Calçada portuguesa em Budapeste

por João Miguel Henriques
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No início de março do ano passado fui pela última vez ao cinema antes de a pandemia começar a impôr o encerramento dos espaços de cultura e recreio de Budapeste. Lembro-me perfeitamente dessa noite e de, após o filme, eu e a minha mulher termos jantado com dois amigos, um italiano e um catalão, ao sabor de uma das melhores pizas da cidade. Discutíamos em bom latim vulgar as implicações da nova situação e fazíamos prognósticos que com o tempo se revelaram bem aquém da sinistra realidade. O catalão acreditava ainda poder ir passar o fim de semana a Veneza com a mãe no mês seguinte. Eu e a minha mulher, não menos irrealistas, acreditávamos poder casar nesse mês de julho com a presença de cem convidados. O nosso amigo jamais foi a Veneza e nós casámos sem festa e com o número de pessoas estritamente requerido pelas burocracias do registo civil húngaro.

Mas voltemos ao filme dessa noite, à célebre última experiência em sala de cinema. Os maravilhosos Budapest Architecture Film Days exibiam o documentário “No Caminho das Pedras”, do brasileiro Marco Antônio Pereira, filme que, tal como se anunciava, “percorre a história das famosas calçadas de pedra portuguesa, desde o seu surgimento em Lisboa, na metade do século XIX, até chegarem ao Rio de Janeiro, revelando a arte e as referências dessas culturas, e sua omnipresença sob os pés cariocas e portugueses.” O realizador esteve presente. Foi inspirador.

Nas horas que se seguiram, e ainda sem me encontrar dominado por pandémicas preocupações, dei por mim a imaginar a possibilidade de trazer para Budapeste uma obra de calçada portuguesa, por mais pequena e simbólica que fosse. Já várias vezes havia escutado a elogiosa admiração de amigos e conhecidos estrangeiros pela característica calçada dos passeios públicos portugueses, pelos seus belíssimos desenhos e até pela forma como contribuíam para a luminosidade e encanto das cidades de Portugal. Também na universidade me deparara com um par de trabalhos escritos sobre o tema, sem realmente me dar conta do quanto essa arte caracteriza Portugal aos olhos de que visita o país. Talvez fosse o típico caso de não prestar a devida atenção a algo que me era tão familiar, como o chão diariamente sob os meus passos.

Após avanços e recuos na ideia, com todas as dificuldades e desafios que um projecto assim naturalmente envolve, chegou-se finalmente a bom porto, podendo a Embaixada de Portugal e o Instituto Camões em Budapeste, em colaboração com as Escolas de Jardinagem e de Calceteiros da Câmara Municipal de Lisboa e com a autarquia do Bairro do Castelo da capital húngara, anunciar a inauguração neste próximo dia 15 de Junho de uma simbólica obra de calçada portuguesa no Parque Europa de Budapeste, às portas do bonito Bairro do Castelo.

Realizada pelo mestre calceteiro Vítor Graça, a obra representa uma barca com dois corvos, símbolo da cidade de Lisboa, e será acolhida no dito parque, junto à pedra e árvore alusivas à capital portuguesa. Pretende-se deste modo perpetuar em Budapeste uma das mais emblemáticas artes portuguesas e ao mesmo tempo celebrar os fortes laços existentes entre as duas cidades geminadas: Lisboa e Budapeste.

E efetivamente não poderia ter-se imaginado melhor altura para a realização desta obra do que precisamente neste mês de Junho, assinalando-se assim os derradeiros dias da Presidência Portuguesa do Conselho Europeu e a presença da seleção nacional de futebol para disputar o Campeonato da Europa da modalidade. E já agora, deixando o melhor para fim, contamos que nesse dia 15 de Junho, pelas 14:00, a obra seja admirada pelo Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em visita oficial à Hungria.

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