De um certo Molnár em Portugal

por João Miguel Henriques
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Li há cerca de dois anos, na revista do semanário Expresso, uma interessante entrevista com Jorge Molder, um dos mais incontornáveis nomes da fotografia portuguesa contemporânea, na qual ele referia a sua ascendência paterna húngara, um certo Senhor Molnár chegado a Portugal na década de 1930. Numa outra entrevista, concedida à revista Sábado em 2014, revela ter sido o pai a mudar o nome da família para a sua actual versão holandesa, acrescentando que o progenitor “chegou a Portugal exactamente em 1933, quando o Hitler tomou o poder. Tinha saído da Hungria aos 16 anos e nunca mais voltou. Andou por toda a Europa, viveu em Bruxelas, e achou que os ares estavam a ficar muito turvos e que era uma boa altura para ir para a América ou para África. Estava a caminho, mas chegou a Portugal e ficou absolutamente fascinado com a comida e com a luz de Portugal.”

Para mim, que me entretenho com pouco, ainda que seja preciso muito para me entusiasmar verdadeiramente, esta deixa foi o suficiente para encetar umas quantas pesquisas, daquelas que hoje em dia o Google permite fazer sem tirar o rabo da cadeira e enquanto o diabo esfrega um olho. Seguindo assim o fio à meada (só para aqui usar mais uma expressão idiomática da nossa língua), vim portanto a saber ser este Senhor Molnár nem mais nem menos que o fundador de um dos mais vetustos estabelecimentos comerciais da baixa lisboeta, a loja de filatelia A. Molder. Conta-nos o portal “Lojas com História” que “Augusto Molder tinha chegado a Portugal uns anos antes da Segunda Grande Guerra, vindo da Hungria. Em 1943, em plena guerra, cria esta loja, comprando e vendendo selos a partir de sua casa e, logo a seguir, da actual morada. Da sua janela é possível ver a estação do Rossio, onde chegavam vindos de toda a Europa os estrangeiros que procuravam a paz que advinha da neutralidade portuguesa no conflito. A. Molder foi também um dos fundadores do Clube Filatélico de Portugal, do qual esta loja é sócia nº1.” Um breve obituário publicado na revista da Sociedade Portuguesa de Numismática refere que Augusto Molder „nascera em Bata, pequena cidade da Hungria, mas em Portugal se fixou e viveu largos anos da sua vida.”

Fez-me logo isto começar a planear uma vinda do fotográfo à Hungria, para uma exposição retrospectiva e abrangente da sua obra, aproveitando a confessada raíz húngara, numa busca de origens que talvez o empolgasse. Escrevi-lhe. No plano mentalmente concebido, sem ainda ter a mínima ideia de apoios e orçamentos, incluía-se porventura o resto da família, pois não há dúvida que a linhagem fixada pelo Senhor Molnár em Portugal distingue-se por notável veia criativa e envergadura intelectual. Uma das filhas de Jorge Molder é a artista plástica Adriana Molder, e a outra, Catarina Molder, é soprano. A esposa Maria Filomena Molder é seguramente uma das mais interessantes filósofas portuguesas, com vasta obra ensaística publicada. Está a imaginar o leitor a dimensão do acontecimento, com toda a família Molder de excursão à Hungria, para um intenso programa de palestras e exposições, a culminar com um almoço de domingo na Báta natal do Senhor Molnár, onde seguramente haverá uma csárda decente? Infelizmente, como já sabemos, os tempos que correm não estão para grandes planos, e nem sequer este megalómano entusiasmo de Leitor do Instituto Camões é capaz de contagiar tanto como outras ideias e vírus afins.

Confidencio porém ao Jorge, com quem tive o prazer de trocar alguns e-mails, mas que provavelmente jamais lerá esta crónica, que é no estabelecimento fundado por um certo Molnár em Portugal que o meu próprio pai se abastece dos selos que alimentam a sua paixão filatélica. E também a minha, que cá vou tendo nos selos matéria para me entreter e entusiasmar.

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