Este conto faz parte dos Contos Tradicionais do Povo Português de Teófilo Braga e versa sobre o equívoco da frase: Matar sete de uma vez ou matar sete de um golpe. Tem analogias com o Alfaiatinho valoroso, dos Contos de Grimm. (Contes choisis, p. 253.). No Pantchatantra, a fábula do Oleiro e o Rei versa sobre este mesmo assunto. (Trad. Lancereau, p. 289.) Na Biblioteca de las Tradiciones populares españolas, t. I, p. 121, vem este conto com o titulo de Don Juan Bolondron Mata siete de um trompom, colligido no Chili, na povoação de Santa Juana. Na Hungria ganhou analogias com “Hetet egy Csapásra”.
Escrito em português antigo:
Era um alfaiate muito poltrão, que estava trabalhando a porta da rua; como elle tinha medo de tudo, o seu gosto era fingir de valente. Vae de uma vez viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. D’aqui em diante não fazia senão gabar-se:
— Eu cá mato sete de uma vez!
Ora o rei andava muito aparvalhado, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general Dom Caio, que era o maior valente que havia, e as tropas do inimigo já vinham contra elle, porque sabiam que não tinha quem mandasse a combatel-as. Os que ouviram o alfaiate andar a dizer por toda a parte: «Eu cá mato sete de uma vez!» foram logo mettel-o no bico ao rei, que se lembrou de que quem era assim tão valente seria capaz de occupar o posto de Dom Caio. Veiu o alfaiate á presença do rei, que lhe perguntou:
— É verdade que matas sete de uma vez?
— Saberá vossa magestade que sim.
— Então n’esse caso vás commandar as minhas tropas, e atacar os inimigos que já me estão cercando.
Mandou vir o fardamento de Dom Caio e fel-o vestir ao alfaiate, que era muito baixinho, e que ficou com o chapeu de bicos enterrado até ás orelhas; depois disse que trouxessem o cavallo branco de Dom Caio para o alfaiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavallo, e elle já estava a tremer como varas verdes; assim que o cavallo sentiu as esporas botou á desfilada, e o alfaiate a gritar:
— Eu caio, eu caio!
Todos os que o ouviam por onde elle passava, diziam:
— Elle agora diz que é o Dom Caio; já temos homem.
O cavallo que andava costumado ás escaramuças, correu para o sitio em que andava a guerreia, e o alfaiate com medo de cahir ia agarrado ás clinas, a gritar como desesperado:
— Eu caio, eu caio!
O inimigo assim que viu vir o cavallo branco do general valente, e ouviu o grito: «Eu caio, eu caio!» conheceu o perigo em que estava e disseram os soldados uns para os outros:
— Estamos perdidos, que lá vem o Dom Caio; lá vem o Dom Caio.
E botaram a fugir á debandada; os soldados do rei foram-lhe no encalço e mataram n’elles, e o alfaiate ganhou assim a batalha só em agarrar-se ao pescoço do cavallo e em gritar: «Eu caio.» O rei ficou muito contente com elle, e em paga da victoria deu-lhe a princeza em casamento, e ninguem fazia senão louvar o successor de Dom Caio pela sua coragem.
Hetet egy Csapásra (Mato Sete de uma Vez – Conto popular húngaro)
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- Joaquim Teófilo Fernandes Braga(Ponta Delgada, 24 de fevereiro de 1843 — Lisboa, 28 de janeiro de 1924), que assinava Theophilo Braga, foi um poeta, sociólogo, político, filósofo e ensaísta literário português. Estreia-se na literatura em 1859 com Folhas Verdes. Da sua carreira literária contam-se obras de história literária, etnografia (com especial destaque para as suas recolhas de contos e canções tradicionais), poesia, ficção e filosofia, tendo sido ele o introdutor do Positivismo em Portugal. Depois de ter presidido ao Governo Provisório da República Portuguesa, a sua carreira política terminou após exercer fugazmente o cargo de Presidente da República, em substituição de Manuel de Arriaga, entre 29 de maio e 5 de outubro de 1915. (in wikiland)-