Corações de Cristal

por Tiago Hipólito
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“Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atracção; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa” – esta é a definição que o dicionário Priberam da Língua Portuguesa define, quando buscamos a palavra “amor”, ou se quisermos romantizar mais a coisa é “(…)fogo que arde sem se ver”. Partindo destas definições, a(s) pergunta(s) que me decidi lançar, enquanto sozinho vivia esta pandemia, foram: porque é que no mundo moderno de hoje aproximar-se, proteger ou conservar uma pessoa é tão difícil? Porque é que, hoje em dia, o fogo já não arde tão intensamente como o poeta nos quereria fazer crer? Busquei, busquei e, ainda passado um ano, não consegui encontrar o desfecho da(s) resposta(s) às minhas perguntas…não que elas não existam, mas sim, porque todos os conceitos do gurus do “dating” e das “relationships”, apesar de verdadeiros e fazerem sentido, não valem nada na prática.

O “amor”, do hoje em dia assusta, é uma coisa do passado, uma coisa que somente os nossos avós souberam (bem) cultivar, e em alguns casos, os nosso pais (nem todos). Olhando para isto, apetece-me dizer que me sinto defraudado com o preço do “bilhete” que decidi pagar por querer “viver o amor” no século XXI, por me terem ensinado que o amor é sempre o caminho, por Espanca, Pessoa, Camões me terem feito acreditar que sim, que era possível, mas que tudo isso seria contrariado por Esther Perel, e pensar que não, que afinal, todos aqueles poetas que li, estavam errados. É isso que sinto, sinto que o “amor” no seu conceito, na sua essência perdeu o valor que tinha ganho durante séculos. A proliferação das “dating apps”, a extrema facilidade com que se “compra” o amor hoje em dia, a facilidade com que se começam e acabam relações e casamentos, assusta. Assusta ouvir que nos transformarmos em “corpos de cristal” que, ao minímo toque nos partimos, nos ofendemos…e quebramos, quebramos para não mais consertar, quebramos para não querermos mais aquela pessoa, só porque não veste a cor que nós gostamos, ou porque naquele dia estava má-disposta, e eu não gosto de pessoas mal-dispostas, ou porque defende algo em que não acredito e não, por causa disso, dizemos “não quero”, “nem me apetece tentar”, encontro outra pessoa melhor, amanhã, ou depois, ou daqui a um ano, porque não, porque agora “não me apetece tar a lidar” com este tipo de pessoas imaturas e que não satisfazem as minhas pretensões: que me perdoem os meus amigos brasileiros, mas somos como o “Neymar das relações”, um toque e caímos no chão, rebolando de dor fingida, só porque nos sentimos feridos, por alguém pensar ou se comportar de uma forma que não se coaduna com os nossos valores e crenças.

Queremos o amor, mas recusamos a dor, queremos ser amados, mas sentimos-nos orgulhosos da solidão, queremos a compreensão, mas não compreendemos, queremos atenção, mas não não sabemos dar atenção, resumindo, queremos o amor dado, mas não queremos lutar por ele, queremos que ele nos seja entregue numa “bandeja”, para que o possamos desgustar sem o mínimo esforço. A razão da geração dos 80, 90 e 00 andar a saltar de relação em relação (e aqui me incluio), é não saber ter aprendido nada com a geração, dos 70, 60, 50 ou 40, onde a essência de um bailarico de aldeia era suficiente para encontrar o “amor da sua vida”. Choramos hoje em dia não saber, não ter encontrado a forma de chegar ao amor verdadeiro, aquele amor que não passa em estados de Facebook e em imagens de Instagram, aquele amor que se vive na sua essência, no seu toque, no olhar, aquele amor que mais perto se assemelha do “amore nostrum”…hoje em dia, esse só dura nas primeiras duas semanas do “conhecimento”, depois disso, a adrenalina passou e o amor foi com ela, dizem que vemos melhor assim…mas não era suposto o amor ser cego? não era suposto o amor ser caminhar com as mãos para sempre? não, já não é. Por isso é que o amor é, hoje em dia, aquilo pela qual comecei este artigo: uma definição teórica, que muito irreversivelmente, se vai perdendo na prática.

O meu conselho: se alguém encontrar o “amor verdadeiro” que o guarde a sete-chaves para si, porque, nos dias de hoje, se o forem a vender, ele já não tem valor de mercado!

Escrito por alguém que ainda acredita nele,

 

Budapeste, 13 de Setembro de 2021

 

Tiago André Hipólito Proença

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