Estrangeiros? Não. Universidades chinesas? Sim.

por Joel Lopes Egas
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Jamais vi uma coisa assim. Sou um fã de ginástica acrobática, mas este número de contorcionismo extremo de Orbán e o seu governo quebra com os cânones mais inauditos da modalidade. A elasticidade de ideias do partido dito nacionalista anti-globalização, anti-estrangeiro, anti-imigração faz a espargata e culmina numa cambalhota que impõe uma universidade chinesa (pasme-se) num campus supostamente dedicado aos estudantes húngaros. Um choque, o facto de o negócio ser oriundo da China, com quem sabemos o Fidesz não ter ligações.

Mas rebobinemos em câmara lenta toda esta polémica, para o leitor perceber o que aqui está em causa.

Em 2020, projetou-se a construção de um bairro estudantil nas margens do Danúbio, com habitações e outros edifícios universitários. Era um projeto especialmente dedicado aos estudantes húngaros que cada vez têm mais dificuldade em viver numa cidade cara como Budapeste. Em 2021, estranhamente pouco antes do acordo de vacinas com a China, o governo decide fazer uma viragem brusca e decide alocar aquele terreno para a construção de uma universidade chinesa (única, por certo, na Europa) que servirá na maioria estudantes chineses e outros estudantes endinheirados, dado que as propinas da dita universidade Fudan serão elevadíssimas.

A resposta ao governo não se fez tardar. Karácsonyi e Krisztina Baranyi decidiram reescrever em protesto o nome de algumas ruas em Budapeste. Alguns exemplos são: Dalai Lama utca (líder espiritual tibetano perseguido pelo Estado Chinês); Ujgur utca (nome da população muçulmana da China fortemente perseguida) ou Free Hong Kong utca (como sabemos, a democracia nesta ex colonia inglesa encontra se fortemente vilipendiada pelo regime de Xi). A embaixada chinesa vociferou contra estas medidas e o pobre Gulyás, porta-voz do Governo, embaraçado, tentou ironizar, dizendo que achava triste, mas divertido o gesto. De forma mais caricata, o emocional István Hollik (diretor de comunicações do Fidesz) argumentou que a Câmara de Budapeste devia dar às ruas nomes de vítimas da perseguição ao cristianismo. Esta sugestão foi particularmente infeliz, posto que não há pouco tempo, o bispo Xie Shiguang esteve a apodrecer numa prisão chinesa. Mas enfim.

A verdade é que não só a Câmara de Budapeste está contra esta medida. De acordo com uma sondagem, 66% dos húngaros são conta a universidade Fudan e todos vimos a semana passada o protesto que juntou milhares (ou apenas algumas centenas, de acordo com jornais afiliados ao Fidesz) de pessoas contra a universidade e, por extensão, contra o governo, marchando sobre toda a avenida Andrassy até ao Parlamento.

São dois pesos e duas medidas por parte de um governo que diz lutar pela soberania húngara, mas que parece estar, de acordo com alguns cientistas políticos, a converter a Hungria numa colónia chinesa dentro da UE – mas sobre a influência chinesa na Hungria, caro leitor, falarei num próximo artigo. Talvez isto confirme a tese do livro “O Estado Máfia Pós-Comunista: O Caso Húngaro” de Bálint Magyar que diz que Orbán sacrifica os ideias que defende, a troco do nepotismo e poder grotesco. No entanto, muito me surpreende esta tomada de decisão do Primeiro-Ministro húngaro, um implacável comunicador populista, que saber ler bem o eleitorado húngaro. Talvez esteja a perder o jeito e talvez tenha feito um erro crasso, que pode custar no caminho para a vitória nas eleições de 2022. Por outro lado, Karacsony, representante da coligação da oposição, aproveitou triunfantemente os escombros do erro de Orbán, discursando no final do protesto perante inúmeros aplausos. Esta polémica pode contribuir para uma viragem definitiva do jogo Fidesz vs DK, mas só o futuro o dirá.

Budapeste, 09 de junho de 2021

 

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