Ao chegar ao escritório e dar de caras com o meu ar estoirado, o colega francês costumava perguntar-me: “Passaste a noite na esquadra, sir?”. Eu corroborava, de olhos semicerrados e sorriso a rasgar-me a fronte. Apesar do franguinho (é meu habito chamar os franceses de franguinhos) captar o trocadilho com a palavra “esquadra”, jamais nela tomaria parte na qualidade de protagonista, tão-só assumindo o papel de cúmplice (percebem agora a alcunha?)
As noitadas na esquadra referiam-se às ocasiões em que dormira na casa de uma mulher-polícia húngara. Dada a curta distância para o que então era o meu local de trabalho, eu não voltava aos meus aposentos para me trocar ou buscar o portátil e cartão de identificação da empresa; levava antes a tralha comigo, confiante que, a seguir ao sexo, iríamos adormecer enquanto fingíamos (ou fingia, uma vez que apenas falo por mim) ver um filme.
De manhã a mulher-polícia não só me preparava o pequeno-almoço, mas também uma lancheira com os restos da janta da véspera; por insistência da pequena, normalmente jantávamos juntos, aí entre a primeira ronda de cama e o começo da bela da película.
Pequena não é força de expressão, ela era moça para medir cerca de metro e meio. O titulo de mulher-polícia, porventura, será forjado, tendo em conta que o seu expediente tomava lugar nos escritórios, sem fardas nem adereços que adornassem esta história.
A tal distância entre a casa aka esquadra e o meu local de trabalho da época é evidentemente exagerada. Da sua alcova à minha secretaria, percurso também chamado de ponto a ponto, demorava uns quarenta e cinco minutos, distribuídos entre uma carreira rodoviária e um par de paragens a bordo do metro.
Naquele tempo, tudo o que no mapa de Budapeste parecesse perto do Estádio Puskas era-me igual a Zugló. Ao dia de hoje, enquanto caminho nas minhas canetas e em contramão, dou finalmente conta que a sua casa ficava no XVI, bairro sem nome nos documentos oficiais e, daqui em diante, rendőrség nos clandestinos registos.