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O Homem que fazia Bolos da Chaminé

Apesar dos meus esforços no sentido de desvendar alguns pormenores do passado de Gergély, restam-me ainda – tal como a muitos outros – algumas lacunas da sua vida, lugares povoados por trevas do desconhecido, como dizem os letrados.

Vim a descobrir apenas, que em tempos, saíra com a prole a ele confiada, da Transilvânia. Este território conhecido pela beleza das suas paisagens é mais conhecido ainda pelas façanhas de Vlad, o Empalador, que virou lenda nas páginas de Bram Stoker, como o Conde de Drácula.

A primeira impressão que Gergély me produzia era uma sensação de pedra preciosa em bruto, pesada, mas irresistível. Tinha uma compleição desajeitada, mas emanava dele – coisa estranha – uma espécie de graciosidade que provinha, talvez, de uma convicção absolutamente tranquila nos seus credos pentecostais e uma inabalável vontade em abrir novos caminhos.

Foi-me também difícil perceber à primeira vista a que classe social pertencia. Soube que era cursado em engenhos agrícolas e homem de vínculos às terras e às artes da lavoura. Ainda hoje, julgo, que Gergély é parecido apenas consigo próprio.

Saiu das cordilheiras dos Cárpatos, com parcos e raros haveres, mas trazia consigo um sonho e um valioso segredo. Consta que queria fazer fortuna nas terras prósperas das américas. Ia ter com familiares que ainda hoje por lá habitam. Poucos serão aqueles que sabem ao certo como veio aqui parar, muito menos ele. Caiu em Tomar quiçá, pela força do destino, depois de lhe terem apreendido o passaporte falso, na sua passagem por Lisboa, com destino ao Canadá.

Depois de se ter decidido em abrir uma cafetaria em Tomar, envolveu-se no pleito de fazer Bolos da Chaminé. Bem pela manhã saía Gergély com uma cesta de bolinhos quentes que vendia pelas ruas, de porta em porta. Foi numa dessas suas saídas, que me cruzei pela primeira vez com Gergély.

Ao avistar os bolinhos da Chaminé, acabados de sair do forno com um cheirinho irresistível e pincelados a preceito com sementes de papoila torradas, apeteceu-me comprá-los todos.

– Ah, meu caro amigo, regozijaste-me! – bradei-lhe eu, que teimava em não largar a cesta dos Bolos da Chaminé, – nada a dizer! Ganhaste, amigo, ganhaste!

O certo é que Gergély nada ganhou comigo, para além de se ter tornado meu fornecedor de bolinhos da Chaminé, que faziam delícias no Bistro do Notas de Degustação em Lisboa.

O certo é que os bolinhos apesar de fantásticos eram negócio de baixa valia e não lhe chegavam para garantir o sustento da prole.

Mas o negócio dos bolos não foi o único carreiro de Gergély pelo campo fora.

Tempos mais tarde, ligou-me com voz de quem se entrega com todo o seu ser à felicidade. A sua voz vibrava e emanava qualquer coisa inabarcavelmente vasta. Parecia que a sua voz se desfazia num canto ainda mais sonoro e deleitoso.

– Ah meu caro amigo, vem ver aquilo que eu fiz! Sem rodeios vem ter comigo como Deus te manda! Fico à tua espera!

Fui visitá-lo. Serviu-me logo pela manhã e de imediato um branquinho fresco com requeijão de cabra e pão quente do forno a lenha. – Vem ver o que eu fiz – Apressava-me Gergély.

Ainda de copo na mão e a passo estugado desci até às suas hortas que se estendiam numa profusão de autênticas e perfumadas maravilhas. Senti que as lágrimas me transbordavam o coração e me subiam aos olhos quando avistei a sua criação.

Gergély esperava sem saber o que eu iria dizer e à medida que passava o seu olhar interrogativo por mim, viu finalmente que a vitória era sua.

Crédito da tela: Bemaventuradojorge (Jorge Vilaça)