Aqui sentado na minha varanda, vou fumando um cigarro e aproveitando este meu sagrado espaço de sossego. Está frio, bastante frio, e tem tendência a piorar, visto que o Inverno ainda nem começou, o que me faz pensar, que estas fugas serão cada vez mais fugazes. Por essa mesma razão, e em jeito de desafio, acendo mais um cigarro. Lembro-me que lá dentro está a tal aguardente velha que guardo para estes gélidos dias. Não a vou buscar! Isso significaria uma interrupção neste silêncio que estou a viver.
Estes preciosos momentos de silêncio, com uma aguardente e um cigarro, são para mim um momento de comunhão com a minha mãe. Mesmo que a distância nos separe, este é um ritual muito nosso, que sempre repetimos quando nos vemos ou à distância com a lembrança. É uma certeza, dos muitos momentos que passámos, batalhas que enfrentámos e de uma vida repleta de boas e menos boas histórias. De que tudo o que tiver de acontecer, acontece, e que a nós, enquanto vivos cabe-nos, talvez de uma forma um pouco estóica, aguentar, e de cabeça erguida, seguir em frente. Por vezes acredito que é esta a nossa forma de sobreviver, rematar o passado com um cigarro, uma aguardente, um silêncio ou uma pequena conversa. Um ponto final que nos permite continuar, sem muito lamento, e que nos concede sanidade, com sorte, serenidade, que torna suportável tudo o que poderia parecer insuportável.
Continua frio na minha varanda, um frio que “Faz febre, esfarela os ossos, dói nos peitos sufocados” mas não é ele que me faz desistir e voltar para dentro, o que me traz ao interior da quente e confortável casa é esta teimosia que sempre trago e que nunca me deixou… por vezes, talvez ao engano, a chame de esperança, outras vezes de resiliência, mas a verdade é que devo esta forma de ser, este nunca me render e de cabeça erguida, ao exemplo que é a minha mãe. E por sua vez, nós os dois e sei que muitos outros, tudo isso fomos buscar, à sua mãe e à sua tia, as minhas avós, Malena e Joana.
Budapest, 14 de Novembro 2021