1

Corações de Cristal

“Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atracção; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa” – esta é a definição que o dicionário Priberam da Língua Portuguesa define, quando buscamos a palavra “amor”, ou se quisermos romantizar mais a coisa é “(…)fogo que arde sem se ver”. Partindo destas definições, a(s) pergunta(s) que me decidi lançar, enquanto sozinho vivia esta pandemia, foram: porque é que no mundo moderno de hoje aproximar-se, proteger ou conservar uma pessoa é tão difícil? Porque é que, hoje em dia, o fogo já não arde tão intensamente como o poeta nos quereria fazer crer? Busquei, busquei e, ainda passado um ano, não consegui encontrar o desfecho da(s) resposta(s) às minhas perguntas…não que elas não existam, mas sim, porque todos os conceitos do gurus do “dating” e das “relationships”, apesar de verdadeiros e fazerem sentido, não valem nada na prática.

O “amor”, do hoje em dia assusta, é uma coisa do passado, uma coisa que somente os nossos avós souberam (bem) cultivar, e em alguns casos, os nosso pais (nem todos). Olhando para isto, apetece-me dizer que me sinto defraudado com o preço do “bilhete” que decidi pagar por querer “viver o amor” no século XXI, por me terem ensinado que o amor é sempre o caminho, por Espanca, Pessoa, Camões me terem feito acreditar que sim, que era possível, mas que tudo isso seria contrariado por Esther Perel, e pensar que não, que afinal, todos aqueles poetas que li, estavam errados. É isso que sinto, sinto que o “amor” no seu conceito, na sua essência perdeu o valor que tinha ganho durante séculos. A proliferação das “dating apps”, a extrema facilidade com que se “compra” o amor hoje em dia, a facilidade com que se começam e acabam relações e casamentos, assusta. Assusta ouvir que nos transformarmos em “corpos de cristal” que, ao minímo toque nos partimos, nos ofendemos…e quebramos, quebramos para não mais consertar, quebramos para não querermos mais aquela pessoa, só porque não veste a cor que nós gostamos, ou porque naquele dia estava má-disposta, e eu não gosto de pessoas mal-dispostas, ou porque defende algo em que não acredito e não, por causa disso, dizemos “não quero”, “nem me apetece tentar”, encontro outra pessoa melhor, amanhã, ou depois, ou daqui a um ano, porque não, porque agora “não me apetece tar a lidar” com este tipo de pessoas imaturas e que não satisfazem as minhas pretensões: que me perdoem os meus amigos brasileiros, mas somos como o “Neymar das relações”, um toque e caímos no chão, rebolando de dor fingida, só porque nos sentimos feridos, por alguém pensar ou se comportar de uma forma que não se coaduna com os nossos valores e crenças.

Queremos o amor, mas recusamos a dor, queremos ser amados, mas sentimos-nos orgulhosos da solidão, queremos a compreensão, mas não compreendemos, queremos atenção, mas não não sabemos dar atenção, resumindo, queremos o amor dado, mas não queremos lutar por ele, queremos que ele nos seja entregue numa “bandeja”, para que o possamos desgustar sem o mínimo esforço. A razão da geração dos 80, 90 e 00 andar a saltar de relação em relação (e aqui me incluio), é não saber ter aprendido nada com a geração, dos 70, 60, 50 ou 40, onde a essência de um bailarico de aldeia era suficiente para encontrar o “amor da sua vida”. Choramos hoje em dia não saber, não ter encontrado a forma de chegar ao amor verdadeiro, aquele amor que não passa em estados de Facebook e em imagens de Instagram, aquele amor que se vive na sua essência, no seu toque, no olhar, aquele amor que mais perto se assemelha do “amore nostrum”…hoje em dia, esse só dura nas primeiras duas semanas do “conhecimento”, depois disso, a adrenalina passou e o amor foi com ela, dizem que vemos melhor assim…mas não era suposto o amor ser cego? não era suposto o amor ser caminhar com as mãos para sempre? não, já não é. Por isso é que o amor é, hoje em dia, aquilo pela qual comecei este artigo: uma definição teórica, que muito irreversivelmente, se vai perdendo na prática.

O meu conselho: se alguém encontrar o “amor verdadeiro” que o guarde a sete-chaves para si, porque, nos dias de hoje, se o forem a vender, ele já não tem valor de mercado!

Escrito por alguém que ainda acredita nele,

 

Budapeste, 13 de Setembro de 2021

 

Tiago André Hipólito Proença




Algumas considerações sobre a prestação de Portugal neste Europeu

  1. Fazer 3 bons jogos e ir para casa, eliminada por uma seleção que não faz a mínima ideia porque está no ranking #1 da FIFA!
  2. A quem critica o Fernando Santos, deveria “levantar o rabinho” de “comentador de Facebook” e ir lá para o banco da Seleção e orientar o Ronaldo & Ca. A velha máxima de que “só me critica deve conseguir fazer melhor”!!!
  3. Quem está em Portugal, acho que não consegue imaginar a forma como nós adeptos, na Hungria, vivemos este Europeu (as imagens publicadas demonstram isso tudo da paixão do adepto)!!!
  4. Não, não será possível ver-me andar nú de bicicleta á volta do lago Balaton. Eu queria, a jornalista queria e muita gente queria…mas infelizmente não vai acontecer!!!
  5. “We’ll always have Paris”!!!!




Um breve comentário pessoal sobre os 2 jogos de Portugal em Budapeste

Tenho tido a sorte e o privilégio de apoiar Portugal (o meu país) em Budapeste (a minha cidade). Para o “triunvirato” ficar completo, tenho que acrescentar Amiais de Baixo, a terra onde nasci (a minha aldeia que hoje já é vila). Foi aliás na minha aldeia que comecei a gostar muito de futebol e a ser adepto do Sporting.

Por falar em futebol. Alguns intelectuais ou assim classificados ou auto-definidos como tal não gostam de futebol e estão no seu direito. Alguns até olham para o (fenómeno do) futebol com um desprezo benevolente do estilo “coitados são mesmo uns tontos e esta multidão de entusiastas, um atraso de vida, não se aprende nada com eles”… deixá-los ficar na sua torre (ou cave) de cristal ou de vidro opaco. Não vale a pena perder tempo tentando explicar, argumentar sobre gostar muito (ou pouco) do futebol, da música, da poesia, da pintura… chega de me dar um “ar de intelectual”.

Tenho que reconhecer que ontem, no jogo contra a França, como adepto de futebol, como apoiante de Portugal, exagerei um pouco na “liberdade verbal”, e estava acompanhado pelo meu filho e pelo filho de um amigo. Para me justificar e pensando bem, “o gajo foi um cabrão ” (o árbitro) até rima com “o mau exemplo dado pelo Pimpão ” ou que “o Renato Sanches fez um jogão ”!  Há “rima poética” em tudo… até nos penáltis bem assinalados e superiormente marcados por Cristiano Ronaldo.

Escrevi no FB em Lyon, já na madrugada do dia 23 de junho de 2016 (o jogo foi a 22)

“Hungria 3-3 Portugal. Um jogo tão louco que nem sei como começar, aliás sei, sempre que começava ou recomeçava… a Hungria marcava. Foi assim 3 vezes! Felizmente hoje tivemos CR7 de volta, mais o Nani, João Mário, William Carvalho, Ricardo Quaresma e o menino Renato Sanches. De sinal – menos (ou muito) – os restantes jogadores… A Hungria jogou muito bem. Muito mais que seria de esperar. Bravo Magyarország! O Euro 2016 começou finalmente, agora é a doer… quem ganha continua e quem perde vai para casa. Mesmo quando aqui e ali zangados com a nossa equipa, dizemos Portugal! Portugal! Portugal!

Sabemos o que veio a seguir, até Paris, domingo, 10 de julho de 2016, Portugal derrota a França no prolongamento com o inesquecível golo de Éder e sagra-se Campeão Europeu!

Ontem, a nossa seleção empatou a dois golos com a França. Podia ter ganho, como podia ter perdido, mas saímos do “grupo da morte” para continuarmos em prova de cabeça erguida e confiança reforçada. Recordo que durante os 90 minutos, com a grande surpresa da Hungria (Hajrá Magyarország) em Munique, chegamos a estar virtualmente fora do Euro 2020, em primeiros, segundos e em terceiros, classificação final. Com uma vitória, um empate e uma derrota e 4 pontos amealhados, passamos e teoricamente estamos mais fortes que há 5 anos, com 3 empates e 3 pontos.

Para a nossa Equipa, segue-se a Bélgica em Sevilha no domingo, com mais 48 horas de descanso. Bélgica, a primeira equipa do ranking mundial da FIFA. Será muito difícil mas vamos ultrapassar este grande obstáculo, para depois começarmos a pensar na Itália.

Em ambos os jogos de Portugal no espetacular Puskás Aréna, estive/estivemos misturados com portugueses, húngaros – que tinham acabado de perder por 0-3 e não tiveram dúvidas em nos dar os parabéns! – e com franceses. Correu tudo em ambiente de grande desportivismo, respeito e confraternização. Foi um prazer extra, ver confirmado que o futebol (e os seus adeptos) é muito, muito mais que os “ultra organizados e extremistas”.

Finalmente vou acabar com uma curiosidade que se passou no jogo com a França. Faltava pouco para a partida começar quando chegaram com camisolas amarelas, uns 30 jovens (rapazes e raparigas) muitos de kipá na cabeça, dois deles com o nome de Cristiano Ronaldo nas costas da camisola, que se divertiram imenso, beberam e comeram (não sei se comida kosher), agitaram as bandeiras portuguesas que encontram nos seus lugares e foram muito simpáticos. Eram adeptos do Beitar Jerusalem Football Club.

Não resisti e pedi a um deles que falava espanhol para tirar uma foto comigo

 

Budapeste, 24 de junho de 2021




Futebol. Hungria-Portugal: Um comentário muito pessoal

Eu cheguei a Budapeste em 18 de setembro de 1979. Quando em agosto soube que a Hungria seria o meu destino, ao jantar lá em casa em que dei a novidade, o meu pai disse-me: Hungria é famosa pelo seu futebol, com grandes futebolistas e grandes treinadores e alguns deles, felizmente, estiveram aqui em Portugal. Benfica, Porto e Sporting sabem bem do que falava o meu pai…

Nos primeiros tempos de Budapeste, aos fins-de-semana, fui muitas vezes ao futebol, com o João Coelho, o Arnaldo Rivotti, mas também com o Ernesto Rodrigues e o Prof. Rózsa Zoltán (com ele era o Fradi na Üllöi út), íamos sobretudo para ver os Kettős rangadók, os derbis duplos entre a 4 equipas da capital – Ferencváros (FTC), Újpest, Bp. Honvéd e Vasas. Bons jogos que acabavam sempre a bebermos cerveja e a comer, salsichas, carne panada ou lá perto.

Mais tarde, depois de ter sido, na primavera de 1985, o intérprete-acompanhante da nossa seleção sub-16 no europeu da categoria, em que o grupo onde estava a nossa equipa, ficou em Zalaegerszeg e jogou em Zalaegerszeg e Keszthely. Uma equipa de jovens portugueses em que jogavam, entre outros, Bizarro e Cadete. O treinador era o Magriço José Augusto e o treinador adjunto Carlos Queiroz. Teria, teríamos histórias interessantes para contar… mas não pedi autorização…

Fui então convidado por Rui Santos que era o enviado-especial de A Bola ao europeu, para correspondente de A Bola em Budapeste. Aceitei de imediato com enorme orgulho e prazer. No verão seguinte fui a Lisboa à Travessa da Queimada e fui recebido, visitei as instalações e conversei demoradamente com Vitor Santos e Joaquim Rita, que seria o meu chefe pois era o responsável da rede de correspondentes.

Fui o Fernando Lopes, correspondente de A Bola durante 10 anos. Uma década especial e única na minha vida, uma década maravilhosa, quando lhes disse que já não conseguia conciliar e continuar (e também o mundo estava a mudar muito rapidamente e os correspondentes perdiam o seu lugar a olhos vistos), já tinha 3 meninas húngaro-portuguesas, que no futebol, até hoje, são por Portugal. Ainda não tinha chegado o nosso extra-time luso-húngaro…

Com Rui Santos aconteceu uma “coisa” que não posso não contar, entrevistou-me. Confesso que não acreditei que a entrevista com o simples intérprete Pimpão que até falou da política com alguma ousadia, fosse publicada na Bola, mas foi.

Muito tempo depois – naquela altura o mundo não era uma aldeia global, não havia internet, telefones móveis, redes sociais, a notícia nos segundos seguintes – é que eu vim a saber como o meu pai tropeçou com a entrevista.

Foi um sábado, estava ele na “Farmácia” a beber um branquinho (um de cada vez como costumava dizer) quando um dos seus melhores amigos que lia A Bola da taberna começou a gritar “Ó Pimpão olha aqui o teu filho a falar no jornal”…

Escrevi, entre crónicas de jogos, artigos mais extensos sobre as equipas húngaras, mais de 100 artigos. Fiz também algumas entrevistas, das quais gostaria de destacar duas, a com Puskás então selecionador da Hungria, que quis que a entrevista fosse em espanhol, apesar de ter ficado muito sensibilizado que um português falasse húngaro e a Péter Lipcsei, após o anúncio da sua transferência para o FC Porto, no tempo do treinador Robson.

Como correspondente, em jogos das competições europeias, recebi cá várias equipas portuguesas, o Chaves de Raul Águas, contra o Honvéd, o Guimarães de René Simões contra o Tatabánya, o Porto de Robson contra o Ferencváros, o Benfica de Ivic, contra o Vác. Tive pena mas nunca recebi cá o meu Sporting como Fernando Lopes…

Depois desta longa introdução incompleta, algumas palavras curtas sobre os jogos entre as nossas duas seleções principais a que assisti.

Desde 6 de setembro de 1998 até hoje, 19 de junho de 2021, a Hungria e Portugal defrontaram-se 8 vezes, com 7 vitórias de Portugal e 1 empate, o célebre 3-3 de Lyon em 22 de junho de 2016, está quase a fazer 5 anos…

Desde então estive presente em todos os jogos. Aqui em Budapeste, por motivos óbvios, vivo aqui, era apenas um saltinho. Para as 3 partidas em Portugal, foi sempre mais complicado, mas arranjei sempre maneira de estar em Lisboa, oficialmente, em trabalho, ou pedindo mais 1 dia de permanência à custa das férias…

Assisti a todos os jogos, incluindo o de Lyon onde estive com o meu filho Daniel (Pimpao) e outro Daniel (Felizardo), filho do meu amigo António (estava com convidados VIP, mas nós os 3 estivemos muito bem). Voltamos a repetir o este triunvirato esta terça-feira no Puskás Aréna… Não há como estar entre o povo para podermos gritar, berrar e extravasar tudo…

Com excepção de Lyon, ganhamos sempre e com maior ou menor dificuldade, de forma justa e inequívoca. Foi assim:

Em Budapeste (6 de setembro de 1998) por 3-1, com golos de Sá Pinto (2) e João Pinto.

Em Lisboa (9 de outubro de 1999) por 3-0, com golos de Rui Costa, João Pinto e Abel Xavier. Em ambos os jogos era Humberto Coelho o selecionador.

Em Budapeste (9 de setembro de 2009) por 1-0. Golo de Pepe.

Em Lisboa (10 de outubro de 2009) por 3-0, com golos de Simão Sabrosa (2) e Liedson. Nos dois jogos era Carlos Queiroz o selecionador.

Depois a tal exceção que confirma a regra: Lyon (22 de junho de 2016), empate 3-3, com golos de Cristiano Ronaldo (2) e Nani e voltando a normalidade,

Em Lisboa (26 de março de 2017) por 3-0, com golos de Cristiano Ronaldo (2) e André Silva

Em Budapeste (3 de setembro de 2017)por 1-0. Golo de André Silva

E finalmente em 15 de junho de 2021 em Budapeste por 3-0, com golos de Cristiano Ronaldo (2) e Raphael Guerreiro. Selecionador o “nosso Engenheiro” Fernando Santos.

Esta foi a primeira vez que após o jogo não falei com o meu velhote. Ele ficava tão excitado com os jogos entre os dois países, que sabia que a primeira pessoa a quem tinha que ligar era ele. Às vezes antecipava-se. Desta vez nem eu lhe liguei nem ele me ligou… Liguei-lhe em pensamento…

Não quero ser chato com os meus muitos amigos húngaros, mas se olharmos com cuidado e juntarmos o resultado do jogo da fase final do Mundial de 1966 em Manchester, 3-1 com golos de José Augusto e José Torres… marcar 3 golos a Hungria é a nossa especialidade. Esse jogo, tal como todos os outros, vi com o meu pai na Taberna do Ti Gil na Portela das Padeiras, Santarém, onde então morávamos…

Para terminar, voltando aos dias de hoje, que a Hungria faça a vida negra a França esta tarde e que a nossa Equipa esteja ao seu nível contra a Alemanha em Munique…

PS: Um dia destes ainda volto a contar mais histórias da minha época de correspondente de A Bola

 

Foto surpresa de Daniel Pimpão, Puskás Aréna, 15.06.2021

Budapeste 19 de junho de 2021




Hungria e o prestigiado empresário Manuel Campilho

Entrevista exclusiva com Manuel Campilho, Chairman da Quinta da Lagoalva de Cima (Alpiarça – Portugal)

O vinho projeta o nome e a Lagoalva também faz azeite e vinagre e cria cavalos lusitanos. Mas as grandes produções são floresta, cereais, hortícolas, carne de ovinos e bovinos em regime extensivo, sem rações. Pela genealogia, será um latifúndio (no sentido de grande propriedade rural da aristocracia). Pelo aproveitamento da terra, será o contrário de um latifúndio (no sentido de terras ao abandono). Aqui, os senhores da terra aproveitam pragmaticamente a terra – quase sem braços. Algumas máquinas substituíram muitos homens. Até a vindima é mecânica. – Vinho, azeite, cortiça e cavalo lusitano são os produtos de excelência que o mundo rural português deve produzir – diz e repete Manuel Campilho. Fala também dos magníficos solos da Hungria e da sua ligação à Hungria…

 

Antes de mais, Manuel Campilho, obrigado por conceder esta entrevista ao Lusomagyar News e por esse tempo concedido a nós, na qualidade de simples leitores, como tantos outros.

 Por favor em primeiro lugar faça-nos uma breve apresentação sua e do Grupo Quinta da Lagoalva

A Quinta da Lagoalva de Cima estende-se pela margem sul do Tejo, a cerca de 2 km da Vila de Alpiarça e a 11 Km de Santarém. Em 1834, a Quinta da Lagoalva é comprada por Henrique Teixeira de Sampayo, 1º conde da Póvoa. Em 1841-42 todos os bens passam para D. Maria Luísa Noronha de Sampaio, que casa em 1846 com D. Domingos António Maria Pedro de Souza e Holstein, 2º Duque de Palmela, revertendo a partir dessa época os bens para a Casa Palmela. sucessivamente sempre em poder dos seus descendentes, as terras são hoje pertença da Sociedade Agrícola Quinta da Lagoalva de Cima SA, que tem como principal atividade a produção de: vinho, azeite, batata, ervilha, cereais, carne (ovina e bovina), floresta (cortiça, pinho para produção de pinhão e madeira).

Soubemos que já na universidade estudou e sabia sobre a qualidade dos solos agrícolas húngaros. Conte-nos do seu primeiro ”contacto” com a Hungria

Sim! Sou agrónomo formado no Instituto Superior de Agronomia e na cadeira de Agricultura Geral, o professor Ario de Azevedo referia-nos a boa qualidade dos solos húngaros, nomeadamente os Chernozem, solos que viemos a constatar mais tarde como sendo fantásticos, mas atenção, é preciso saber trabalhá-los! São conhecidos como solos de um minuto. Têm um enorme potencial produtivo, mas com uma sazão muito curta. Quanto menos lhe mexermos, melhor! Quanto melhor e mais moderna for a tecnologia usada para os trabalharmos, melhor serão os resultados obtidos. A agricultura de conservação é sem dúvida alguma a tecnologia a usar. Concordo com Márta Birkás, grande Professora de Agronomia húngara e grande amiga. É sempre um prazer encontrar esta Senhora! Gostaria de sublinhar, mudar o sistema tradicional de trabalho do solo é uma obrigação de todos nós agrónomos e de todos os que se preocupam com questões ambientais!

Com que objetivos visitou pela primeira vez a Hungria e quais foram as suas primeiras impressöes?

Em primeiro lugar gostaria de dizer que da primeira vez que o meu irmão Miguel e eu visitámos a Hungria, já passaram uns bons anos, foi em visita de prospeção de novas oportunidades de negócio. Na altura, fomos acompanhados pelo representante português da AICEP, junto da Embaixada de Portugal na Hungria, Joaquim Pimpão, que nos organizou uma visita com panorâmica geral da Hungria. Talvez por ele ser, além de diplomata económico, também um grande amigo da Hungria, onde vive há muitos anos com família luso-húngara, a verdade é que me pegou o gosto. Foi aí que começou a minha paixão pela Hungria!

Grande país e tão maltratado pelos aliados e soviéticos, tanto depois da primeira como da segunda guerra mundial. Não esquecer Trianon, onde a Hungria perdeu parte muito significativa do seu território, com ocupação soviética que durou de 1945 até 1989.

Anos mais tarde, passou a deslocar-se regularmente à Hungria, durante vários anos seguidos como consultor da Bonafarm, maior Grupo agro-alimentar húngaro. Fale-nos do porquê, o que fez, qual é a sua opinião do campo, da agricultura húngara?

Tive o grande prazer de como consultor, durante 9 anos visitar com muita assiduidade a Hungria e o grupo Bonafarm*. As alterações climáticas, tema muito atual, também afetam a Europa Central e a quantidade de neve e chuva que tradicionalmente se abatem sobre a Hungria diminuíram acentuadamente ou, pelo menos, têm uma maior irregularidade. Regar passou a ser importante num país onde também chovia no Verão! As plantas alimentam-se bebendo. Sem chuva há que regar para alcançarmos elevadas produções, como acontece já em algumas zonas da bonita Hungria. Ora, regando tudo muda e naturalmente o trabalho do solo também! Quanto menos mexermos menos estragamos. Menor compactação, melhor capacidade de infiltração da água, maior oxigenação das raízes, maior desenvolvimento vegetativo, melhor resultado cultural e maior sucesso agrícola. Era disso que falávamos e é isso que o mundo moderno tem que fazer! Maior preocupação ambiental numa produção agrícola mais amiga do ambiente, mais inteligente e que a todos interessa proteger.

Parece-nos que gosta da Hungria. Quando pensa lá voltar?

Gosto muito da Hungria! É um país maravilhoso que muito aprecio. Em breve voltarei!

 

*O Grupo Bonafarm, maior grupo agro-alimentar da Hungria e um dos maiores conglomerados da região, com um volume de negócios (2018) de 266 mil milhöes de forints (cc 840 milhões de euros), pertence a Sándor Csányi, Presidente-CEO do banco OTP e um dos dois multimilionários mais ricos da Hungria. O Grupo Bonafarm é constituído pelas seguintes empresas: Pick Szeged Zrt, Bóly Zrt, Dalmand Zrt, Agroprodukt Zrt, Fiorács Kft, Bonafarm-Bábolna Takarmány Kft, Csányi Pincészet Zrt e Sole-Mizo Zrt.

 

Foto de Manuel Campilho em Dalmand

 

 




Templo

João Miguel Henriques, não é “apenas” o Diretor do Camões em Budapeste, o responsável pela promoção da cultura e língua portuguesa na Hungria, é “também” colaborador do LMn desde a hora antes da primeira e é Poeta. O poema “Templo” que aqui vos apresentamos foi selecionado de seu livro mais recente, “Panónia”.

Templo

acredito hoje na superioridade
das tuas civilizações

nas ilhas impenetráveis
na voz sândalo que ainda ecoa
do fundo tranquilo do templo

e também o tiro do arco
as aves que cantam
nos altifalantes
todo o silêncio
ou toda a água alvoroçada

o bago dourado
toda a distância ocupada

aceito portanto a tua clausura
as fronteiras estão fechadas
e na ausência do teu enlace
retiro-me reverente
apesar do passaporte

por fim já o sol não nasce sempre
e ela volta sorrateira para os meus braços

já não sou eu quem peregrina até ao templo
mas sim o templo que regressa a mim

Do livro  “Panónia” (Março de 2021)

 




Viagem a uma Hungria perdida no tempo

A Aldeia-Museu de Sóstó é o único museu etnográfico a céu aberto no Leste da Hungria e o maior do país. Fundado em 1970 e inaugurado em 1979, é também a instituição que ganhou o título de “Museu do Ano” em 1997 e o museu mais visitado do concelho de Szabolcs-Szatmár-Bereg.

Ao tomar a decisão de criar este museu, o governo local resgatou numerosos edifícios locais que certamente teriam desaparecido se tivessem permanecido nos seus locais originais e sob as condições a que se sujeitavam.

A prova de que a recuperação da Aldeia-Museu de Sóstó foi uma decisão acertada está no facto de que esta recebe cerca de 100.000 visitantes por ano, acolhe uma grande variedade de oficinas de artesanato, inúmeras exibições de arte popular e um número crescente de eventos privados realizados por empresas, instituições e particulares.

A Aldeia-Museu permite-nos mergulhar na vida de uma antiga aldeia que nunca existiu, mas que remonta a um cenário de aldeia do século XIX. Aqui podemos aprender sobre a vida dos Tirpas, camponeses de classe média/baixa que, vivendo lado a lado com a classe nobre, focavam o seu quotidiano na agricultura e nos seus costumes populares.

Aqui o visitante pode sentar-se nos bancos da velha escola, caminhar ao longo da linha de oficinas, entrar na loja do ferreiro, barbearia ou mesmo visitar a igreja no centro da vila com os seus longos bancos de madeira. Em cada edifício sente-se a energia de tempos e costumes de tempos passados.

Agendando previamente é possível organizar visitas turísticas em inglês.

Numa área com cerca 6000 km2, os visitantes viajam no tempo podendo disfrutar de infraestruturas comerciais, residenciais e de lazer projetadas em diferentes estilos e funções. As quintas, casas e lojas estão agrupadas de acordo com a sua região de origem. A intenção é retratar uma verdadeira aldeia, e nesse sentido os edifícios comunitários localizam-se no ponto mais frequentado, o centro da aldeia.

Mas quem são afinal os Tirpas e porquê este nome?

Os Tirpas (Tirpák) são colonos de língua eslovaca que repovoaram, em 1753, a cidade de Nyíregyháza e o concelho de Szabolcs-Szatmár-Bereg, na altura despovoado devido às invasões Otomanas. Provenientes dos condados de Békés, Nógrád e das Terras Altas, e a convite do então proprietário da cidade, Ferenc Károlyi, vieram colocar este território no caminho do desenvolvimento.

Para além de ajuda na construção de casas, estes receberam três anos de isenção de impostos, autonomia interna e prática religiosa gratuita. No entanto, devido à sua religião luterana, eles foram perseguidos pelos locais. Mesmo sob esta constante pressão, estes toleraram os ataques a que eram sujeitos de forma pacífica, e por essa razão eram chamados pelos locais de Tirpas (tolerantes).

A Aldeia-Museu de Sóstó reabriu em 2021 sob as novas medidas de desconfinamento e está aberta para visitas, em período de verão, de Terça a Domingo, das 9h00 às 17h00.

Para mais informações sobre a Aldeia-Museu de Sóstó visite https://muzeumfalu.hu/

Para estas e mais fotos visite a conta de Instagram: @travelbackpack1981




Budapeste – A Minha Cidade Adoptiva

CONFERÊNCIA: 30. ANIVERSÁRIO DA CÁTEDRA DE PORTUGUỆS – ELTE

BUDAPESTE, 21-22 DE MAIO DE 2008

BUDAPESTE: A MINHA CIDADE ADOPTIVA

(Texto que serviu de base da minha apresentação)

Introdução com 4 notas prévias:

  1. Hoje não estou aqui como director da AICEP em Budapeste ou como conselheiro comercial da Embaixada de Portugal na Hungria, mas apenas como um português que (ao longo de 29 anos) escolheu Budapeste para sua cidade adoptiva, e que de forma gradual e voluntária, se deixou adoptar por esta bela capital húngara.
  2. Portugal é o meu país, a pátria, pela qual o coração aumenta o ritmo das pulsações. Budapeste é entre as cidades, aquela com que mais me identifico, que está mais perto de mim, a cidade que eu escolhi para viver e criar raízes.
  3. Nesta intervenção vou falar de Budapeste de forma positiva, valorizando a cidade como se fosse um “ budapestino, genuíno de clara” (para diferenciar do lisboeta, alfacinha de gema.)
  4. Não vou ficar atento e preocupado com a política e diplomaticamente correcto, hoje não, por isso peço a vossa melhor compreensão.

Budapeste, a minha cidade adoptiva (em 7 pontos e 6 notas complementares)

  1. No início Budapeste começou por me intrigar, pois durante longos meses, parecia-me uma cidade opaca, que não se mostrava, não se deixava ver por dentro. Parecia-me uma cidade quase impenetrável, muito pouco acessível ao estrangeiro, ao qual a dificuldade de comunicação, o obstáculo do idioma, agravava ainda mais a situação.

Nota 1. De reconhecimento e agradecimento.

Foram as festas, os convívios organizados pelos alunos de portugués da ELTE que me ajudaram (e aos outros 3 colegas que também chegaram a 18 de setembro de 1979), a iniciar a caminhada da descoberta, a viagem por esta cidade estranha e desconhecida. Cidade tão húngara, e como mais tarde vim a saber, tão típica da “Mittel-Europa”, desta Europa Central tão apaixonante, com Praga, Cracóvia, Viena, etc. Recordo com prazer como era agradável estar na companhia de tantos aluno cultos e simpáticos, que falavam de Baudelaire, Verlaine, Edgar Allan Poe ou Neruda, que me apresentaram, entre outros, József Attila, Ady Endre, Illyés Gyula.

  1. Muito muito lentamente fui conhecendo Budapeste: a cidade, as gentes, as ruas, os pátios interiores, as salas de cinema, os “házibulis”, as festas estudantis, os jogos de futebol, no estádio do Fradi e sobretudo os jogos-duplos no Népstadion, entre Honvéd, Fradi, Vasas e Dózsa. (Então, meus amigos, ainda se jogava na Hungria futebol a sério…).

Nota 2. A responsabilidade pela demora de um conhecimento mais profundo também foi minha. A verdade é que todos os dias comprava o jornal Népszabadság, para me ir habituando ao idioma e invariavelmente começava por “ler” as últimas páginas (dedicadas ao desporto), lia as notícias internacionais e nunca li as notícias sobre a Hungria, sobre Budapeste.

  1. Antes do “clique interior” que mais tarde se deu em mim, antes de me começar a identificar, a compreender, a sentir-me solidário com Budapeste, com a Hungria e com os húngaros, vivia numa  “contradição” aparentemente impossível de resolver. Por um lado, vivia entre exilados e expatriados latino-americanos, amigos e irmãos do Chile, do Uruguai, da Argentina, dos bolseiros como eu e amigos de Cuba ou de África, e por outro lado, os amigos húngaros, cada vez em maior número, todos, profundamente anti-soviéticos, contra os russos e assumidamente anti-comunistas. (Apesar dessa evidente contradição, os verdadeiramente insuportáveis, eram os responsáveis da KISZ – juventudes comunistas da universidade).

Nota 3. Já frequentava a MKKE- Universidade de Ciências Económicas Karl Marx – anos depois cheguei a temer que a universidade fosse ”rebaptizada” e passasse a chamar-se Milton Friedman – recordo-me como se fosse hoje, o entusiasmo, o frenesim dos meus colegas na preparação do “A Koncert” dos “Illyés”, foi no dia 26 de Março de 1981, onde estive, levado, pela mão macia e suave de uma amiga “kollegista”.

Foi aí que iniciei o caminho que me levou a outra descoberta, a outra conclusão – a Hungria também tinha os seus José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luis Cília, Manuel Freire, José Mário Branco, Francisco Fanhais e Sérgio Godinho, aqui chamavam-se Presser Gábor, Zorán, Cseh Tamás, Szörényi Levente, Bródy János, Koncz Zsuzsa. A insubmissão e a revolta eram a mesma, a canção como protesto, como resistência, a mesma luta, a mesma ilusão, a mesma utopia e tanta ingenuidade,.. “ingenuidade” que felizmente acabou por trunfar.

  1. Afinal, quando me deixei de me perder em Budapeste, apercebi-me que era uma cidade aberta, uma cidade feminina, uma cidade-amante, uma cidade-mãe. (Sei do que falo, aqui nasceram e aqui vivem as minhas 3 filhas e o meu filho.)

Nota 4. Apesar de ter vindo directamente de uma cidade de província, de Santarém para Budapeste e de mal conhecer Lisboa, atrevo-me a dizer que Budapeste nos primeiros anos da década de oitenta do século passado, era muito mais ousada e atrevida, que a Lisboa de então. Em Budapeste havia um erotismo, mais ou menos explícito, um charme apelativo e fascinante, que caminhava elegante, (que desvanecia e elevava os sentidos) pelas ruas da capital de um dos principais países da Europa central.

  1. Hoje já sei (há distância tudo é mais fácil), que quanto mais próximo estava de Budapeste, quanto mais me identificava com os seus habitantes, com os meus amigos magyarok, mais próximo estava do ponto viragem do meu “clique interior”, da ruptura definitiva com uma parte do meu passado, das minhas ideias e ideologia, sobretudo na perspectiva do futuro.A minha ruptura foi consequência de andar em Budapeste de olhos e ouvidos atentos, de coração aberto, de estar aberto aos pensamentos dos meus amigos, dos meus amores, das aulas na universidade, dos filmes húngaros – a chamada Escola de Cinema de Budapeste.

Como curiosidade, gostaria de referir que em Outubro-Novembro de 1976, era eu um jovem cineclubista, estive na Embaixada da Hungria em Lisboa, para, com outros amigos, levantarmos 5 filmes para a Semana do Cinema Húngaro em Santarém. Parece que foi ontem.

Foi o cinema húngaro, a “Escola de Budapeste” e realizadores como Bacsó Péter, Makk Károly, Fábri Zoltán, Gábor Pál, Szabó István, Mészáros Márta, Kovács András, Jancsó Miklós, Jeles András, etc, foram as suas longas metragens, com  a sua crítica – política, social e filosófica – a metáfora para confundir a censura bruta, o uso da ironia, do cinismo e do humor nos diálogos, foi o sinal de luz, o farol para o último empurrão, da última remada para chegar ao porto, senão seguro, pelo menos autêntico, o cais da minha liberdade, que escolhi  livremente.

Nota 5. “Naquela” Hungria ir ao cinema, sobretudo ao Kinizsi Mozi (durante 5 anos vivi a 400 metros) com cartão de estudante custava 2 forints) era uma festa. Não tenho receio de o dizer em público, muita da minha formação humana, foi feita, foi alterada e completada em Budapeste com os filmes húngaros. Foi aqui que descobri que os totalitarismos, podem ter roupagem de direita ou de esquerda, mas a sua essencia facínora é basicamente a mesma.

  1. Em Janeiro de 1984, de regresso à Hungria, de comboio, como quase sempre, parei 2-3 dias em Paris. Comprei então um livro com todos os textos e poesias de Jacques Brel – um dos meus “heróis” da canção comprometida.Por acaso trazia comigo o volume 3 do Poeta Militante de José Gomes Ferreira, que o próprio tinha assinado em Dezembro de 1978. Era uma das minhas referências primeiras, da poesia de resistência, da luta contra a ditadura salazarista.

O livro começa com “Lágrimas Trocadas” de 1956 e o primeiro poema é sem dúvida contra a Revolução e os revolucionários húngaros e é compreensivo para com aqueles que com a força criminosa das armas estrangeiras (soviéticas) esmagaram a revolução e a liberdade nascente nas ruas de Budapeste. É crítico para com os insurretos. Lendo com atenção o prefácio do livro “Brel Vivant” descobri, que a canção “Quand on n’a que l’amour”, escrita em 1956, terá sido escrita em memória da Revolução Húngara de 1956.

Nota 6. É muito fácil, 30-40-50 anos depois, saber estar do lado certo da história, do lado dos caídos, do lado dos justos. Perceber que o meu tão respeitado e admirado Poeta-Militante, na sua ânsia de luta contra a ditadura salazarista em Portugal, ânsia da liberdade, não via que os seus irmãos, os seus camaradas, não eram os discípulos de Stálin, os executantes da barbárie bolchevique. Eram sim, os resistentes à sangrenta ditadura comunista. Que absurdo!

Naturalmente que nem o poeta J. Gomes Ferreira deixou de ser menos poeta, nem eu deixei de ser seu leitor atento, apesar de hoje, não estar de acordo com a maioria das suas ideias políticas expressas na sua poesia. Se tiver que optar, então ficarei com J. Brel, ficarei com Márai Sándor, Faludy György, Kertész Imre, Weöres Sándor ou Radnóti Miklós.

  1. Não podia falar de Budapeste, da minha cidade adoptiva sem falar, sem me referir, sem associar a Revolução de 1956 e Revolução do 25 de Abril, associando dois grandes poetas, um portugués, Manuel Alegre e um húngaro, Illyés Gyula, associar a “Praça da Canção”, “A Trova do Vento que Passa” com “Egy Mondat a Zsarnokságról” (Uma Frase sobre a Tirania). Para os que não têm o privilégio de poderem ler no original, aconselho a magnífica tradução do poeta Pedro Tamen e do saudoso amigo Professor Rózsa Zoltán.

 

Obrigado!

 

Joaquim F. L. Pimpão




Os jovens e a política: uma crise geracional – a realidade comparada entre Portugal e Hungria

Aviso: Este artigo reflecte uma visão pessoal e independente, acerca de uma realidade comparada da participação dos jovens na política e das inerentes relações dos diferentes “actorespolíticos” com este estrato social e é baseada, puramente em experiências e reflexões pessoais, não estando ligada ou vinculada por isso, a nenhum ideal político ou a qualquer âmbito puramente a/patriótico ou de crítica social.

A pandemia do Covid-19 veio, felizmente, trazer-me pessoalmente, um novo paradigma, que sempre me interessou descobrir, mas cujo âmbito nunca tive tamanha disponibilidade e capacidade para o compreender: a auto-reflexão, não só a pessoal, mas também, a social, aquela que me conecta com o mundo que me rodeia. E foi neste sentido, que neste período de confinamento, me interessei por perceber melhor a realidade política que me rodeia, não só do meu país de nascimento, mas também, do meu país de residência e compará-la com base nos seus vários protagonistas, políticos e não-políticos.

Desde os meus tempos de universidade que senti, que seria minha obrigação, de ter (e de dar) uma participação mais activa na sociedade e no mundo que me rodeava, foi por isso, com muita naturalidade, que me juntei a pessoas com o mesmo ideal e comecei a trilhar esse caminho do associativismo no meu então Curso de Administração Público-Privada. Foi a partir daí, que me comecei a aperceber que havia muitas coisas que “não batiam muito certo” com o ideal de associativismo que defendia: aquilo que encontrei numa academia tão reputada como aquela de Coimbra, foi um espelho, que mais tarde vim a descobrir, reflectia o que se passava nas altas esferas da política nacional portuguesa. Enumeremos os casos de “compadrio”, de eleições baseadas em votos obrigatórios e de amigos (o chamado “cacique”), de falta de verdade e transparência nos dinheiros utilizados, mas sobretudo, da extrema influência de partidos políticos nestas associações de “jovens”, que serviriam não mais como um “trampolim político” para a chamada “política real”. Foi um choque e uma revolta interna, ao mesmo tempo, por isso, a experiência foi curta, 6 meses, mas o suficiente para perceber que não era naquele mundo e daquela forma que eu queria ter uma intervenção na sociedade do meu país.

Ao chegar à Hungria em 2013 e sem a mínima noção da realidade política húngara, vi-me confrontado com um novo país e com a sua história de anos de guerra, sofrimento e divisões, algo que, a príncipio me pareceu irrelevante, dadas que eram as minhas pretensões de não ficar por Budapeste durante muito tempo. Aos poucos, e através de experiências profissionais e sociais, fui-me apercebendo que realmente existia aqui muita influência e condicionamento do pensamento político social que, até a um certo limite, entendi como “patriotismo puro”, uma vez mais, estava enganado nas minhas ideias. À medida que fui conversando com cidadãos e amigos húngaros, lendo artigos de jornal e vivenciando experiências sociais, entendi que a origem e a génese desta realidade política e social, era muito mais profunda. O verdadeiro choque ocorreu aquando de visitas e apresentações feitas em universidades húngaras, por intermédio de projectos profissionais, verifiquei, um inexplicável desinteresse, participação, espírito de análise, falta de interacção grupal, mas sobretudo falta de um espírito crítico em questionar, o que lhes estava sendo apresentado, poderia ser por estar a apresentar o conteúdo em Inglês, mas não, nessa altura um mentor elucidou-me sobre o fenómeno: na Hungria, os jovens universitários não são estimulados a pensar e a interagir em grupo, a ideia interiorizada é sempre a de “fazeres o teu curso por ti, arranjares emprego e constituires a tua família”, sem questionar o que se passa à tua volta. Fiquei perplexo ao ouvir isto, e as suas palavras ficaram ecoadas na minha cabeça e foram confirmadas, nos anos seguintes, em todas as apresentações que fui fazendo. Tudo isso era contrário àquilo que eu, enquanto estudante universitário, tinha vivido e experienciado e, nesse sentido, entendia perfeitamente o desinteresse (aliado aos escândalos políticos) dos jovens húngaros pela política. Tudo isto vem explicar também as recentes medidas políticas associadas com o ensino na Hungria: a proposta de retirada do ensino do Inglês do ensino primário, a “doutrinização” dos conteúdos a ensinar às crianças e jovens desde a escola primária, a desintegração de uma universidade com um pensamento político oposto ao do governo vigente e a constante ameaça à classe de professores que, de uma forma ou de outra, não “colaborem” com a doutrina implementada.

Toda esta contextualização serviu-me para recentemente reflectir, qual é o papel que queremos que os jovens tenham na política, e aí também me incluo (sim, considero-me ainda um jovem!). Queremos jovens ultra-formados e bem preparados criticamente, mas que se deixam influenciar por ambições e visões políticas que somente os fazem servir-se da política e não servi-la, dispostos às mais absolutas estratégias “vilanianas” para subir ao poder e acarretar influência política nos demais e para se enriquecer pessoalmente ou queremos jovens sem nenhum espírito crítico “manietados” por um governo, que lhes indica o que têm de pensar e que devem ser obedientes perante toda a doutrina social vigente? Queremos jovens que se limitam a sua participação política em comentários nas redes sociais ou queremos jovens que venham para as ruas protestar pelos seus direitos? Queremos jovens que queiram mudar o actual espectro político e social ou pretendemos jovens cada vez mais individualistas e desinteressados da vida política activa? O que é necessário para que a mentalidade dos jovens seja influenciada por medidas absolutamente populistas em anos anteriores a eleições?

A minha opinião e contributo: é uma questão de escolha pessoal, de cada um, de cada jovem. Nunca como hoje em dia, tivémos tanto acesso, a tantos meios tecnológicos (podcasts, videos, e-books, etc.), a tantos artigos de opinião, a tantos livros e a tanto jornalismo investigativo e a tantas formas de pensamento. Enquanto estudava nada disto me era facilitado, como acontece hoje, e se eu posso formar um pensamento crítico, porque é que os jovens de hoje em dia não podem? Vivemos para ser “obedientes” e sem opinião sobre o mundo que nos afecta, a nós, à nossa família, aos nossos amigos e ao nosso contexto social (português e húngaro)? Ou vivemos para contribuir que isto se torne melhor e que o possamos mudar? Vivemos para ser individualistas e pensar em nós mesmos e deixar a política para que “os outros resolvam e não é nada comigo”, ou para sermos cidadãos activos e participativos nas decisões políticas que podemos e devemos influenciar?

Porque ter pensamento critico e criticar não é a mesma coisa, urge que façamos uma reflexão interior sobre aquilo que ainda podemos mudar através das nossas acções e do nosso direito (adquirido pela luta!) de votar, para que nunca tenhamos que dizer “isto nunca vai mudar” ou “não há interesse em que isto mude”, porque a mudança como todos sabemos, começa connosco.

Quanto a mim, já deixei de “dar para este ultimo peditório” e não quero ser mais um dos que se conforma em não ter opinião sobre o que se passa à minha volta e “ficar de braços parados” à espera que tudo mude. Tanto cá (Hungria), como lá (em Portugal) há ventos de mudança que sopram e eu, quero ser mais um, dos que contribui para os abanar.

Budapeste, 18 de maio de 2021




Estrada por Gustavo Gomes

Gustavo Costa Gomes, nasceu em 1991 em Viana do Castelo, cresceu numa aldeia chamada Verdoejo no concelho de Valença do Minho e vive e trabalha na Hungria desde novembro de 2016.

Por certo alguns dos amigos mais próximos saberão da veia poética de Gustavo, mas para a maioria talvez seja uma surpresa.

A LMn tem muito gosto em poder surpreender os seus leitores e neste caso,  também os amigos do nosso amigo Gustavo. (A todos: Poesia, prosa, opiniões, fotografias, pinturas… façam e enviem-nos).

 

Estrada

Da varanda da casa do meu pai, que era do pai dele,
Vejo montanhas e campos e um rio e uma estrada,
A estrada em si não me deveria dizer nada,
Mas Oh como a quero
Por me trazer a casa do meu pai, que era do pai dele.