Alterações climáticas podem dividir a Europa em duas: “A catástrofe bate-nos à porta”

por LMn
image_pdfimage_print

As alterações climáticas podem dividir a Europa em duas. Isto de acordo com a investigação do Politico, baseada em mais de 100 publicações científicas e entrevistas, e um relatório recentemente divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas da ONU. Mesmo com o menor aumento das temperaturas globais, os incêndios florestais e as inundações podem tornar-se generalizados no norte da Europa. Mas o maior perdedor na crise climática será o Sul da Europa, que está ameaçado tanto pela desertificação como pela subida do nível do mar, o que não poupará a economia da região. Além disso, doenças que até agora têm estado confinadas aos trópicos poderiam também surgir no continente.

Calor insuportável

Os europeus não são estranhos às ondas de calor do Verão. Em 2003, por exemplo, uma onda de calor sem precedentes atravessou o continente durante semanas, reclamando a vida de mais de 80.000 pessoas. Mas o que era um tempo excecional em 2003 pode tornar-se quase comum no futuro, de acordo com o Politico.

De acordo com as medições da UE, se a temperatura média global subir 1,5 graus Celsius, um em cada cinco europeus será exposto a condições tão extremas todos os anos, enquanto um aumento de 3 graus ameaçaria metade da população do continente.

As cidades, que já estão 5-10 graus mais quentes que as zonas rurais menos densamente povoadas devido à urbanização densa, serão particularmente afetadas. Isto será exacerbado pelo facto de uma proporção significativa de pessoas continuar a mudar-se para as cidades, principalmente para melhores oportunidades de emprego.

É também um problema que a população do continente esteja a envelhecer devido ao declínio das taxas de natalidade e aos avanços da medicina, com o número de pessoas com mais de 65 anos a viver na Europa a atingir 40 milhões em meados do século, e a população do continente irá diminuir paralelamente.

EMBORA A ESPERANÇA DE VIDA VÁ CERTAMENTE AUMENTAR, ISTO NÃO SIGNIFICA QUE AS PESSOAS MAIS VELHAS NÃO SERÃO MAIS VULNERÁVEIS AOS EFEITOS NEGATIVOS DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E DAS ONDAS DE CALOR NA SAÚDE.

Apesar de a temperatura média global ter subido menos de 1 grau Celsius desde a revolução industrial, 54.000 pessoas morreram só em 2010, principalmente na Rússia e Europa Central, devido à onda de calor. Oito anos mais tarde, o mesmo número era de 104.000.

Os parisienses refrescam-se junto à Torre Eiffel em 2019, quando foram registados 42,6 graus Celsius na capital francesa.

Foto de Samuel Boivin/NurPhoto via Getty Images

DE ACORDO COM A UE, SE NÃO AGIRMOS RAPIDAMENTE, UMA MÉDIA DE 95.000 EUROPEUS PODERÃO MORRER TODOS OS ANOS DE ONDAS DE CALOR BRUTAIS, 30 VEZES MAIS ALTAS DO QUE OS NÍVEIS ATUAIS.

A resposta óbvia imediata a este problema seria o ar condicionado, mas esta é uma espada de dois gumes. A energia utilizada pelos sistemas de ar condicionado é um dos principais contribuintes para as emissões, que duplicarão até 2035 se continuarmos a este ritmo.

O ESTUDO DO POLÍTICO MOSTRA QUE É AGORA CLARO QUE A EUROPA TERÁ DE ACEITAR O FACTO DE SE TORNAR UM CONTINENTE QUENTE DENTRO DE ALGUMAS DÉCADAS, E QUE NÃO SÓ OS PAÍSES DO SUL, QUE JÁ TÊM UM CLIMA MAIS QUENTE, MAS TAMBÉM OS DO NORTE IRÃO SENTIR OS EFEITOS.

Desertificação do continente

As alterações climáticas também irão transformar radicalmente a agricultura, mas com poucos vencedores. Estes poderiam incluir países do norte da Europa, onde se espera que os Invernos mais amenos e Verões mais quentes aumentem o desempenho do setor primário da economia.

NOUTROS PAÍSES, CONTUDO, UMA TAL REVIRAVOLTA SERIA LITERALMENTE DESASTROSA.

Por exemplo, os países do sul da Europa e as planícies da Europa Central estão ameaçados por secas extremas prolongadas, que podem levar à escassez de água. Se a temperatura média subir 2 graus Celsius, um terço das pessoas no sul da Europa não terá água suficiente. Na mesma região, a seca pode afetar 49% das terras aráveis e durar meses.

É claro que isto também afetará os tipos de culturas que seremos capazes de cultivar no futuro. Com as alterações climáticas, as ecozonas agrícolas começarão a migrar para norte. Por exemplo, a produção tradicional de cereais no Sul irá diminuir em 12%, enquanto no Norte irá aumentar em 5%. Mais chocantemente, com um aumento médio da temperatura de 1,5 graus Celsius, será virtualmente impossível cultivar milho no sul da Europa. Também nos podemos preparar para o facto de que no futuro os tomates de melhor qualidade já não virão de Itália, mas sim, digamos, da Alemanha.

Os agricultores que pensam no futuro estão a construir pequenas barragens e a plantar árvores para proteger a água, de modo a que tais explorações agrícolas possam continuar a sobreviver. Mas à medida que a escassez de água se espalha, estas tentativas estão condenadas ao fracasso. Por exemplo, o Tribunal de Contas Europeu estima que três quartos da Espanha poderão ser afetados pela desertificação dentro de algumas décadas, enquanto 99% de Chipre poderá tornar-se uma terra sem vida.

Terra queimada e cidades inundadas

Como o ar mais quente contém mais água, algumas estimativas sugerem que sofreremos mais 35 por cento de chuva extrema, especialmente no norte. E se as temperaturas médias aumentarem mais de 1,5 graus Celsius, as inundações serão um problema frequente para cerca de 5 milhões de europeus por ano.

As cidades também estão em pior situação porque os seus sistemas de esgotos não estão preparados para cargas tão extremas, e a urbanização densa e a falta de espaço verde dificultam o escoamento da chuva. Em Copenhaga, em 2011, por exemplo, as fortes chuvas tornaram as casas, as linhas férreas e as estradas inutilizáveis, causando prejuízos de milhões de euros.

Mas a precipitação não é o único problema. A subida do nível do mar significa que as pessoas que vivem ao longo da costa têm de se preparar para inundações regulares. As cidades baixas nos Países Baixos, Alemanha, Bélgica ou norte de Itália podem ser particularmente ameaçadas. No Mediterrâneo, o nível do mar poderia subir até 1,1 metros até 2100, ameaçando a segurança de 42 milhões de pessoas, mas também potencialmente destruindo sítios do património cultural, como Veneza.

As cheias não são invulgares em Veneza nos dias de hoje. Foto de Marco Ober/Wikimedia Commons

ENQUANTO PARTES DA EUROPA ESTÃO A SER SUBMERSAS, OUTRAS REGIÕES ESTÃO A SER QUEIMADAS.

Em 2018, por exemplo, 178.000 hectares de floresta foram destruídos só na União Europeia por fogos de mato. Além disso, a crescente seca apenas tornará estes incêndios mais intensos e frequentes. E os países do Sul, que estão mais expostos a tais catástrofes devido ao seu clima, serão os principais beneficiários.

Epidemias destrutivas

A COVID-19 também ensinou à humanidade a tragédia que uma pandemia pode causar. Neste contexto, é importante lembrar que as alterações climáticas, por si só, estão a causar o aparecimento de um número crescente de doenças no continente europeu.

Tomemos como exemplo os mosquitos, que são portadores de vírus. Alastram doenças como a dengue, febre do Nilo Ocidental, malária e febre de chikungunya, para as quais não existe atualmente vacina. Contudo, a baixas temperaturas, estes mosquitos são menos contagiosos e a Europa tem até agora evitado estas doenças predominantemente tropicais.

MAS O AUMENTO DA TEMPERATURA PROPORCIONA UM AMBIENTE MUITO FAVORÁVEL PARA OS MOSQUITOS.

Por exemplo, o mosquito tigre asiático, conhecido como um dos mais eficientes vetores de vírus, foi detetado em Itália já em 1990 e está agora presente nos Países Baixos e na Bélgica. As altas temperaturas não só ajudam os mosquitos a sobreviver, como também aumentam a sua infecciosidade. A febre Chikungunya, por exemplo, não pode espalhar-se abaixo dos 18 graus Celsius, mas pode espalhar-se sem obstáculos acima dos 28 graus, por exemplo. Os efeitos disto já estão a ser sentidos, com 180 pessoas na Europa a morrerem de febre do Nilo Ocidental em 2018.

PARA ALÉM DOS MOSQUITOS, AS CARRAÇAS QUE PROPAGAM A ENCEFALITE E A DOENÇA DE LYME PODEM TAMBÉM MIGRAR MAIS PARA NORTE E APARECER NAS ALTITUDES MAIS ELEVADAS DOS ALPES OU MESMO NAS FLORESTAS ESCANDINAVAS.

Impactos económicos

Os impactos económicos das alterações climáticas poderiam ser igualmente devastadores e não é exagero dizer que poderiam mesmo levar à divisão da Europa. O continente já foi dividido entre os países do norte mais prósperos e os países do sul mais atrasados. Não é preciso ir longe para compreender isto, mas apenas para recordar as divisões que surgiram na sequência da crise do euro entre o Norte, que exigia maior disciplina fiscal, e o Sul, que estava profundamente endividado, sobre a forma de gerir a crise.

ESTA DIVISÃO ESTÁ DESTINADA A ALARGAR-SE, ESPECIALMENTE PORQUE AS PRINCIPAIS VÍTIMAS DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS SERÃO OS PAÍSES DO SUL, MAIS DESFAVORECIDOS FINANCEIRAMENTE.

A União Europeia está bem ciente disto, e um relatório publicado em 2020 mostra que entre 2000 e 2015 o continente perdeu o equivalente a 300 mil milhões de dólares por ano em resultado das alterações climáticas.

Haverá também uma enorme queda na produtividade do trabalho, especialmente no Mediterrâneo. Na semana passada, por exemplo, os agricultores de uma província do sul de Iola foram proibidos de trabalhar durante as horas mais quentes do dia depois de um homem ter morrido de calor extremo enquanto trabalhava.

O trabalho perdido no Sul terá de ser substituído no Norte, mas a própria União Europeia não acredita que possa agir rápida e eficazmente para combater as alterações climáticas e evitar completamente os seus efeitos. No final do dia, não haverá escolha senão para os países mais afortunados do Norte ajudarem os seus homólogos do Sul.

ESTA SERÁ CERTAMENTE A MAIOR TAREFA QUE A UNIÃO EUROPEIA ALGUMA VEZ ENFRENTOU. MESMO QUE NÃO POSSAMOS EVITAR COMPLETAMENTE OS EFEITOS DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, PODEMOS MITIGÁ-LOS. E ISSO REQUER UMA AÇÃO IMEDIATA.

Fonte: Politico | Portfolio.hu

Também poderá gostar de

O nosso website utiliza cookies para melhorar a sua experiência de navegação. Aceitar Ler Mais

Privacidade