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Ativista angolana diz que penteados impostos visa “desafricanização” dos alunos

A socióloga angolana Luzia Moniz considerou hoje que a proibição da entrada de alunos em salas de aulas devido ao uso de cabelo crespo ou comprido é uma forma de ‘apartheid’ que visa a “desafricanização” e viola direitos humanos.

Luzia Moniz reagia, em declarações à agência Lusa, à polémica que, nos últimos dias, se levantou em Luanda, com o início das aulas, em que alguns alunos de escolas privadas e públicas foram impedidos de assistir às aulas, devido aos seus cortes de cabelo.

“Estes impedimentos são atos de repressão cultural típicos de situações de endocolonialismo, que é o caso de Angola, onde o opressor usa os estabelecimentos de ensino como uma espécie de ‘polícia dos costumes’, que existe em países como o Irão”, argumentou a também ativista cultural.

A socióloga frisou que estas medidas são “piores do que as do colonizador e a sua política de assimilação”, salientando que as mesmas “se enquadram no processo de desafricanização de Angola, encetada pelas elites políticas angolanas, visando eliminar ou subjugar os valores identitários africanos”.

Segundo Luzia Moniz, as consequências dessas medidas não se refletem apenas nas pessoas diretamente visadas, mas em toda a sociedade, porque se está perante “uma violação dos direitos humanos”.

“O direito básico de sermos nós próprios, com os nossos cabelos, narizes, lábios, etc. O direito a não termos vergonha de sermos pretos e assumirmos essa ‘pretitude’ em toda a sua dimensão. O cabelo é uma dessas dimensões”, sublinhou.

A ativista realçou que “nada distingue mais os indivíduos em termos de grupo étnico-racial do que o cabelo”.

“Num país em que seguramente mais de 90 por cento da população é constituída por pretos, proibir jovens pretos de usarem o seu próprio cabelo é discriminação racial, uma forma de apartheid que afeta os discriminados, mas toda a sociedade”, vincou.

Para a ativista e socióloga angolana, a solução para este problema passa por pressionar os políticos (poder e oposição) “no sentido da mudança dessas normas fascistas”.

“Se necessário recorrendo a instâncias regionais e internacionais como a SADC [Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral], a União Africana ou o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos”, observou.

Algumas escolas têm barrado o acesso a alunos que usam o cabelo crespo ou penteados compridos, no caso dos rapazes, o que levou o Ministério da Educação a intervir, orientando as direções dos estabelecimentos de ensino a “respeitar a diferença”.

Sobre o comunicado do Ministério da Educação emitido relativamente ao assunto, Luzia Moniz é de opinião que o “ministério teve uma não reação”.

“Mais valia ter ficado calado. Isso deve-se, objetivamente, ao facto de ser liderado por alguém que faz parte do ‘lobby’ do ensino privado, onde esse comportamento fascista é mais acentuado. Seria interessante saber que normas funcionam nas escolas da titular da pasta, que vive num conflito de interesse escandaloso”, declarou.

Numa circular datada de 28 de setembro, a ministra da Educação, Luísa Grilo, orientou as escolas a criarem “um ambiente harmonioso de respeito à diferença e nas diversas formas em que o cabelo de cada aluno se pode apresentar sem, contudo, subverter o código de conduta e a disciplina escolar”.

O documento sublinha ainda que o sistema de educação e ensino se rege de princípios da igualdade e da proteção da criança, previstos na Constituição da República, bem como, pelo princípio da universalidade, previsto na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino “promovendo assim o combate contra todo tipo de discriminação por razões da ascendência do indivíduo, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas”.

Uma manifestação organizada por movimentos de estudantes e pan-africanistas, para protestar contra a imposição de cortes de cabelo nas escolas, foi reprimida pela polícia neste fim de semana, em Luanda, tendo sido detidos alguns dos participantes e um jornalista que cobria o protesto, todos já em liberdade.

O Sindicato dos Jornalistas Angolanos pediu explicações sobre o sucedido à Polícia Nacional, mas até ao momento não houve qualquer pronunciamento.

NME // PJA