Corsino Fortes (Cabo Verde)

por João Miguel Henriques
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De boca a barlavento

 

I

Esta
a minha mão de milho & marulho
Este
o sol a gema E não
o esboroar do osso na bigorna
E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devorem
esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas

II

Poeta! todo o poema:
geometria de sangue & fonema
Escuto Escuta

Um pilão fala
árvores de fruto
ao meio do dia
E tambores
erguem
na colina
Um coração de terra batida
E lon longe
Do marulho à viola fria
Reconheço o bemol
Da mão doméstica
Que solfeja

Mar & monção mar & matrimónio
Pão pedra palmo de terra
Pão & património

 

 

Corsino António Fortes (Mindelo, 14 de Fevereiro de 1933 – Mindelo, 24 de Julho de 2015) foi um escritor e político cabo-verdiano.

A poesia tornou-se pública na sua vida, em 1957, quando saíram os seus primeiros poemas no jornal do 3º Ciclo Liceal. Licenciou-se em Direito, pela Universidade de Lisboa em 1966, onde viveu na Casa dos Estudantes do Império. Já em Angola, como juiz do Tribunal de Benguela e Luanda, não permitiu que os papéis judiciais o afastassem da poesia. E aí, militante do PAIGC  (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) na clandestinidade, usou a escrita para lutar contra o domínio colonialista. Os seus poemas apareceram nos anos 1960 em algumas publicações como a revista Claridade ou a antologia Modernos Poetas Caboverdianos. Mas só lançou o seu primeiro livro em 1974, Pão & Fonemas, que com Árvore & Tambor (1986) e Pedras de Sol & Substância (2001) formou A Cabeça Calva de Deus. A trilogia conta a saga do povo para a liberdade.

Integrou vários governos na república de Cabo Verde, tendo sido o primeiro embaixador cabo-verdiano em Portugal, em 1975.

Presidiu à Associação dos Escritores de Cabo Verde (2003-2006). Obras como Pão & Fonema ou Árvore & Tambor expressam uma nova consciência da realidade cabo-verdiana e uma nova leitura da tradição cultural daquele arquipélago.

 

 

 

 

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