Conceição Evaristo (Brasil)

por João Miguel Henriques
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Malungo, brother, irmão

 

No fundo do calumbé
nossas mãos ainda
espalmam cascalhos
nem ouro nem diamante
espalham enfeites
em nossos seios e dedos.

Tudo se foi
mas a cobra
deixa o seu rastro
nos caminhos aonde passa
e a lesma lenta
em seu passo-arrasto
larga uma gosma dourada
que brilha no sol.

um dia antes
um dia avante
a dívida acumula
e fere o tempo tenso
da paciência gasta
de quem há muito espera.

Os homens constroem
no tempo o lastro,
laços de esperanças
que amarram e sustentam
o mastro que passa
da vida em vida.
no fundo do calumbé
nossas mãos sempre e sempre
espalmam nossas outras mãos
moldando fortalezas e esperanças,
heranças nossas divididas com você:
malungo, brother, irmão.

 

Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte, em 1946. De origem humilde, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. Graduada em Letras pela UFRJ, trabalhou como professora da rede pública de ensino da capital fluminense. É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro e Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense.

Participante ativa dos movimentos de valorização da cultura negra no Brasil, estreou-se na literatura em 1990, quando passou a publicar os seus contos e poemas na série Cadernos Negros. Escritora versátil, cultiva a poesia, a ficção e o ensaio. Desde então, os seus textos vêm angariando cada vez mais leitores. A escritora participa de publicações na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Os seus contos vêm sendo estudados em universidades brasileiras e do estrangeiro. Em 2003, publicou o romance Ponciá Vicêncio. Em 2006, Conceição Evaristo traz à luz seu segundo romance, Becos da memória, em que trata, com o mesmo realismo poético presente no livro anterior, do drama de uma comunidade favelada em processo de remoção. E, mais uma vez, o protagonismo da ação cabe à figura feminina símbolo de resistência à pobreza e à discriminação. Já a sua poesia, até então restrita a antologias e à série Cadernos Negros, ganha maior visibilidade a partir da publicação, em 2008, do volume Poemas de recordação e outros movimentos, em que mantém sua linha de denúncia da condição social dos afrodescendentes, porém inscrita num tom de sensibilidade e ternura próprios de seu lirismo, que revela um minucioso trabalho com a linguagem poética.

Em 2011, Conceição Evaristo lançou o volume de contos Insubmissas lágrimas de mulheres, em que, mais uma vez, trabalha o universo das relações de género num contexto social marcado pelo racismo e pelo sexismo. Em 2014, a escritora publica Olhos D’água, livro finalista do Prémio Jabuti na categoria “Contos e Crônicas”. Já em 2016, lança mais um volume de ficção, Histórias de leves enganos e parecenças. Em 2018, a escritora recebeu o Prémio de Literatura do Governo de Minas Gerais pelo conjunto de sua obra.

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