Autorretrato
A Flávia Amparo
Um poeta nunca sabe
onde sua voz termina,
se é dele de fato a voz
que no seu nome se assina.
Nem sabe se a vida alheia
é seu pasto de rapina,
ou se o outro é quem lhe invade,
numa voragem assassina.
Nenhum poeta conhece
esse motor que maquina
a explosão da coisa escrita
contra a crosta da rotina.
Entender inteiro o poeta
é bem malsinada sina:
quando o supomos em cena,
já vai sumindo na esquina,
entrando na contramão
do que o bom senso lhe ensina.
Por sob a zona da sombra,
navega em meio à neblina,
mesmo que seja pequena
a poesia que o ilumina.
Antonio Carlos Secchin é professor emérito de Literatura Brasileira da UFRJ e doutor em Letras pela mesma universidade. Poeta, publicou oito livros, entre eles Desdizer (2017), poesia reunida. Em 2018, publicou a obra infantil O galo gago, que recebeu o Selo 10 da Cátedra de Leitura da Unesco. No mesmo ano, lançou Percursos da poesia brasileira: Do século XVIII ao XXI, vencedor do Prémio APCA de ensaio. Foi eleito em 2004 para a Academia Brasileira de Letras. Em 2013, a Editora da UFRJ publicou Secchin: uma vida em letras, sobre a sua trajetória. Em 2019, recebeu o Grande Prémio Cidade do Rio de Janeiro, da Academia Carioca de Letras, pelo conjunto da sua obra.