aliás o nosso treinador está a fazer. Temos sempre jogadores com muita qualidade. O Fernando Santos está a fazer um bom trabalho e quando acabar a sua era outro virá para continuar esse trabalho.

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