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Caminhar em contramão – Às arrecuas como nunca (Józsefváros, VIII)

Volto a escrever acerca de Budapeste (na verdade, volto a escrever) enquanto residente na Irlanda. Escrevo em diferido; naturalmente num outro registo, de tom transmutado.

Aceito a mudança como se nada fosse. Os antigos chamavam-lhe amor fati; os influencers da modernidade dirão o mesmo por prosaicas palavras. Posto isto, estou extremamente contente em Cork. Não confundir com contentamento por não me encontrar em Dublin ou em Budapeste. Apenas tenho a cabeça assente no presente; o coração, estilhaçado como sempre, toma o seu tempo.

Coube ao bairro VIII a desditosa honra de abrir o caminho redigido à distância; remoto diriam os supraditos influencers. Pergunto-me pelo porquê, convicto de que não existem acasos, somente provas por descobrir.

Foi em Jószefváros que comecei a sair da cidade, aceitando um emprego num escritório em Corvin, com a expetativa de durar coisa de um ano. A pandemia, ou o pânico pela palavra gerado, estendeu-o para dois; um ano foi quanto demorei a encontrar euro-emprego, se me faço entender.

O oito ficou-me como lugar de passagem, de etapa complementar. Talvez por isso os seus ares me inspirem leveza e em nada me pareçam pesados; por seu turno, trabalhar em casa no louco ano de 2020, amareleceu-me os aposentos e o opulento bairro II.

Segundo os standards de Budapeste, Jószefváros é o bairro multicultural e colorido. Para o tal do contentamento da estirpe que adora as outras etnias, sempre e quando não sejam suas vizinhas; no caso dos magiares, cumprem a máxima aparecendo no Aurora como quem visita um convento, ou simplesmente respondendo afirmativamente aos eventos do dito espaço na página do Facebook para os chamados efeitos de virtue signalling.

Essa malta não suportaria alertas contra a ciganada do bairro VIII, no entanto não teria quaisquer problemas em chamadas de atenção para potenciais atritos com alcoólicos. Da minha parte, nunca vi nada do outro mundo por estas bandas, preferindo reter a primeira vista que tive de Budapeste, quando cheguei à cidade na condição de turista há oito anos atrás, saindo da estação de Keleti e deparando uma saborosa combinação de estátuas socialistas, edifícios austro-húngaros a cair aos bocados e o Burger King.

Nem a propósito, o VIII é mais do que um bairro de lata. Convém recordar que o elegante Palota Negyed (literalmente Bairro do Palácio) encontra-se no perímetro de Jószefváros. O lembrete foi-me frisado por uma húngara feia como um camafeu e com umas mamas magníficas. (Lá está, onde menos se espera, esconde-se o tesouro…)