Budapeste – A Minha Cidade Adoptiva

por Joaquim Pimpão
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CONFERÊNCIA: 30. ANIVERSÁRIO DA CÁTEDRA DE PORTUGUỆS – ELTE

BUDAPESTE, 21-22 DE MAIO DE 2008

BUDAPESTE: A MINHA CIDADE ADOPTIVA

(Texto que serviu de base da minha apresentação)

Introdução com 4 notas prévias:

  1. Hoje não estou aqui como director da AICEP em Budapeste ou como conselheiro comercial da Embaixada de Portugal na Hungria, mas apenas como um português que (ao longo de 29 anos) escolheu Budapeste para sua cidade adoptiva, e que de forma gradual e voluntária, se deixou adoptar por esta bela capital húngara.
  2. Portugal é o meu país, a pátria, pela qual o coração aumenta o ritmo das pulsações. Budapeste é entre as cidades, aquela com que mais me identifico, que está mais perto de mim, a cidade que eu escolhi para viver e criar raízes.
  3. Nesta intervenção vou falar de Budapeste de forma positiva, valorizando a cidade como se fosse um “ budapestino, genuíno de clara” (para diferenciar do lisboeta, alfacinha de gema.)
  4. Não vou ficar atento e preocupado com a política e diplomaticamente correcto, hoje não, por isso peço a vossa melhor compreensão.

Budapeste, a minha cidade adoptiva (em 7 pontos e 6 notas complementares)

  1. No início Budapeste começou por me intrigar, pois durante longos meses, parecia-me uma cidade opaca, que não se mostrava, não se deixava ver por dentro. Parecia-me uma cidade quase impenetrável, muito pouco acessível ao estrangeiro, ao qual a dificuldade de comunicação, o obstáculo do idioma, agravava ainda mais a situação.

Nota 1. De reconhecimento e agradecimento.

Foram as festas, os convívios organizados pelos alunos de portugués da ELTE que me ajudaram (e aos outros 3 colegas que também chegaram a 18 de setembro de 1979), a iniciar a caminhada da descoberta, a viagem por esta cidade estranha e desconhecida. Cidade tão húngara, e como mais tarde vim a saber, tão típica da “Mittel-Europa”, desta Europa Central tão apaixonante, com Praga, Cracóvia, Viena, etc. Recordo com prazer como era agradável estar na companhia de tantos aluno cultos e simpáticos, que falavam de Baudelaire, Verlaine, Edgar Allan Poe ou Neruda, que me apresentaram, entre outros, József Attila, Ady Endre, Illyés Gyula.

  1. Muito muito lentamente fui conhecendo Budapeste: a cidade, as gentes, as ruas, os pátios interiores, as salas de cinema, os “házibulis”, as festas estudantis, os jogos de futebol, no estádio do Fradi e sobretudo os jogos-duplos no Népstadion, entre Honvéd, Fradi, Vasas e Dózsa. (Então, meus amigos, ainda se jogava na Hungria futebol a sério…).

Nota 2. A responsabilidade pela demora de um conhecimento mais profundo também foi minha. A verdade é que todos os dias comprava o jornal Népszabadság, para me ir habituando ao idioma e invariavelmente começava por “ler” as últimas páginas (dedicadas ao desporto), lia as notícias internacionais e nunca li as notícias sobre a Hungria, sobre Budapeste.

  1. Antes do “clique interior” que mais tarde se deu em mim, antes de me começar a identificar, a compreender, a sentir-me solidário com Budapeste, com a Hungria e com os húngaros, vivia numa  “contradição” aparentemente impossível de resolver. Por um lado, vivia entre exilados e expatriados latino-americanos, amigos e irmãos do Chile, do Uruguai, da Argentina, dos bolseiros como eu e amigos de Cuba ou de África, e por outro lado, os amigos húngaros, cada vez em maior número, todos, profundamente anti-soviéticos, contra os russos e assumidamente anti-comunistas. (Apesar dessa evidente contradição, os verdadeiramente insuportáveis, eram os responsáveis da KISZ – juventudes comunistas da universidade).

Nota 3. Já frequentava a MKKE- Universidade de Ciências Económicas Karl Marx – anos depois cheguei a temer que a universidade fosse ”rebaptizada” e passasse a chamar-se Milton Friedman – recordo-me como se fosse hoje, o entusiasmo, o frenesim dos meus colegas na preparação do “A Koncert” dos “Illyés”, foi no dia 26 de Março de 1981, onde estive, levado, pela mão macia e suave de uma amiga “kollegista”.

Foi aí que iniciei o caminho que me levou a outra descoberta, a outra conclusão – a Hungria também tinha os seus José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luis Cília, Manuel Freire, José Mário Branco, Francisco Fanhais e Sérgio Godinho, aqui chamavam-se Presser Gábor, Zorán, Cseh Tamás, Szörényi Levente, Bródy János, Koncz Zsuzsa. A insubmissão e a revolta eram a mesma, a canção como protesto, como resistência, a mesma luta, a mesma ilusão, a mesma utopia e tanta ingenuidade,.. “ingenuidade” que felizmente acabou por trunfar.

  1. Afinal, quando me deixei de me perder em Budapeste, apercebi-me que era uma cidade aberta, uma cidade feminina, uma cidade-amante, uma cidade-mãe. (Sei do que falo, aqui nasceram e aqui vivem as minhas 3 filhas e o meu filho.)

Nota 4. Apesar de ter vindo directamente de uma cidade de província, de Santarém para Budapeste e de mal conhecer Lisboa, atrevo-me a dizer que Budapeste nos primeiros anos da década de oitenta do século passado, era muito mais ousada e atrevida, que a Lisboa de então. Em Budapeste havia um erotismo, mais ou menos explícito, um charme apelativo e fascinante, que caminhava elegante, (que desvanecia e elevava os sentidos) pelas ruas da capital de um dos principais países da Europa central.

  1. Hoje já sei (há distância tudo é mais fácil), que quanto mais próximo estava de Budapeste, quanto mais me identificava com os seus habitantes, com os meus amigos magyarok, mais próximo estava do ponto viragem do meu “clique interior”, da ruptura definitiva com uma parte do meu passado, das minhas ideias e ideologia, sobretudo na perspectiva do futuro.A minha ruptura foi consequência de andar em Budapeste de olhos e ouvidos atentos, de coração aberto, de estar aberto aos pensamentos dos meus amigos, dos meus amores, das aulas na universidade, dos filmes húngaros – a chamada Escola de Cinema de Budapeste.

Como curiosidade, gostaria de referir que em Outubro-Novembro de 1976, era eu um jovem cineclubista, estive na Embaixada da Hungria em Lisboa, para, com outros amigos, levantarmos 5 filmes para a Semana do Cinema Húngaro em Santarém. Parece que foi ontem.

Foi o cinema húngaro, a “Escola de Budapeste” e realizadores como Bacsó Péter, Makk Károly, Fábri Zoltán, Gábor Pál, Szabó István, Mészáros Márta, Kovács András, Jancsó Miklós, Jeles András, etc, foram as suas longas metragens, com  a sua crítica – política, social e filosófica – a metáfora para confundir a censura bruta, o uso da ironia, do cinismo e do humor nos diálogos, foi o sinal de luz, o farol para o último empurrão, da última remada para chegar ao porto, senão seguro, pelo menos autêntico, o cais da minha liberdade, que escolhi  livremente.

Nota 5. “Naquela” Hungria ir ao cinema, sobretudo ao Kinizsi Mozi (durante 5 anos vivi a 400 metros) com cartão de estudante custava 2 forints) era uma festa. Não tenho receio de o dizer em público, muita da minha formação humana, foi feita, foi alterada e completada em Budapeste com os filmes húngaros. Foi aqui que descobri que os totalitarismos, podem ter roupagem de direita ou de esquerda, mas a sua essencia facínora é basicamente a mesma.

  1. Em Janeiro de 1984, de regresso à Hungria, de comboio, como quase sempre, parei 2-3 dias em Paris. Comprei então um livro com todos os textos e poesias de Jacques Brel – um dos meus “heróis” da canção comprometida.Por acaso trazia comigo o volume 3 do Poeta Militante de José Gomes Ferreira, que o próprio tinha assinado em Dezembro de 1978. Era uma das minhas referências primeiras, da poesia de resistência, da luta contra a ditadura salazarista.

O livro começa com “Lágrimas Trocadas” de 1956 e o primeiro poema é sem dúvida contra a Revolução e os revolucionários húngaros e é compreensivo para com aqueles que com a força criminosa das armas estrangeiras (soviéticas) esmagaram a revolução e a liberdade nascente nas ruas de Budapeste. É crítico para com os insurretos. Lendo com atenção o prefácio do livro “Brel Vivant” descobri, que a canção “Quand on n’a que l’amour”, escrita em 1956, terá sido escrita em memória da Revolução Húngara de 1956.

Nota 6. É muito fácil, 30-40-50 anos depois, saber estar do lado certo da história, do lado dos caídos, do lado dos justos. Perceber que o meu tão respeitado e admirado Poeta-Militante, na sua ânsia de luta contra a ditadura salazarista em Portugal, ânsia da liberdade, não via que os seus irmãos, os seus camaradas, não eram os discípulos de Stálin, os executantes da barbárie bolchevique. Eram sim, os resistentes à sangrenta ditadura comunista. Que absurdo!

Naturalmente que nem o poeta J. Gomes Ferreira deixou de ser menos poeta, nem eu deixei de ser seu leitor atento, apesar de hoje, não estar de acordo com a maioria das suas ideias políticas expressas na sua poesia. Se tiver que optar, então ficarei com J. Brel, ficarei com Márai Sándor, Faludy György, Kertész Imre, Weöres Sándor ou Radnóti Miklós.

  1. Não podia falar de Budapeste, da minha cidade adoptiva sem falar, sem me referir, sem associar a Revolução de 1956 e Revolução do 25 de Abril, associando dois grandes poetas, um portugués, Manuel Alegre e um húngaro, Illyés Gyula, associar a “Praça da Canção”, “A Trova do Vento que Passa” com “Egy Mondat a Zsarnokságról” (Uma Frase sobre a Tirania). Para os que não têm o privilégio de poderem ler no original, aconselho a magnífica tradução do poeta Pedro Tamen e do saudoso amigo Professor Rózsa Zoltán.

 

Obrigado!

 

Joaquim F. L. Pimpão

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