Em tempos em que perigosamente a terceira onda da pandemia se agiganta – os números de hoje indicam quase 9 mil novos infetados, com mais de 160 óbitos (quase 17 mil no total) – para nós húngaros, o mais natural seria esquecer o que foi mal feito e acreditar que agora é que vai ser…
Até porque o nosso PM Orbán ainda esta manhã disse na Rádio Kossuth que “Láttam már novemberben, hogy nagy baj lesz” (já em novembro vi que o problema será grande)”…
Mas há coisas que entram pelos olhos adentro e obrigam mesmo, nem que apenas por um artigo de “escárnio e maldizer”, refazer a história infantil dos Irmãos Grimm – A Branca de Neve e os 7 Anões, a madrasta malvada e o seu – Espelho, espelho meu, há alguém no mundo mais bonita do que eu?
Em tempos de Pandemia, na Hungria de hoje, a pergunta é outra. A pergunta é iliberal-e-grande-negócio-para-alguns e escreve-se assim:
Espelho, espelho meu, alguém no mundo tem mais ventiladoras do que eu?
Vamos por partes, o motivo próximo do artigo desta semana.
Na quarta-feira foi publicado no jornal oficial, o decreto número 106/2021(III. 10.) no qual o governo “solicita ao Ministro dos Recursos Humanos, com a intervenção do Ministro do Interior e do Ministro dos Negócios Estrangeiros e Comércio, determinar a quantidade exata, tipo e número de série dos ventiladores destinados à venda”… ou seja, usar a rede diplomática para vender as “sobras armazenadas”…
Espelho (deles) ventiladores e percentagens (1-2%)
Estamos todos recordados, está a fazer um ano – agora é hora das vacinas que também valerá a pena acompanhar com atenção – da luta, sem um mínimo de fair play, entre os países, por conseguirem as máquinas ventiladoras suficientes para enfrentar a pandemia.
Nessa luta, entre os países europeus de média dimensão, o grande vencedor, a medalha de ouro da caça aos ventiladores chineses, foi a Hungria de Viktor Orbán e o “seu-fiel-moço-de-recados” Péter Szijjártó, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Comércio.
Compraram no total 16 mil máquinas que custaram mais de 300 mil milhões de forints, cerca de 850-860 milhões de euros!
Espelho espelho meu há alguém que faz negócios como eu (eles)?
É muito difícil! Na primavera passada, em nome do governo, através de intermediários muito bem posicionados, foram comprados 16.000 ventiladores, mesmo apesar de Orbán ter afirmado que as estimativas mais pessimistas apontavam para a “necessidade máxima de 8.000 máquinas no pico da pandemia”.
Resumidamente, as compras ”a grosso” tiveram de tudo: desde os ventiladores terem sido 3-4 vezes mais caros que os preços médios do mercado internacional, até alguns lotes terem sido comprados por uma empresa fantasma…
Mas o melhor estava por se descobrir: muitas máquinas anti-covid-19, não eram ventiladores, mas máquinas para tratamento de problemas respiratórios graves e outras doenças pulmonares, para uso domiciliário, em casa, não nos hospitais…
Compraram tanto ou tão pouco que há longos meses, milhares de ventiladores estão guardados em armazéns públicos, a acumular pó, à espera de serem colocados ao uso ou de serem vendidos…
Quem quer, quem quer? Compra 1 e leva 2…
Recapitulando. Já em outubro de 2020, o governo, através das embaixadas da Hungria espalhadas pelo mundo, colocou à venda os ventiladores a mais. Os resultados não foram famosos – não foi por aqui que as exportações húngaras aumentaram… daí de novo o acima referido decreto número 106/2021(III. 10.)
Já que estamos com a mão na massa… de recordar que em abril de 2020 Tamás Menczer, secretário de estado de Szijjártó anunciou na televisão estatal M1 que mais de 16.000 ventiladores tinham sido encomendados para garantir que 10.000 chegassem de certeza (!) e que o valor das máquinas ventiladores encomendadas tinha sido superior a 300 mil milhões de forints, acrescentando “O grupo de especialistas disse que no caso de uma pandemia em massa, 8.500 pessoas podiam precisar de ser ventiladas ao mesmo tempo, e a equipa operacional queria estar preparada para o pior cenário…
É por isso que por ser necessário 10.000 máquinas… foram compradas 16.000…
Já agora, não esquecer 2 pequenos pormenores: ainda mais que o número de ventiladores, mais importante é o número disponível de profissionais, que no máximo um profissional especializado consegue acompanhar 2 máquinas. Não importa quantas camas e ventiladores existem, mas quantos profissionais de saúde qualificados podem ser mobilizados para cuidar dos doentes infetados.
No outono o número de pessoas ligadas aos ventiladores era cerca de 400 (o número mais elevado foi 410). Com o aumento exponencial do número de doentes em estado grave, nas últimas 2 semanas mais que triplicou o número de pessoas nas máquinas ventiladoras.
Ainda recentemente, Béla Merkely, Reitor da Universidade de Medicina de Budapeste, afirmou que o número máximo de máquinas ventiladores a funcionar que o sistema nacional de saúde húngaro aguenta é 1000.
Hoje domingo dia 14 de março, esse número era de 1005.
Uma nota final de que quem pouco percebe de comércio internacional, só que a percentagem da intermediação dos negócios tenha sido 1-2%, mas que belo negócio que alguns fizeram, melhor que ir ao casino…
András Gellei, Budapeste, 14 de março de 2021