António Costa e Pedro Nuno Santos, em 2020, estão prestes a negociar com Bruxelas um plano de reestruturação que tem poucas diferenças face ao que Aníbal Cavaco Silva fechou em 1994.
A TAP atravessa uma grave crise financeira“. A declaração poderia ter sido dita ou escrita por estes dias, mas é de 1994. Há quase três décadas que a Comissão Europeia fazia o alerta, enquanto aprovava o apoio público do Estado português à companhia aérea, acompanhado de um plano de reestruturação que incluía cortes no número de trabalhadores e de aviões… Já está a ter a sensação de déjà vu?
A pandemia de Covid-19 obrigou a companhia aérea portuguesa a parar a atividade e colocar os trabalhadores em lay-off. O acumular de obrigações financeiras sem receitas para responder levou o Governo a intervir, aumentando a posição acionista (para 72,5% do total do capital) e começando um processo de resgate. O primeiro cheque, de 1,2 mil milhões de euros, pretendia garantir a liquidez no último semestre do ano
Em simultâneo, o Governo e a TAP começaram a trabalhar, com a consultora BCG, para delinear um plano de reestruturação para os próximos anos. Este documento já foi enviado a Bruxelas e, apesar de ainda não ser totalmente conhecimento, sabe-se que aponta para que a empresa venha a precisar de até 3,7 mil milhões de euros. Entre 2021 e 2024 continuará a perder dinheiro, mas os lucros estão previstos no ano seguinte. Pelo caminho, há cortes no número de trabalhadores e aviões.
Não é a primeira vez que o Estado português e a TAP passam por este processo e as semelhanças são maiores que as diferenças. Em 1994, Portugal pediu autorização à Comissão Europeia para emprestar 180 mil milhões de escudos (equivalente a cerca de 900 milhões de euros) à TAP. Também, na altura, esse pedido foi acompanhado de uma proposta de plano de reestruturação desenhado por uma consultora externa para um período de quatro anos.
As razões
Comecemos pelo início: o que é que levou a que a TAP precisasse de ajuda? Há três décadas, o então primeiro-ministro social-democrata Aníbal Cavaco Silva e o seu Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações Joaquim Ferreira do Amaral assinavam a carta para Bruxelas, em que apontavam a grave crise financeira da empresa. No final de 1992, o ativo da companhia situava-se em 130,7 milhões de escudos (cerca de 652 mil euros) e o passivo em 147,3 milhões de escudos (ou 734,7 mil euros).
Os números são apresentados pelo Governo da altura para demonstrar que a estrutura de capital é frágil, o que se deve “essencialmente às enormes perdas acumuladas”, que acarretaram uma diminuição do capital da empresa. “De referir que, desde a sua nacionalização em 1975, a TAP se encontra permanentemente numa situação deficitária”.
“O capital próprio tem sido negativo desde 1980. Em 1993, continuará provavelmente a assistir-se a um agravamento do processo de deterioração. De referir que, desde a sua nacionalização em 1975, a TAP se encontra permanentemente numa situação deficitária.”
A principal diferença entre um processo e o outro é a Covid-19, que gerou uma “crise sem precedentes no setor da aviação”, segundo explicou o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, na apresentação do plano. Mas sublinhou: a TAP tem “problemas adicionais porque já tinha antes da pandemia”.
“A Comissão Europeia tem critérios bem definidos na sua legislação para determinar se uma empresa está em dificuldades. Não é matéria de opinião. A TAP cumpria dois desses critérios: capitais próprios negativos e tinha cerca de 300 milhões de euros de dívida com atrasos de pagamento superiores a 90 dias”.
As medidas
O buraco financeiro levava, tanto nos anos 1990 como 2020, a que o Estado injetasse dinheiro na TAP, mas não sem condições. Pelo contrário. No plano de Cavaco e Ferreira do Amaral era imposto um corte de 40% no número de trabalhadores, passando para 7.110 em 1997, contra 9.691 em 1993, ou seja, menos 2.600 postos de trabalho. A par, havia congelamentos salariais durante dois anos.
E desta vez? Só em contratos não renovados estão envolvidas 1.259 pessoas (entre janeiro de 2020 e março 2021). Em simultâneo, haverá uma redução de mais dois mil efetivos: 500 pilotos, 750 tripulantes de bordo, 450 da manutenção e engenharia e 250 trabalhadores de outras aéreas. Passar a part-time, rescisões por mútuo acordo, licenças sem vencimento ou reformas antecipadas poderão ser alternativas ao despedimento. Para quem fica, o salário será reduzido.
Em ambas as ocasiões as autoridades portuguesas decidiram recorrer ao um decreto de 1977 para declarar a TAP como empresa em situação económica difícil, que é o enquadramento legal que permite suspender os acordos de empresa.
“A Comissão Europeia tem critérios bem definidos na sua legislação para determinar se uma empresa está em dificuldades. Não é matéria de opinião. A TAP cumpria dois desses critérios: capitais próprios negativos e tinha cerca de 300 milhões de euros de dívida com atrasos de pagamento superiores a 90 dias.”
Além do número de trabalhadores, há mexidas na frota. Uma das medidas do primeiro plano passava por eliminar seis dos 38 aviões, enquanto agora o número de aviões passará para 88 (face aos atuais 108). Quanto aos ativos do grupo, impunha-se, há 30 anos, o encerramento de todas as delegações da TAP na América do Norte, enquanto agora o que está em causa é a venda da empresa de manutenção da TAP no Brasil.
As mudanças na frota incluem-se numa perspetiva maior de reconversão do negócio com foco nos segmentos mais lucrativos. Há 30 anos, a TAP comprometia-se em concentrar a atividade no transporte aéreo, autonomizando outras aéreas como o handling. Desta vez, o foco é o longo curso e a antiga Portugália, atualmente TAP Express. “A estratégia de negócio, o negócio lucrativo é o do hub: trazer passageiros do outro lado do Atlântico ou África Ocidental para a Europa, as ligações intercontinentais e longo curso”, disse Pedro Nuno Santos.
Há, no entanto, uma diferença: as rotas. Se antes havia a necessidade de eliminar rotas “cronicamente deficitárias” e reduzir a oferta em 9,5%, agora poderá ser diferente. O desenho ainda não está fechado e poderá resultar numa redução na oferta durante o inverno, mas — pelo menos no verão — o objetivo é que não sejam feitas alterações. “Vamos tentar manter as rotas, é esse o nosso foco, nem que para isso seja preciso reduzir a frequência de algumas dessas rotas. É essencial para o negócio da TAP que consigamos manter o máximo número de rotas”, segundo o ministro.
O futuro
É neste ponto que termina a comparação possível. O Governo atual enviou, a 10 de dezembro, a proposta de plano de reestruturação da TAP para a Comissão Europeia e espera começar as negociações nas próximas semanas. Em simultâneo, terá de envolver os sindicatos. Depois disso é preciso chegar a um documento final que será implementado já pelo próximo CEO que ainda será escolhido. Há, por isso, ainda um elevado grau de incerteza.
Na TAP de há 30 anos, o plano foi implementado com fiscalizações anuais por parte de Bruxelas. Cada novo cheque estava condicionado ao cumprimento de metas, algo que o ministro Pedro Nuno Santos também já disse planear fazer. No fim do processo — que acabou por ser em larga medida implementado na legislatura de António Guterres, pelo seu ministro João Cravinho — , a Comissão Europeia fez nova exigência: que o Estado começasse a privatização parcial do capital da TAP, em 1997. Ainda antes da viragem do século, a Swissair esteve para comprar 35%, mas o negócio caiu. Só em 2012 voltaria a haver outra tentativa, dessa vez a oferta era do empresário Germán Efromovich.
A 13 de novembro de 2014, foi relançada a privatização da TAP e tanto o português Humberto Pedrosa como o brasileiro David Neeleman se posicionaram como potenciais compradores. O português juntou-se inicialmente a Miguel Pais do Amaral, mas acabaria por não avançar com uma proposta vinculativa. Falhada essa parceria, surgiu então associado a um outro candidato: o empresário brasileiro, com 30 anos de experiência na aviação, que presidia à companhia brasileira Azul.
A 11 de junho de 2015, o Governo anunciava que o negócio estava fechado. O consórcio Gateway, constituído pelos dois empresários Humberto Pedrosa e David Neeleman, tinha oferecido dez milhões de euros por 61% do capital da TAP. Por imposição da Autoridade da Concorrência, o Estado português foi obrigado a deter mais de 50% do capital da TAP e a Atlantic Gateway ficaria então com 45%, enquanto os restantes 5% ficariam nas mãos de trabalhadores. Neeleman viria a sair, por 55 milhões de euros, este verão antes do início da reestruturação, ficando a dúvida se Bruxelas irá obrigar novamente Portugal a reduzir a presença no capital da TAP.