Arnaldo Rivotti: de volta à Hungria 31 anos depois

por Arnaldo Rivotti
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Voltei pela primeira vez à Hungria, 31 anos depois do “Alles auf!”, – “Abram as portas!” -, aquando da queda do muro de Berlim.

Vivia-se 1989, o ano que viria a mudar o mundo.

Após a ascensão de Mikhail Gorbachov, já se pressentia uma mudança de rumo, com reflexos na Polónia e na RDA (Alemanha Oriental).

No entanto, a queda do muro de Berlim deve-se sobretudo, à situação vivida na Hungria. Sem que o mundo exterior percebesse, os comunistas que estavam no poder na Hungria, haviam-se transformado em ferverosos anti-comunistas. Sem que os russos e o Ocidente desconfiasse, Miklós Németh, torna-se primeiro-ministro da Hungria em novembro de 1988, predisposto a levar a efeito reformas profundas no sistema político e económico da Hungria. “Gorbachov tinha efetivamente levantado a tampa de uma panela de pressão”.

Miklós Németh viria assim a permitir a criação de movimentos de cidadãos, clubes e tertúlias políticas, que no fundo, mais não eram, do que tentativas de criação de organizações políticas. Miklós Németh, o economista com então 40 anos, teve assim um papel notável, não só na formação embrionária de novos partidos políticos, como também no surgimento de publicações clandestinas, que originaram mais tarde uma imprensa livre e robusta.

Este movimento não emergiu apenas internamente. Foi soprado pelos ventos, numa navegação ainda à bolina, dos dissidentes húngaros no Ocidente. Miklós Németh abre a fonteira da Hungria, para que alemães orientais, pudessem visitar amigos e parentes do outro lado do muro. Nada poderia deter este rio, que corria na corrente humana, que almejava por uma Alemanha unificada.

Refere-se ainda a unanimidade que era vivida no seio dos jovens liberais e pelas correntes húngaras conservadoras. A guerra fria e o socialismo começavam a morrer ali. Célebre ficou a frase, de Ronald Reagan proferida em Berlim Oriental, então República Democrática Alemã. “Senhor Gorbachov, derrube esse muro”. As pessoas começavam assim, ainda que timidamente no início, a juntar-se nas cercanias do muro de Berlim e a exigir o “Sofort” – “Abram imediatamente”. De poucas dezenas, passaram rapidamente a centenas e a milhares. De um lado gritava-se “Abram, Abram”, e do outro ouvia-se “Venham, Venham”. Foi assim, que a guarda fronteiriça, a 9 de novembro de 1989, ordenou o “Alles auf!” (“Abram tudo!”).

1989, marca assim, o meu último ano na Hungria, depois de ter estudado e trabalhado na Hungria, durante cerca de 14 anos. Tinha chegado em 1976 como militante da UEC (União do Estudantes Comunistas) e bolseiro do PCP, curiosamente no dia 11 de setembro, data que viria a ser, e ainda hoje, lembrada pelos 11 X 11 de setembro (Guerra na Alemanha Nazista, Golpe militar no Chile, Batalha da Ponte Stirling, atentado a Benito Mussolini, Sismo na Guatemala, Ataque às Torres Gémeas, entre muitos outros).

Chegara de Portugal, com outros três jovens portugueses, cheio de ilusões e encantos. Sentia-me um verdadeiro Garibaldi. Jovem, Poeta e Sonhador indómito. Tinha 17 anos. Começara no Instituto Internacional Preparatório em “Nándor Fehérvár”. Frequentei mais tarde a Külkereskelmi Foiskola e a Universidade Karl Marx em Budapeste.

Confesso, que no início era o encanto dos ideais do socialismo e a ilusão das suas possibilidades que me predispuseram a fechar os olhos à verdade e a deixar-me “levar”. Pouco tempo depois, o poder da ilusão das possibilidades do “socialismo”, já não me faziam fechar os olhos à verdade.

Aprendera, sobre o verdadeiro “encanto” do comunismo, porque se o objeto desse encanto morreu, não morreu a minha predisposição para me deixar novamente encantar, pois a vida sem encanto de pouco ou nada nos vale.

30 anos depois, a Hungria voltou a encantar-me. Confesso que nada mais me encanta, do que o encanto de voltar a sentir encanto.

E é com esse encanto que enfrento um novo encanto. O encanto de um novo desafio.

Vemo-nos no Lusomagyar News!

 

 

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