Poder-se-ão contar pelos dedos os húngaros, nascidos na capital ou oriundos de outras partes do país, que pisaram os vinte e três bairros de Budapeste.
Se os nativos não conhecem todos os cantos de Budapeste, por que carga de água exigir idêntica demanda ao visitante? A questão torna-se quase-retórica quando o visitante se torna residente; condição a que se incrusta um inapelável sentimento entre a resignação e a ranzinza.
Exemplo: morei um par de meses em frente à Sagrada Família e nunca a conheci senão de fora. Podia ter tirado partido de, ao contrário da maior parte dos habitantes de Barcelona, não avistar o ícone da cidade da varanda, antes acordar com o dito na cara; e juntar-me aos Japas, às oito da matina, fazer fila em redor do monumento, adiantando-me às inevitáveis massas de turistas.
Um par de meses pode ser (ou soar) poucochinho, no entanto, quase quatro anos enquanto residente-visitante na Catalunha revogam-me qualquer tipo de perdão; para não falar que, desde que saí de Barcelona, lá voltei uma mão cheia de vezes, e nunca estive a um palmo da porta de entrada da Sagrada Família.
De uma maneira mais ou menos consciente, todos sabemos que tomar algo como garantido tende a traduzir-se numa certa negligência; também deveríamos antecipar o resultado desta atitude, o desalento do desfecho, as oportunidades perdidas, naquele remoto tempo que ficou para trás…
Em Pesterzsébet não há nada (só haverá em Barcelona) que se assemelhe à Sagrada Família. Tal fato não serve de desculpa para o meu desleixo; tampouco a supracitada preguiça alheia (nativa).
Tenho, no entanto, um forte motivo para descobrir o bairro XX. Voltando ao passado – naquele remoto tempo que ficou para trás – era meu hábito apanhar um autocarro (ou linha de metro ou elétrico) no centro da cidade e sair na última paragem. Queria ver a vida como ela era, longe dos holofotes e dos simulacros da praça principal e afins atrações para tolos (hoje em dia, os tolos seriam atualizados para insta-tolos).
Enquanto as restrições sanitárias forem mais reais do que a própria realidade, não vale verdadeiramente a pena ir a lado nenhum. Findo o confinamento, por cá continue como residente-visitante, fica a promessa plagiada aos peregrinos de Fátima: irei, a penantes, até Pesterzsébet.