Nos meus últimos oitos meses em Dublin, morei em oito diferentes apartamentos. Muito haveria para contar acerca dessas andanças. Para a presente crónica, apenas importa ressaltar o seguinte: não obstante a instabilidade, senti-me em casa, sempre e quando os ditos ficavam no bairro 6 de Dublin; simplesmente chamados por bandas irlandesas de D6.
Nos restantes quatros anos em Dublin, morei quase sempre em D6 ou nas suas imediações. Desenvolvi uma imediata relação entre o número 6 e o tal sentimento difuso de “sentir-se em casa”; no mínimo, sentimento bizarro para uma alma andarilha.
Budapeste recebeu-me na rua Stolar Bella, no começo/fim do bairro V e com o VI ao virar da esquina. Ao fim de uma semana, mudei-me para Terézváros. Ao contrário de Dublin e em consonância com a atmosfera da capital húngara, os bairros de Budapeste apresentam-se com nomes pomposos; aprecio igualmente os dois estilos por entender ambas as éticas e contextos e sem o intento de me vender “open-minded” ou trajado com qualquer outra vaidade da época.
Terézváros, desde o começo, parecia-me perfeito. Podia ir a pé para todo o lado “walking distance”, sintetizado em Inglês. Pensando bem, tratava-se de herança céltica, esse contentamento por me encontrar a um quarto de hora a penantes do bairro da noite/judeu (vide crónica anterior), avenida Andrassy (lá iremos no parágrafo seguinte) e termas Szecheniy (onde pouco fui, mas pelo menos tive o privilégio de visitar num período menos doido da pandemia, despojado de turistas, para gáudio meu e dos seniores lá do sítio).
Andar, caminhar, deambular, Budapeste é uma autêntica passerelle para quem é dado a estes prazeres. Nada há em toda a Irlanda que se equipare a Andrassy; terreno adequadíssimo para terapia ambulante e auto-exorcismos afins.
Oktogon, uma das poucas palavras húngaras que tinha algum sentido no primeiro ano na cidade, fez jus ao significado. Como se habitasse o interior de um polvo e através dos respetivos tentáculos atacasse as áreas circundantes.
Falando em predadores. No perímetro de Terézváros fica o palco da maior parte dos“dates” que tive em toda a minha vida, assim como do date que pôs ponto final à sequência; lamento Bill Gates, não foi a Covid. Chamo-lhe palco por estar situado na chamada Broadway de Budapeste, em frente da Operetta e a poucos passos da Ópera Nacional; em frente da qual costumava encontrar-me com as presas, antes de nos encaminharmos para a arena, Mai Mano de seu nome.
O bairro VI compila todas as coisinhas boas da Hungria. Ambiente boémio, arquitetura elegante, odor a festim e banquete, saudosa essência europeia, e as criaturas por tudo isto atraídas.
Por último, e certo de perdido algo pelo caminho, duas menções honrosas. As esplanadas de Ferienc Tere (que evocam as paisagens noctívagas de Van Gogh) e aquela discoteca avant garde que merecia outo baptismo que não “Hello Baby”.
Foi em Terézváros que comecei verdadeiramente a viver em Budapeste e foi novamente no bairro VI que a cidade me acolheu num inesperado renascimento. Nascer duas vezes não é para qualquer um.