Cabo-verdiano inova com agricultura aeropónica, com menos 90% de água e de terra

por LMn | Lusa
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Alface, tomate, pepino, pimentão, rúcula ou manjericão são muitos dos vegetais que saem da quinta de Hélder Silva, que introduziu em Cabo Verde a aeroponia, técnica de cultivo que utiliza menos 90% de água e de terra.

Hélder Silva, 48 anos, é muito conhecido nos palcos da música em Cabo Verde por Havy H, mas agora é o rosto da introdução da aeroponia no arquipélago, uma técnica agrícola que consiste na plantação na vertical, em torres de cerca de dois metros de altura.

A ideia começou a ganhar forma após pesquisas feitas durante o período de confinamento da pandemia da covid-19, em 2020.

“Vi só duas frases que me chamaram muito a atenção, que foram agricultura com menos 90% de água e com menos 90% de solo. Logo, eu, sendo um cabo-verdiano, disse: isto deve ser petróleo ou ouro de Cabo Verde, porque é precisamente o que não temos, nem chuvas nem água e também poucos solos agrícolas”, descreveu, em entrevista à agência Lusa.

E assim prosseguiu com vontade de implementar em Cabo Verde essa tecnologia dos Estados Unidos, país onde estudou e viveu durante cerca de oito anos, tendo entrado em contacto com um delegado em Ibiza, Espanha, que por sua vez o autorizou a ser o representante da marca em Cabo Verde e no resto de África.

A parte mais difícil, recordou o gestor e chefe de cozinha praiense, foi encontrar financiamento em Cabo Verde, que chegou através de um aval do Estado para crédito num banco comercial, não só para a aeroponia, mas também para construção da quinta, numa área de 1.000 metros quadrados, em São Francisco, uma aldeia a sudeste da cidade da Praia.

“E a partir daí foram dois anos de muita luta, porque este projeto implementa-se em um mês, 45 dias”, disse, referindo que para a aeroponia chegou ao país um contentor com materiais, rondando os 60 mil dólares (56,5 mil euros).

A primeira plantação na quinta Afroponic Purahvida aconteceu em 02 de outubro de 2022, e desde então o agora agricultor já colheu um pouco de tudo, desde pepino, quiabo, alfaces, beterraba, brócolos, mostarda, flores, ervas aromáticas, malaguetas, salsa, coentros, couves, em dois meses que diz ser ainda experimentais, mas com produção três vezes mais rápida do que o normal e com um custo mensal de 60 mil escudos (544 euros).

“E o mais importante é que é com menos 90% de água”, insistiu o promotor, considerando que é uma grande parte da solução para Cabo Verde e para a África, com países com grandes extensões de terras, mas que sofrem com grandes períodos de seca extrema.

“É tão simples, tão fácil, porque semeia-se sentado, planta-se sentado, espera-se e colhe-se. Não há enxada, não há estrume, não há buracos, não há trabalhar no solo”, apontou, indicando que com essa tecnologia as raízes as plantas ficam no oxigénio, onde recebem os minerais puros.

Reconhecendo que há dois anos não sabia nada sobre agricultura, Hélder Silva hoje maneja nos legumes e verduras como se sempre tivesse sido assim, mas a ideia, disse, é levar a tecnologia às pessoas, esperando uma “vontade” institucional ou privada para avançar.

“Em dois meses Cabo Verde não necessita importar nenhum legume ou verdura, porque aqui produz-se todo o tipo de vegetal, menos tubérculos”, frisou o responsável, que já coloca os produtos num supermercado na Praia e também faz entregas em casas particulares, através de um grupo numa rede social, onde também tem feito muita promoção da técnica.

Outra vantagem da aeroponia, segundo o promotor cabo-verdiano, é que os produtos orgânicos podem crescer em qualquer lugar, desde o quintal, o terraço ou a varanda de casa, mas também em praças, já que utiliza menos espaço do que a agricultura convencional ou hidropónica.

Para alimentar as torres e fazer a água circular, é utilizada também muito menos energia, e neste caso é através de painéis solares, que alimentam uma bomba de aquário de 35 watts (Wh), praticamente igual a um carregador de telemóvel.

Esse dispositivo só trabalha três em cada 15 minutos, totalizando 12 minutos por hora em cada uma das 100 torres, cada um ocupando dois metros quadrados, já contando o espaço para circulação.

“Com energia renovável, esta quinta não produz nenhuma pegada de CO2 [dióxido de carbono]”, orgulhou-se Hélder Silva, socorrendo-se de estudos que dão conta que os produtos têm 35% a 60% mais nutrientes e antioxidantes do que qualquer vegetal plantado no chão.

Com manutenção “quase zero” e com uma pessoa que ajuda na limpeza, a quinta foi montada em dois dias pelo promotor e pela mulher, que em casa coloca as sementes em placas fenólicas, para depois as mudas serem transferidas para as torres.

“O trabalho é mínimo. Quando começar a produzir em massa, vai precisar de pessoas para embalar, para distribuir”, perspetivou Havy H, esperando que esta ideia chegue a todo o Cabo Verde, que agora tem a primeira quinta privada em África.

“Estou a fazer a minha parte na divulgação”, garantiu, dando conta que já surgiram vários interessados na ideia, mas tudo esbarra na questão do financiamento, um dos maiores problemas apontados por quem quer iniciar algum negócio em Cabo Verde.

Mas Hélder Silva acredita que a aeroponia é o “futuro no presente” e que daqui a cinco anos a tecnologia vai dominar a agricultura, com todos os ganhos mencionados, e muito mais, numa altura de aumento dos preços de muitos produtos essenciais, por causa da guerra na Ucrânia.

Considerando-se como representante da marca norte-americana em Cabo Verde e não revendedor, Silva já instalou seis torres em casa de particulares, vincando que em pouco tempo o país pode ser autossustentável de vegetais, verduras e legumes.

Também já montou 20 estruturas nas Aldeias Infantis SOS de Assomada, em Santa Catarina de Santiago, algo que disse o deixou ainda mais feliz, porque o propósito de implementar a tecnologia no país é para ajudar os mais carenciados, baixar o preço de alimentos e fazer as pessoas alimentarem melhor.

O projeto está a ter tanto sucesso que a partir deste mês a quinta vai receber visitantes do Senegal, Camarões e da Guiné-Conacri para depois a ideia ser instalada nesses países, revelou.

“Por isso é que estou a ir devagar, quero que as outras pessoas façam isso, o meu é só um ‘showroom’ para verem a tecnologia. Eu não quero ser concorrente a nenhum agricultor, a nenhum produtor”, garantiu o promotor, que leva legumes diretamente da quinta para a mesa dos cabo-verdianos.

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