Cores e anos (Színek és évek)

por Henrique Delmar
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Margit Kaffka

Publicado em 1912, Cores e anos (Színek és évek) é o romance mais conhecido de Margit Kaffka. Conta a história da vida, sob a forma de uma confissão, de uma viúva, Magda Pórtelky, mãe de Margit, que, num mundo em mudança, tenta seguir os velhos padrões sociais. No destino da protagonista, Kaffka consegue retratar não só a questão da igualdade de direitos para as mulheres, mas também toda a sociedade do seu tempo. Cores e anos, é talvez o mais típico dos traços básicos da escrita moderna do século XX. Margit Kaffka nasceu a 10 de Junho de 1880 em Nagykároly (hoje Carei, Roménia).

Cores e anos (fragmento)

Um enorme silêncio agradável rodeou-me durante algum tempo. Longe de mim, a vida continua, com os seus males, conflitos e ambições, e se de vez em quando olho um pouco para cima, fico espantada com a curiosidade infantil das pessoas de hoje sobre o que lhes vai acontecer amanhã ou depois de amanhã. É estranho pensar que as coisas hoje são tão novas e interessantes para os jovens como eram para mim há trinta anos atrás. Visto com os meus olhos atuais, parece-me claro que as várias mudanças e tarefas humanas têm uma boa dose de intenções lúdicas. Tal como quando a criança diz: agora faço de vendedor ou de pai ou de tempestade marítima, o adulto desempenha os papéis de homem ambicioso, preguiçoso, apaixonado ou odioso. Temos de matar o tempo de alguma forma; temos de nos fazer acreditar, durante um certo tempo, que algumas coisas são importantes. Caso contrário, passaríamos o nosso tempo com os braços cruzados na berma da estrada; talvez isso seja a coisa natural a fazer, e tudo o resto é apenas para desempenhar um papel e enganarmo-nos a nós próprios.

O homem, certo ou errado, acaba por desempenhar todos os papéis que assumiu, um após o outro. No entanto, ao contrário do que acontece nas histórias fictícias do palco, o papel dos outros não está em conformidade com o do protagonista: na realidade, todos são protagonistas nas suas próprias vidas, e ninguém assume um papel secundário, mas age por si próprio e por sua vontade. E daí o número de envolvimentos que nos interessam a todos enquanto somos participantes neles: quem ama quem, com quem se casa, como educa os seus filhos, para que posição luta no mundo e como falha. E quando alguém tiver terminado de fazer tudo o que lhe foi possível, seja pela sua própria força ou pelas circunstâncias, pode parar, talvez com alguns anos para descansar.

Dou a notícia aos jovens que ficam horrorizados com a velhice. Digo-lhes que não é tão terrível e definitivamente mau como parece. O homem não sente um estado mais aguçado do que outro, e não lhe faltam coisas pelas quais tem deixado de ansiar. Se estiver de boa saúde, não sente a velhice no seu próprio corpo: pode mover as mãos ou as pernas e uma boa chávena de café, um quarto limpo e um sono reconfortante podem fazer-lhe muito bem. Estes prazeres não custam muito, não se arrisca nada, e não se tem de sofrer tanto por eles. Sou uma mulher velha, fiz cinquenta anos na Primavera. Estou velha e solitária. No entanto, evocando o passado, apercebo-me de que vivi coisas muito piores do que a minha vida silenciosa presente e poucas realmente boas; e essas parecem não passar de meros sonhos. Não me sinto muito pior do que antes, o que me leva a esperar que a morte também não seja tão terrível, longe disso, como me parece neste momento.

A velhice é mais percetível em coisas externas, que não são próprias: pouco a pouco perde-se tudo, mas isso já não o incomoda, porque não se deixa ser marginalizado se não se quer ser. A comédia, lá fora, começa novamente, é a mesma peça, com um elenco diferente e um conjunto diferente, tocam à campainha, as pessoas entram, e já não estamos interessados nela. Por vezes gostaríamos de lhes dizer: “Terminem-no já! Mas o que muda se algo acontece de uma forma ou de outra? É tudo a mesma coisa!”. Não estamos certos, mas esta já é a sua comédia. Nós, com os nossos parceiros, agimos mais ou menos da mesma maneira.

Nesta idade, já não se tem objetivos e intenções claras; mas isto não é um problema tão grave como os jovens pensam. Só podem imaginar a velhice de acordo com o seu próprio estado de espírito. No entanto, somos também transformados em vida, não apenas em morte – não sou responsável pelas ações de alguém que há vinte anos atrás levou o meu nome. Por vezes, sou capaz de pensar nessa pessoa como um estranho. Uma, por exemplo, não pára de lutar com crianças, e pensa que assim será até à morte: e de facto, a maioria dos idosos estão ligados à vida, mais ou menos, através dos seus filhos; mas então isto ainda é um desejo de agir, de desempenhar um papel. Na realidade, as crianças estão muito distantes dos seus pais: o interesse de cada um na sua vida não é senão intenção e auto-engano. Nesta idade, nenhuma vida, nenhuma mudança é realmente nova e importante para nós. Talvez outros se sintam diferentes, mas eu, por exemplo, tornei-me muito solitária.

Falo de tudo isto, tanto da solidão como da falta de ambição, sem vestígios de queixa, de que não há dúvida. Eu, que amei tanto as multidões e que sempre tive ambições! Agora dou por mim sentada neste pequeno e quente jardim, olhando por detrás da persiana da rua coberta com as frondes das acácias, mal saio, e passam-se semanas antes de alguém me vir ver. Por vezes, ocorre-me que ainda é demasiado cedo para que o mundo me esqueça desta maneira. Parece que estou muito cansada.

Tradução de Eszter Orbán e Elena Ibáñez

Fonte: Cortesia da Fundação Húngara do Livro (Magyar Könyv Alapítvány) e da Revista Digital Lho.es

Versão Portuguesa: Arnaldo Rivotti

 

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