Árvores

por Frederico Raposo
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Gosto de árvores. Penso que sempre gostei, mas explicar este fascínio não é de todo tarefa fácil, como normalmente não nos é, explicar amores e bons sentimentos.

De pequeno, lembro-me que as árvores eram para mim, castelos e fortes, onde me escondia, trepava e onde viviam infindáveis aventuras. Da laranjeira em casa da avó que ficava à sombra de um gigante pinheiro, que dizem ter sido plantado no mesmo ano do nascimento da Tia João, sua prima, das inúmeras árvores de fruta na quinta do avô, das alfarrobeiras do Algarve onde cresci e também o famoso eucalipto que o Rui Veloso teve de subir para a poder ver nua. Estas árvores e muitas outras marcaram a minha infância, mas penso que na altura ainda não as tinha olhado da forma que as viria a sentir mais tarde.

Com o passar dos anos, dois momentos marcaram bastante este crescente interesse e fascínio por árvores. Do primeiro, lembro-me vagamente, visitei uma casa perto de Albufeira com a minha mãe. A casa tinha sido construída à volta de uma Alfarrobeira. Fiquei abismado na altura, como provavelmente ficaria agora, com o facto de não a terem cortado e pavimentado a cimento os terrenos onde se encontrava. Ali estava ela, intacta, uma velha alfarrobeira que havia crescido livre, era agora figura central de uma casa que havia sido construída a sua volta, em sua homenagem. Comoveu-me na altura, achei engenhoso e penso que foi nesse dia que aprendi que não há apenas um caminho, que tudo se pode contornar e que podemos sempre decidir ver o mundo de outra forma. Acredito que a maioria das pessoas não teriam pensado duas vezes e a pobre árvore teria ido à vida para se construir a tal casa. Aqueles não, aqueles foram diferentes.

O outro momento, numa viagem pelo Alentejo, passando junto a Monsaraz alguém me disse que havia ali uma oliveira com mais de 2000 anos. 2000 anos! Aquela informação na minha cabeça, foi como um estrondo! Eu, um apaixonado pela história de quase tudo, vi ali um milagre. Comecei a imaginar as épocas que passaram por ela, do Império Romano, aos Árabes à Reconquista Cristã. E não estava num sítio qualquer, mas ali, mesmo junto à fronteira com Espanha junto ao rio grande do sul, o Guadiana. Decerto assistiu a escaramuças, batalhas, exércitos em marcha. Nasceram e morreram impérios, países e ela sempre alí, crescendo, mais antiga que Cristo e César. Imaginei as gerações e gerações de pessoas que comeram as suas azeitonas, que se abrigaram na sua sombra, lugar de namoricos, ponto de encontro de contrabandistas que saltavam a fronteira. E a sorte, a sorte que teve, nunca ninguém a cortou, nunca adoeceu, nunca um raio a rachou nunca um incêndio a queimou nem nunca ninguém decidiu fazer uma casa no exacto sítio onde está… para mim tudo isto é extraordinário! E que histórias nos poderia contar…

Este sentimento foi crescendo ao longo dos anos. Admito que não sei o nome nem a história de todas elas e a verdade é que não é isso que me interessa. Gosto delas por gostar, porque inexplicavelmente me fascinam, e se durante muitos anos busquei a razão exacta por detrás deste sentimento, à algum tempo que abandonei esta busca. Não quero descobrir, não quero racionalizar este amor, prefiro seguir inconscientemente fascinado, e isso me basta.

Sempre que saio à rua, vou com a ideia de as ver, sempre predisposto a ser surpreendido. Por vezes, com um pouco de sorte, lá me invade o espanto. Aqui em Budapeste, não é tarefa difícil, existem árvores em todo o lado, nas ruas, nos pátios interiores dos prédios, existe uma figueira dentro de um bar, uma gigante árvore no meio de uma discoteca, e nos parques, que aqui são muitos, existem árvores de todos os tamanhos, feitios e cores. Para quem as vê, é de facto um regalo. Em Lisboa por exemplo, e tirando as árvores do Príncipe Real e do Jardim da Estrela, penso que não é tanto assim, ou pelo menos na altura em que aí vivi, eu não as via como vejo hoje. E por falar em Lisboa, há uns anos visitei a cidade, e em jeito de guia turístico fui mostrar a cidade à minha namorada húngara da altura. Chegando de frente às portas da Sé, ia mentalmente preparando a minha “aula de história” e o meu orgulho ao mostrar tal edifício… de súbito ela interrompeu-me com uma pergunta que eu não esperava: “Aquilo são laranjeiras?” De facto, na rua que desce do lado direito da Sé, estão, juntas às altas paredes, uma fila de laranjeiras. Eu nunca as tinha visto ali antes, mas ela, foi a única coisa que viu, e a enorme Sé ficou de súbito invisível. Em passo acelerado fomos directos a elas, e enquanto tirava mil e uma fotografias às ditas árvores, explicou-me que era a primeira vez que via uma laranjeira, é que na Hungria elas não crescem, simplesmente não se dão.  Estava maravilhada, fascinada, com brilho nos olhos. Eu, de sorriso na cara, deliciado com aquele momento, lembrei-me das antigas laranjeiras da minha infância, pensei no quanto elas se tinham tornado esquecidas ou indiferentes, e com uma certa mágoa de mim mesmo, por dar-me conta disso, decidi, que de aí em diante, iria olhar um pouco mais, com outros olhos, todas as árvores que se cruzam no meu caminho, é que sei que ainda tenho muito que aprender com elas e talvez um dia, por sorte ou destino, apanhe alguma a olhar-me de volta.

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