Lviv acordava com uma neblina intensa naquela manhã fria de Novembro, atrasado já que estava para o “tour” que tinha programado fazer, no terceiro dia de visita àquela cidade, em frente ao meu alojamento, erguia-se o Monumento dos Lutadores do Estado da Ucrânia, coincidência ou não, o maior símbolo da resistência e fundação do que hoje é a Ucrânia como Estado. Com a habitual pressa de turista, atravessei a praça central, pelo afamado monumento Taras Shevchenko, sentia-se já a azáfama de uma cidade viva e frenética, Lviv era assim, uma cidade vibrante onde a beleza e o simbolismo dos seus monumentos antigos, se cruza com a modernidade do seu modo de vida, que foge do paradigma que muitas vezes se associa relativamente ás “cidades escuras” da Europa de Leste.
Desde o primeiro dia, que a cidade havia despertado em mim um sentimento de pertença viva, de imersão naquilo que era a sua essência de cidade culturalmente moderna, que de dia abraçava a sua imensa cultura e de noite, mostrava a sua juventude e vivacidade pelas ruas e edifícios iluminados, apesar do existente recolhimento obrigatório. As expectativas para a visita a três palácios património da UNESCO, com histórica importância para os “ucranianos do oeste” era comedida, ansiava mais por conhecer o “país profundo”, saber se a ruralidade da Ucrânia “que me tinham falado”, subdesenvolvida e pobre era real. À medida que saíamos da cidade, várias placas anunciavam a direção de Kiev, depreendi, por isso, que aquela era a única ligação á capital. A cada quilómetro que passava a ideia “daquela” Ucrânia rural e pobre desaparecia, o sol brilhava afinal para uma Ucrânia ocidental e desenvolvida. Conversava a espaços com os colegas de tour, a história real de ucranianos, que por uma razão ou outra tiveram de deixar o seu país natal, entre elas, impressionou-me a história do Oleg que era de Odessa e trabalhava na apanha do peixe no Alasca, fazia questão de todos os anos voltar ao seu país Natal para passar férias e viajar, disse-me que era um país muito bonito, grande e que tinha ainda tanto por conhecer, revi-me totalmente naquelas palavras e foi com um sentimento de compaixão que aquele dia terminou, nunca poderemos conhecer verdadeiramente um país se não conhecermos as “suas gentes” e o seu interior, a partir daquele momento, a Ucrânia não era mais para mim um “parente pobre” da oriental Europa, mas sim, um país que se construiu, naquela região, para virar os seus ventos a oeste, na certeza que ali estava (e estará!) o seu futuro.
É, talvez por isso, que hoje me dilacere o coração, ligar a televisão todos os dias, dilacera-me ver um país maravilhoso, solarengo e vivo, ser destruído por misseis e artefactos que, mais não servem para mostrar, o que de pior o ser humano tem. É a tristeza imensa de ver um país de gente pura, ser atingido desta forma. Aquela estrada que outrora ligava o oeste á capital, é palco agora do “passeio” de blindados invasores, de cemitérios de carros queimados pela fúria e ódio de uma guerra que o povo ucraniano nunca pediu nem desejou, e que, provavelmente perdeu a última réstia de esperança numa humanidade que pensava ainda existir. Haveria uma enormidade de palavras de fúria e de revolta, que me apeteceria expressar e o sentimento de impotência é gigante, mas em espaçados momentos de lucidez, tenho a certeza que, a força dos invasores não se combate com armas e tanques, mas sobretudo com conhecimento, com informação e com coragem, porque nenhuma propaganda, por muito boa que seja, consegue suportar uma lúcida argumentação baseada em factos, evidências e vivências. E essa é a maior tristeza que tenho, que nem todas as pessoas tenham acesso ás mesmas fontes de informação, que não tenham a mesma igualdade no acesso á educação, e que, talvez por isso, hoje em dia, a “propaganda”, a ignorância e a desinformação se sobreponham ao conhecimento e ao espírito crítico, que o nosso “mundo social” “mate” também através de falácias propagandistas que nos entram pelos écrans diariamente e que nos cegam a razão e ás quais cremos acreditar que são verdade.
É também sinal dos nossos tempos que, povos que hoje em dia recebem refugiados de braços abertos, outrora os expulsavam ou tentavam envenená-los, que povos que oferecem direitos aos refugiados acolhidos, sejam os mesmos que restringem a liberdade e os direitos aos seus próprios cidadãos, que um país, se ponha em bicos de pés, todo “fanfarrão” para ouvir falar o Presidente da nação invadida no seu Parlamento, seja incapaz de julgar com justiça, vários empregados de uma das suas instituições públicas que, atrozmente “deixaram morrer” um cidadão desse país invadido, numa das salas dessa instituição, numa violação básica do direito humano e seja incapaz de proteger os cidadãos desse mesmo país invadido e as suas informações pessoais, quandi ali vieram procurar abrigo: a “humanidade do Iphone” e a “humanidade da aparência” é real e, infelizmente não ajudará a salvar quem diariamente foge do seu país em guerra e quer encontrar a paz num lugar distante.
Enquanto não percebermos a realidade que nos absorve, a essência daquilo que nos rodeia e sobretudo, ignorarmos a busca pela educação e conhecimento, mais “Putins” aparecerão e eles sim saberão, com certeza, como mudar o nosso mundo para pior. Passaremos mais a aceitar e a reagir, em vez de pensar e actuar, de nada servirão os posts moralistas a repetir que uma genocídio jamais voltará a ocorrer na Europa, quando agora mesmo “á nossa porta” ocorre um e amanhã poderá ocorrer outro. É esta a “guerra” que teremos de combater no futuro, para honrar, respeitar e retribuir tudo o que o povo ucraniano está a fazer pela nossa segurança e pela segurança da Europa: um povo que nunca pediu esta guerra mas que, ferozmente oferece resistência a um invasor mais poderoso, não só para proteger a sua terra, mas também para salvar todas as outras que se estendem a oeste das suas fronteiras. E isto é o mínimo que poderemos fazer não só por todos os que ainda lutam, mas sobretudo por aqueles que já ali pereceram. SLAVA UKRAINI!!!