Entrevista a António Guterres: “Não há vacina para o aquecimento do planeta”

por LMn
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Em entrevista à Lusa, quatro anos depois de ter sido aclamado como secretário-geral da ONU, António Guterres defende que “o maior desafio existencial” que o mundo enfrenta é a crise climática e que é preciso uma “mudança radical” para responder ao problema. Mas a sua “enorme frustração” está na “falta de unidade” da comunidade internacional para resolver muitos dos conflitos mundiais

LUSA

Osecretário-geral da ONU, António Guterres, defende que “o maior desafio existencial” que o mundo enfrenta é a crise climática. Mas alerta: “Não há vacina para o aquecimento do planeta”, afirmou, em entrevista à Lusa, quando questionado sobre quais foram os outros grandes desafios, a par da atual crise pandémica do novo coronavírus, que enfrentou desde que assumiu a liderança da Organização das Nações Unidas (ONU) em janeiro de 2017.

António Guterres respondeu à agência Lusa poucos dias depois de terem passado quatro anos da sua aclamação pela Assembleia Geral da ONU para o cargo de secretário-geral, a 13 de outubro de 2016. Sobre o dossiê climático, frisou que, nos últimos quatro anos, tem vindo a insistir para que os líderes de todo o mundo se comprometam seriamente com a aplicação do Acordo de Paris (sobre as alterações climáticas) e demonstrem ambição para ir mais além, “de modo a evitar um aumento catastrófico das temperaturas globais”.

Assinado em dezembro de 2015 durante a conferência das Nações Unidas sobre o clima (COP21) na capital francesa, o objetivo principal do Acordo de Paris é limitar o aumento da temperatura média mundial “bem abaixo” dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais e em envidar esforços para limitar o aumento a 1,5ºC.

O alcance de tal meta está assente na aplicação de medidas que limitem ou reduzam a emissão global de gases com efeito de estufa, nomeadamente uma redução até 2030 de, pelo menos, 45% nas emissões globais em relação aos níveis de 1990 e também uma neutralidade carbónica antes de 2050. “Estamos a fazer muito pouco, muito tarde, como provam as consequências de furacões, inundações, incêndios florestais e secas a que temos vindo a assistir. Precisamos de uma mudança radical para responder com seriedade e rapidez acrescidas face ao que tem sido feito até agora”, prosseguiu.

Sobre o Acordo de Paris é de referir que os Estados Unidos, um dos maiores emissores mundiais de gases com efeito de estufa, anunciou em junho de 2017 a saída deste acordo climático.

António Guterres admitiu, no entanto, que constata que “existem sinais de mudança positivos”, “não apenas a nível governamental, mas também nas empresas, nas cidades e da parte de líderes regionais”. “É essencial que a COP26, que se realizará em Glasgow no próximo ano, seja bem-sucedida e que todos os nossos esforços se orientem pela ciência”, referiu.

A “ENORME FRUSTRAÇÃO” DE GUTERRES

Não é só sobre a resposta à crise climática que António Guterres sente que se está a fazer pouco. O secretário-geral da ONU reconhece ter uma “enorme frustração” motivada pela “falta de unidade” da comunidade internacional para procurar “soluções coerentes” para os muitos desafios mundiais, nomeadamente os conflitos. “É, para mim, motivo de enorme frustração a falta de unidade da comunidade internacional na procura de soluções coerentes para os principais desafios mundiais, incluindo, entre outros, os conflitos que se arrastam no Afeganistão, Iémen, Síria”, disse à Lusa.

Conflitos estes que, frisou, “são fonte de sofrimento para milhões de pessoas em zonas de guerra” e “estão na origem de um número recorde de pessoas que se veem forçadas a abandonar as suas casas como refugiados e deslocados internos”. E reforça: “No mundo interligado em que vivemos, urge reconhecer uma verdade essencial: ao demonstrarmos solidariedade, zelamos também pelos nossos interesses próprios! Todos perdemos, quando se ignora esta realidade.”

“É difícil comprovar o sucesso da prevenção, mas estou convicto que houve várias ocasiões em que os nossos esforços contribuíram para aliviar crises, evitar potenciais situações de violência e salvar vidas”, referiu. Guterres sente-se “encorajado” pelo facto do apelo para um cessar-fogo global, que lançou em março deste ano no âmbito do combate à pandemia do novo coronavírus, ter sido apoiado por cerca de 180 Estados-membros da organização, por mais de 20 movimentos armados e por centenas de organizações da sociedade civil e regionais.

“Estamos determinados em continuar a trabalhar neste objetivo até ao final do ano para que nos possamos concentrar no nosso inimigo comum: a pandemia da covid-19”, sublinhou.

PARIDADE DE GÉNERO DA ONU

Ainda sobre outras áreas de atuação, Guterres refere o “Apelo à Ação” no domínio dos direitos humanos, a agenda de desarmamento que propôs e os esforços que desenvolveu para promover a cooperação em tecnologia digital. Além disso, lançou outro apelo para um “novo Contrato Social”, “assente numa nova geração de programas de proteção social” com o intuito de promover “sociedades com maior igualdade, mais inclusivas e mais sustentáveis”, ou de um “Novo Acordo Global”, visando uma “globalização justa, baseada nos direitos e na dignidade de cada ser humano, na vivência em equilíbrio com a natureza, e nas responsabilidades para com as gerações futuras”.

As questões da igualdade de género são outras das matérias mencionadas pelo responsável. “Apraz-me registar que, no decurso do meu mandato como secretário-geral, tenha sido alcançada paridade de género entre todos os altos funcionários da ONU. Não se trata, apenas, de garantir oportunidades iguais para as mulheres; a paridade é essencial para garantir a eficácia e eficiência da ação das Nações Unidas. A nossa equipa deve ser representativa do universo das pessoas que servimos”, vincou.

A 1 de janeiro de 2017, o ex-primeiro-ministro português e ex-Alto Comissário para os Refugiados sucedeu ao sul-coreano Ban Ki-moon, que cumpriu dois mandatos à frente da organização internacional (2007-2016). António Guterres tornou-se assim no nono secretário-geral da ONU para um mandato de cinco anos, até 31 de dezembro de 2021.

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