Estátuas com e sem nome

por João Miguel Henriques
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Habituado à solenidade que as estátuas normalmente têm no meu país, materializando quase sempre um qualquer acto de celebração institucional perpetuado no tempo, vim na Hungria conhecer o interessante fenómeno das estátuas a figuras anónimas, representativas da vida quotidiana de uma cidade, como tipos sociais de um qualquer estático teatro de rua. Lembro-me de várias exemplos em Szeged, a minha primeira cidade húngara antes da mudança para a capital. Na pedonal Rua Kárász há várias estátuas destas.  Uma menina com um cão pela trela, acompanhada da mãe. Um músico de rua, a tocar violino, de fato completo e cartola. Ou mais adiante, já no final (ou início?) da rua, junto à Praça Szechényi, duas figuras de saudação aos transeuntes, a lembrar tempos de pajens e escudeiros medievais. E depois também o menino de escola a beber água na Rua Guttenberg, só para não falar dos inúmeros exemplos budapestinos, encabeçados por aquele famoso guarda barrigudo, ali bem perto da Catedral de Santo Estevão, tão do agrado dos turistas. Leitores e leitoras destas cartas terão seguramente os seus exemplares favoritos.

Engracei com esta estatuária de gente sem nome, a destoar um pouco de um certo excesso de memória que caracteriza a Hungria e particularmente a sua capital. São tantas as placas e memoriais a políticos e intelectuais da nação, tantas as coroas depositadas, e também por vezes tanta a polémica em torno de tributos e homenagens, que por vezes sabe bem encontrar a estátua bem mais despretensiosa de uma criança a brincar com o seu animal de estimação. É que a memória por vezes pesa demasiado e faz bem dobrar esquinas com os olhos no futuro, sem estar sempre a ter de pensar naqueles que um dia por aqui passaram ou refletir sobre tudo aquilo que não foi e podia ter sido.

Vem-me agora à cabeça uma outra categoria de estátuas: as de figuras com nome, mas que em carne em osso jamais existiram. Estátuas a personagens icónicas da nossa ficção, como aquela que Budapeste nos oferece do carismático Inspetor Columbo, de charuto na mão e acompanhado do seu fiel amigo de quatro patas. Mas que me desculpem agora os húngaros, porque nessa categoria de estátuas tem Lisboa para mim uma mais bela e imponente, dedicada ao camoniano Adamastor. Uma estátua de pedra, tal como nos é descrito o mostrengo na epopeia, a surgir ao Gama, erguendo-se do próprio rochedo. E em Lisboa a contemplar o Tejo, no miradouro de Santa Catarina, da mesma forma que no poema ainda vigia todos aqueles „mares nunca dantes navegados”.

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