Eu pinto uma época – Bulhão Pato (1829-1912)

por Arnaldo Rivotti
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Nasceu há 187 anos, Poeta, apreciador da boa cozinha, ficou na história ligado a um prato com o seu nome, Ameijoas à Bulhão Pato. Quase toda a gente conhece as Ameijoas à Bulhão Pato, mas talvez nem todos saibam quem foi, de facto, Bulhão Pato.

De acordo com Marisa das Neves Henriques autora de várias artigos como a “Ciência e fantasia na cultura portuguesa do primeiro renascimento”, Bulhão Pato ficou sobretudo conhecido por aspetos que ultrapassam a sua apetência literária stricto sensu.

Autor do poema narrativo Paquita (1866), associado à corrente ultrarromântica, sente-se pessoalmente lesado por Eça de Queirós e por uma das suas construções ficcionais – Tomás de Alencar. O incidente, que envolve alguma tinta e uma acesa troca de dichotes, leva o autor de Os Maias a pedir a Bulhão Pato que liberte a sua personagem de qualquer tentativa de aproximação entre o ser de papel e o pretenso lesado.

Porém, era indiscutível a sua associação aos epígonos do romantismo e a esta Paquita serôdia, o que colocava a geração de Bulhão Pato a jeito das críticas dos jovens poetas e sobretudo do olhar severo de Antero de Quental. Ainda na linha de fatores alheios à res literária, o seu nome ficará para sempre ligado a iguarias gastronómicas tipicamente portuguesas e a dotes culinários divulgados em livros da especialidade.

O seu labor literário pende maioritariamente para a poesia, nas suas vertentes satírica (Cantos e sátiras, 1873; Hoje – Sátiras, canções e idílios, 1888; A Dança Judenga – sátira, 1901) e lírica (O Livro do MonteCanções da Tarde), embora um crítico como Jacinto do Prado Coelho reconheça nos livros de memórias, “em prosa limpa e fluente”, a parte mais interessante [porque menos datada] da sua obra” (Coelho, 1984: 801). Traduziu Shakespeare (O Mercador de Veneza e Hamlet), Lamartine e Hugo.

A Paquita, dedicada a Alexandre Herculano, seu grande amigo, é um extenso poema em XVI cantos, de onde emerge uma “bela e pálida heroína” (1866, I, 28), “Andaluza pur sang, alta e morena, / A cintura um anel, negro cabelo, Sorriso tentador, boca pequena” (1866, I, 6). Sextilhas disciplinadas, ao gosto dos formalistas, erigem um texto cheio de afetação teatral, que exagera na adjetivação e se espraia por divagações filosóficas, assumindo por vezes uma toada neoclássica.

Escreveu ainda Paisagens (1871) e Digressões e Novelas (1864), onde reúne dois pequenos romances de juventude (Matilde e Vento do Levante) e Sob os Ciprestes. Vida Íntima de Homens Ilustres (1877), obras em prosa onde revela aptidões de fisionomista e  de memorialista. No período de 1894-1907 encarrega-se de preparar os três volumes das suas Memórias.

A sua única incursão pelo teatro – Amor virgem numa pecadora: comédia num ato (1858) – foi bem sucedida e viria a ser representada no Teatro Nacional D. Maria II.

Raimundo António, também retrata o poeta e gastrónomo, nascido em Bilbau (Espanha), a 03-03-1829, e que faleceu no Monte de Caparica (Almada), a 24-08-1912. Filho de pais portugueses, viveu os primeiros oito anos da sua vida nas Vascongadas, período que o marcou fortemente, tanto pela imagem mítica de uma infância feliz como pela descoberta das terríveis realidades da guerra civil espanhola, que obrigou a família a regressar a Portugal.

Foi Escritor e Político mas ficou mais conhecido como gastrónomo e pelas receitas que criou e forneceu para o obra O Cozinheiro dos Cozinheiros, editada em 1870 por Paul Plantier, destacando-se os afamados pratos de amêijoa, lebre, perdiz e cherne.

Matriculou-se na Escola Politécnica e cedo começou a conviver com os oráculos da vida política e literária, tendo-se tornado íntimo de Herculano, Garrett, Rebelo da Silva, José Estevão e todos os que, de algum modo, interferiram na cena da época. Bulhão Pato em Lisboa ainda conviveu com os grandes românticos. Estreou-se nas letras, apenas aso 18 anos de idade, com uma poesia que atraiu sobre si as atenções da rapaziada “romancista ou romanisca”. Cultivou um ultra-romantismo coloquial nos seu volumes “Poesias”, em 1850, “Versos”, em 1862, “Canções da Tarde”, em 1866, e “Flores Agrestes”, em 1870. O Poema narrativo “Paquita”, em 1856, situa-se na transição para a estética realista.

Cultivou depois a poesia satírica em “Cantos e Sátiras”. De 1873, e “Hoje, Sátiras, Canções e Idílios”, de 1888. Caricaturado por Eça de Queiroz na figura de Alencar, de “Os Maias”, tirou desforço do romancista nas sátiras “O Grande Maia”, em “Hoje”, de 1888, e “Lázaro Cônsul”, de 1889. Memorialista, continua a ser lido com interesse: alia ao dom evocativo de lugares e paisagens o valioso testemunho documental da sua época, nomeadamente de vultos como Garrett, Herculano e José Estevão, em livros como “Paisagens”, de 1871, “Sob os Ciprestes” e “Memórias”, de 1894-1907, em três tomos.

Retirado, a partir de 1890, para o seu refúgio do Monte de Caparica, ouve ainda com uma grande nostalgia os últimos ecos de um mundo para sempre desaparecido. Desde as lutas fratricidas do liberalismo à instauração da República, dos cantos exarcerbados dos ultra-românticos à fúria destruidora dos futuristas, Bulhão Pato define exatamente o seu lugar, quando declara em Sob os Ciprestes: “Eu pinto uma época”.

O seu nome faz parte da Toponímia de: Almada (Cidade de Almada e Freguesias de Caparica, Costa de Caparica e Trafaria); Lisboa (Freguesia de Alvalade); Loures (Freguesia de São João da Talha); Montijo; Odivelas; Oeiras; Porto; Santa Maria da Feira (Freguesia de Arrifana); Seixal (Freguesia de Fernão Ferro).

 

Fonte: “Dicionário Cronológico de Autores Portugueses”, (Vol. II, Publicações Europa América)

Fonte: “Homens e Mulheres Vinculados às Terras de Almada, Nas Artes, nas Letras e nas Ciências” (De Romeu Correia, Edição da Câmara Municipal de Almada, 1978, Pág. 29)

Fonte: “Quem É Quem – Portugueses Célebres”, (Círculo de Leitores, Coordenação de Leonel de Oliveira, Edição de 2008, Pág. 404 e 405).

 

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