Versalhes, França, 10 mar 2022 (Lusa) – O primeiro-ministro, António Costa, reafirmou, à chegada a um Conselho Europeu informal em Versalhes, França, que “é fundamental aumentar as interconexões e vencer definitivamente esta barreira que tem existido nos Pirenéus à interligação com o resto da Europa”.
Em declarações à entrada para uma cimeira informal de chefes de Estado e de Governo da União Europeia que tem entre os principais pontos em agenda a necessidade da Europa se libertar da dependência energética, sobretudo relativamente à Rússia, no quadro da atual agressão militar à Ucrânia, António Costa voltou a insistir na necessidade de se garantir as interligações entre a Península Ibérica com o resto da Europa, que tem sido travada por França.
O primeiro-ministro apontou que a questão da energia vai ser debatida em duas perspetivas, de curto e médio/longo prazo, sendo que, no curto prazo, há que “procurar respostas que travem esta escalada [dos preços], seja por via das compras conjuntas, seja por via da autorização para uma redução temporária da taxa do IVA, seja pela autorização a medidas de apoio direto às empresas que sejam mais dependentes dos recursos energéticos”.
Já quanto a “medidas de longo e médio prazo que reforcem a autonomia estratégica da Europa e a segurança energética da Europa”, António Costa voltou a considerar essencial o aumento das interconexões, sublinhando que “Portugal e Espanha podem dar um contributo extraordinário, quer pela capacidade que têm de produzir energia renovável”, quer pela proximidade geográfica que permite à Península Ibérica “ter interconexões com o continente africano”.
Costa lembrou também que pode ser aproveitada “a capacidade aeroportuária, aumentá-la” e reforçar a capacidade de armazenamento para o gás natural liquefeito (GNL), “que seguramente vai ser uma energia de transição nos próximos anos”.
“Portugal tem uma porta de entrada de exceção, e por isso é fundamental aumentar as interconexões e vencer definitivamente esta barreira que tem existido aqui nos Pirenéus à interligação com o resto da Europa”, disse.
Questionado sobre as reservas de França ao desenvolvimento das interconexões, observou que “é impossível ignorar a realidade” e apontou que esta mesma semana a Comissão Europeia apresentou uma comunicação sobre energia na qual “expressamente reafirma a urgência da interconexão de Portugal e de Espanha com a França para abastecimento do resto da Europa”, o que considerou “um grande avanço”.
António Costa acrescentou ainda que “convém não esquecer que há um acordo que a França assinou em 2014, ainda no tempo do dr. Passos Coelho, e que reafirmou, aliás, numa cimeira sobre interconexões” em 2018, na qual participou juntamente com o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o chefe de Governo espanhol, Pedro Sánchez. “É altura de o pôr em prática”, disse.
Questionado sobre a coordenação com Espanha nesta matéria, respondeu que “neste momento é plena”.
“Houve uma altura em que Espanha só insistia na interconexão para a utilização futura do hidrogénio verde, nós insistimos que a infraestrutura de transporte, pipeline, tem condições para transportar hidrogénio verde, quer o gás natural, portanto não é um investimento condenado a prazo”, disse.
Os líderes da União Europeia, reunidos entre hoje e sexta-feira em Versalhes, França, deverão assumir a necessidade de completar a rede europeia de interconexões de gás e eletricidade, apesar de França manter reservas a esta antiga reivindicação ibérica.
Reunidos numa cimeira informal inevitavelmente ensombrada pela guerra em curso na Ucrânia, os chefes de Estado e de Governo dos 27 vão adotar a chamada “Declaração de Versalhes”, que, entre outros aspetos, salientará a necessidade de a União se libertar da dependência energética, designadamente das importações de petróleo, gás e carvão da Rússia.
De acordo com o ‘esboço’ da declaração, ao qual a Lusa teve acesso, no capítulo dedicado à autonomia energética, o Conselho Europeu deverá “concordar em eliminar gradualmente a dependência das importações de gás, petróleo e carvão da Rússia”, através de uma série de ações, entre as quais “completar e melhorar a interconexão das redes europeias de gás e eletricidade e sincronizar totalmente as redes de energia”.
A aposta em interconexões energéticas de Portugal e Espanha com o resto da Europa é uma antiga reivindicação de Lisboa e Madrid, mas tem esbarrado no pouco entusiasmo de França.
Na quarta-feira, questionado sobre a vontade de Portugal e Espanha, fonte do Eliseu indicou que “prossegue um debate sobre uma melhor interligação das redes da Península Ibérica com a Europa”, mas argumentou que a “realidade é mais complexa” do que pode parecer e apontou, “a título de exemplo, que o projeto de gasoduto MidCat [interconexão de gás entre Espanha e França] foi objeto de um estudo socioeconómico partilhado entre França e Espanha, que concluiu que o equilíbrio socioeconómico deste projeto era negativo”.
Apontando que as autoridades francesas permanecem em contacto com Portugal e Espanha em torno destas questões e que “há um compromisso para reforçar as interconexões”, a mesma fonte insistiu que há que considerar vários fatores.
“Quando falamos de interconexões, há um ponto sobre o qual temos de ter uma certa vigilância. As interligações visariam essencialmente o fornecimento de gás natural do continente africano, mas com o objetivo final de produzir hidrogénio. Ora, devemos ter o cuidado de não criar novas dependências, daí a necessidade de uma completa diversificação, também para a produção de hidrogénio, razão pela qual também insistimos muito na necessidade de hidrogénio de origem nuclear, no qual estamos a investir”, justificou esta fonte francesa.
Os chefes de Estado e de Governo da UE iniciaram hoje, em Versalhes, uma cimeira de dois dias originalmente consagrada à economia, mas que se focará agora na defesa e energia, por força da ofensiva russa na Ucrânia.